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EPSJV promove roda de conversa sobre cuidadores da pessoa idosa

O encontro trouxe Helena Hirata, professora da Universidade de Paris e uma das principais referências no mundo da literatura sobre o trabalho feminino de cuidados
Portal EPSJV - EPSJV/Fiocruz | 26/09/2018 09h07 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Sob o título 'Formação, Trabalho e Cuidados: experiências e perspectivas’, a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) promoveu no dia 21 de setembro uma roda de conversa para discutir as condições de trabalho dos cuidadores da pessoa idosa. “Não é suficiente discutirmos apenas as competências desse trabalhador, no sentido dos conteúdos que devem ser ensinados nos cursos, mas sim pensar uma forma mais abrangente das condições de trabalho que precisam ser dignas, em suas inserções nas diferentes políticas sociais”, afirmou o professor-pesquisador da EPSJV/Fiocruz, Daniel Groisman, na mesa de abertura.

A diretora da EPSJV, Anakeila Stauffer, destacou a importância de se discutirem as políticas de cuidado diante do aumento da quantidade de pessoas com mais de 60 anos no Brasil. Segundo ela, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em cinco anos (2012 a 2017), houve um aumento de 12,8% para 14,6% da população de idosos. “Tivemos um crescimento de quase 20% de idosos. Ou seja, esses dados demonstram o envelhecimento da nossa população. Cada vez temos menos filhos e, pelo empobrecimento da população, temos que sair para trabalhar. Nesse sentido, quem cuida dos nossos idosos?”, questionou, acrescentando: “É muito importante pensarmos que isso traz um desafio para a atenção à saúde. Setenta porcento dos nossos idosos são atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que precisa estar cada vez mais fortalecido. Precisamos lutar por um SUS público, estatal, universal e de qualidade”.

Anakeila ressaltou a relevância da formação de cuidadores de idosos ofertado pela EPSJV: “Como ele ainda não é um trabalhador do SUS e sua profissão não é regulamentada, a gente precisa que a formação seja organizada cada vez mais de forma consistente, sólida e incorporando o conhecimento de várias disciplinas”. Por fim, a diretora afirmou que a EPSJV, em conjunto com várias instituições, continua na luta pela revogação da resolução 582/2018 , do Conselho Federal de Enfermagem, que proíbe que enfermeiros ensinem práticas de enfermagem tanto em aulas teóricas como em atividades de estágios em cursos de cuidadores de idosos.

Ana Gilda Santos, presidente da Associação dos cuidadores da pessoa idosa, da saúde mental e com deficiência do Estado do Rio de Janeiro (Acierj), caracterizou a categoria profissional: “Somos profissionais presentes no cuidado com a pessoa idosa, na saúde mental, na deficiência. Estamos nas residências particulares, nas instituições de longa permanência, nos abrigos, nas unidades de acolhimento, nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), dentre outros”. E acrescentou destacando o papel desse trabalhador, que deve dar autonomia à pessoa que está sendo cuidada: "A proposta do cuidado é secretariar a pessoa que precisa, mas não fazer por ela. Esse é o nosso papel".

Formação, Trabalho e Cuidados

“Cuidar de idosos ou de doentes no interior da família é uma maneira de começar a se formar e se interessar pelo trabalho do cuidado”, afirmou Helena Hirata, professora da Universidade de Paris e uma das principais referências no mundo da literatura sobre o trabalho feminino de cuidados, na roda de conversa 'Formação, Trabalho e Cuidados: experiências e perspectivas’.

A professora apresentou dados de sua pesquisa comparativa sobre o tema realizada no Japão, na França e no Brasil. Em relação à especificidade brasileira quanto à formação e aos diplomas para o trabalho do cuidado, Helena apontou que o trabalho de cuidadores não é regulamentado como profissão pelo Estado brasileiro, como no Japão e na França. Entretanto, ela afirmou que desde 2000, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) introduziu a palavra "cuidado". "O nível requerido de formação profissional para ser cuidador é baixo no Brasil, há cursos de 25 horas. E não há um diploma reconhecimento pelo Estado, pelo Ministério da Educação (MEC), como no Japão e na França", ressaltou.

“No Japão, a formação em Serviço Social é bastante comum para os profissionais do cuidado. Já o nível de formação de cuidadores na França raramente é de nível universitário. Já que para adquirir a formação de cuidadores ou auxiliar de enfermagem não há necessidade de diplomas prévios, por exemplo", complementou Helena.

Rachel Gouveia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também apresentou uma pesquisa com 258 cuidadoras que atuam na política de saúde mental, mais especificamente aquelas que trabalham nos serviços residenciais terapêuticos do Rio de Janeiro. Em relação ao gênero, a pesquisa apontou que 88% são mulheres e 12% são homens. Desse universo, 72% se declaram negras (pretas, negras e pardas), 26% brancas e 2% não foi identificado. Sobre a escolaridade, Rachel constatou que 64% possui o ensino médio completo, em 15% dos casos não foi possível identificação, 5% apresentam o ensino fundamental incompleto, outros 5% têm o ensino superior completo, 4% o ensino fundamental completo, outras 4% o ensino médio incompleto e 3% o ensino superior incompleto.

Os resultados, segundo Rachel, permitem afirmar que esse trabalho é executado, majoritariamente, por mulheres negras, pertencentes às camadas empobrecidas da sociedade. “O que nos possibilita demonstrar que a invisibilidade e a subalternidade das profissões, ocupações e funções exercidas pelas mulheres ainda são permeadas pelas desigualdades e opressões de classe, gênero, raça e etnia, além de estarem vinculadas a uma naturalização dos padrões ditos femininos. Tudo isso implica diretamente ou não profissionalização e reconhecimento desse tipo de trabalho”, apontou.

Para Lea Carvalho, da Escola de Formação Técnica em Saúde Enfermeira Izabel dos Santos (ETIS), o conceito de cuidado precisa ultrapassar a formação. “Precisa ser levado para nossas famílias, nossas escolas, nas comunidades que frequentamos... Quantos candidatos falam a palavra cuidado quando vão pedir votos?”, questionou, completando: “Eu não posso ter um diploma se não tiver comprometido com o cuidado, com a vida, com o lugar onde todos tenham vez e voz. Não só os mais ricos e brancos. O cuidado acontece na valorização da diversidade humana”.

Experiência da EPSJV

Groisman falou da experiência do curso de cuidador de idosos, ofertado pela EPSJV desde 2007. Segundo o professor, quando começou, o curso tinha a carga horária de 160 horas, passando para 200 horas em 2008. Em 2018, foi feita uma atualização do currículo, aumentando a carga horária para 240 horas. "Fizemos isso não só para fortalecer a abordagem de determinados conteúdos e incluir alguns outros, mas também para encaixar o curso na modalidade de "Qualificação Profissional no Cuidado à Pessoa Idosa" dentro da legislação do MEC", contou.

Sobre o perfil dos alunos desse curso, que são mulheres em sua maioria, Groisman afirmou que são pessoas em situação de pobreza, vulnerabilidade social e sem acesso a uma qualificação profissional. "Não basta o curso ser gratuito, a gente percebeu que precisava dar uma ajuda de custo para locomoção e oferecer também o almoço. Isso fez uma grande diferença para diminuirmos a evasão escolar", explicou.

Por fim, Groisman destacou as difíceis condições de trabalhos das cuidadoras nos domicílios e em instituições, como as longas e duplas jornadas, estresse por carga de trabalho, situações de maus tratos, dentre outras. “Ao mesmo tempo, essas trabalhadoras sofrem com a desvalorização social, a falta de reconhecimento, com o preconceito nos ambientes de trabalho e na sociedade e com as mais variadas formas de violências”, caracterizou, pontuando: “Essas constatações nos fez perceber a necessidade da militância por melhores condições, por uma organização política, pela regulamentação da profissão. Porque não basta fazer o curso, a gente precisa transformar a realidade”.