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Escola Politécnica celebra seus 35 anos

Evento virtual teve um debate sobre o mundo do trabalho, inauguração da Praça Luiz Fernando Ferreira e integração entre trabalhadores e estudantes
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 28/08/2020 16h35 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

A Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) completou, no dia 19 de agosto, 35 anos de atuação na educação profissional em saúde. A celebração contou com um evento virtual para debater as reflexões no mundo do trabalho no contexto atual, a inauguração da Praça Luiz Fernando Ferreira e um momento de integração entre trabalhadores e estudantes.

Na abertura, a diretora da Escola Politécnica, Anakeila Stauffer, afirmou que apesar do momento tão doloroso da vida do país, com tantas mortes e perdas decorrentes da pandemia e a destruição dos direitos da classe trabalhadora, é preciso celebrar que a EPSJV faz parte da Fiocruz e que, como escola pública, luta há 35 anos para ser uma escola socialmente diferenciada, laica e que realiza a formação dos trabalhadores e trabalhadoras técnicas para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Realiza também formação junto com movimentos sociais, formação docente e pesquisa. Conseguimos fazer muitas coisas juntos. Em momentos em que o individualismo impera na sociedade, é de extrema importância que consigamos realizar trabalhos coletivos, aprendendo e nos educando mutuamente”, ressaltou.

Anakeila relembrou algumas figuras importantes na criação e desenvolvimento da EPSJV. “Lá na fala de abertura do nosso primeiro seminário “Choque Teórico”, Luiz Fernando nos conta que a ideia da criação da Escola surge de uma alucinação, em uma mesa de bar em Bonsucesso, onde ele, Arouca e Arlindo Fábio Gómez de Souza, pensaram em constituir o Politécnico da Saúde. Assim, ele agradecia a Gaudêncio Frigotto e a Joaquim Venâncio por embarcarem nessa alucinação – nessa boa alucinação”, contou e continuou: “Esse processo de educação coletiva, como dizia Paulo Freire, que os seres humanos se auto educam, também está em nosso DNA. E muitos outros se juntaram a esse processo educativo ao longo dos 35 anos da Escola”.

“O trabalho como princípio educativo, a escola da vida e do trabalho, ter um corte de classe definido: tudo isso também está  no DNA da Escola Politécnica. E não é fácil manter essas premissas e princípios em uma sociedade de capitalismo periférico, dependente, subordinado. Esse é nosso processo diário de trabalho, de labuta”, concluiu Anakeila.

Após a abertura do evento, foi realizada a cerimônia de inauguração da Praça Luiz Fernando Ferreira. A professora-pesquisadora da Escola Politécnica, Bianca Antunes Cortes, fez uma homenagem a Luiz Fernando, um dos fundadores da EPSJV, que morreu em outubro de 2018. “Luiz Fernando era guardião das nossas histórias, guardião de Manguinhos. Declaro a minha felicidade por estar aqui, todavia, nesses tempos tristes, penso que preciso explicar porque me sinto tão feliz. Em uma instituição como a Fiocruz, estamos cotidianamente desafiados a olhar para o mundo de uma forma ampla. É isso que nos faz estar aqui, inaugurando esse espaço, um espaço livre, uma praça, que nos convida a imaginar e sonhar futuros. Não existem paredes, muros. Um espaço plural, multiusosfalou, emocionada, se referindo ao novo espaço da Escola, que será usado para atividades pedagógicas e eventos. A construção da Praça contou com a parceria da Vice-presidência de Gestão da Fiocruz, da Fiotec e do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos). A obra foi executada pela empresa RAC em contrapartida à Escola Politécnica ter cedido seu prédio como hospedagem, área de refeições e convívio dos trabalhadores da RAC, durante a construção do Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19 e da Unidade de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19.

A diretora da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, também participou da celebração de aniversário da Escola Politécnica. Em susa fala, ela cumprimentou toda a comunidade escolar da EPSJV e também todos que tornaram esse sonho possível. Destacou ainda a importância de pensar no papel especial do Politécnico. “Gostaria de ressaltar o papel dessa Escola para o SUS, para a criação e inovação, para a politecnia. Além de tudo que faz como parte de sua missão, a EPSJV é um instituto solidário, que demonstrou um grande compromisso com a sociedade brasileira nessa pandemia”, afirmou, referindo-se ao fato de que a EPSJV abrigou em suas instalações os trabalhadores que se dedicaram à construção do Centro Hospitalar para a Pandemia de Covid-19 da Fiocruz.

Mundo do trabalho e Covid-19

Continuando a programação, o professor da Universidade de São Paulo (USP), Ruy Braga, fez uma palestra com o tema “Reflexões sobre o mundo do trabalho no contexto da pandemia de Covid-19”, com a mediação de Roberto Leher, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em sua fala, Leher destacou a importância do debate sobre o mundo do trabalho no ambiente da EPSJV que, segundo ele, foi constituída num momento luminoso da história brasileira, em um contexto de luta e redemocratização do país. “Foi construída uma escola inspirada no valor humano fundamental de que todos os seres humanos são intelectuais. Uma escola que recusa a distinção entre quem pensa e quem executa, quem manda e quem obedece, fundamentos da pedagogia, da educação unitária”, apontou.

Para discutir sobre o mundo do trabalho no contexto de pandemia do novo coronavírus, Ruy Braga se baseou em algumas questões iniciais. “Parece-me importante saber como a pandemia irá impactar as distinções entre os setores formais e informais da economia brasileira, depois, saber como a pandemia exacerbou as desigualdades sociais e alterou, de alguma forma, a divisão de classes sociais, e, por fim, saber até que ponto as respostas da pandemia reformaram formas antigas de organização de trabalhadores”, definiu.

Na interpretação do professor, as preocupações com a combinação entre crise econômica, resposta política autoritária, pandemia e crise sanitária apenas atualizam e aprofundam o que ele chama de uma “crise sócio-reprodutiva”, que junto com a crise econômica, atinge de maneira muito aguda os setores populares. “Quando se fala em crise sócio-reprodutiva, fala-se, na realidade, nas próprias condições sociais de produção e reprodução das classes subalternas, que são alteradas de maneira muito aguda com a pandemia. Ela se aprofunda nesse contexto, colocando a sociedade brasileira numa situação de extremo risco, insegurança, uma espécie de crise social em escala inédita na história brasileira”, apontou.

Em relação aos setores informal e formal, Ruy chamou atenção para a importância da redefinição conceitual da informalidade, feita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2017, que, segundo ele, “alargou o conceito para dar conta também daqueles setores da classe trabalhadora que, a despeito de fazerem parte formalmente ou idealmente do setor formal, vivem em condições que se aproximam de maneira muito íntima daqueles setores informais que são completamente destituídos de proteção social. Em algumas situações, a proteção social é tão frágil, as condições sócio-reprodutivas são tão precárias, que isso acaba levando uma parte importante daqueles trabalhadores que fazem parte idealmente da formalidade para a informalidade. Ou seja, há um grande agregado de pessoas que vive em condições inseguras e desprotegidas”, sinalizou.

Para Ruy, esse comportamento do mercado de trabalho brasileiro, que se especializou, a partir de 2015, em aumentar o desemprego e transformar o trabalho formal em informal é degradante: “Esses setores da classe trabalhadora que foram desempregados e depois foram para a informalidade acumularam uma espécie de ressentimento, que costumo chamar de Política do Ressentimento. Eles perceberam um progresso durante os anos 2000, mas rapidamente esse progresso se mostrou bastante limitado e a informalidade passou a ser uma alternativa atraente”.

Outro aspecto levantado por ele é que essa tendência que já vinha de antes se deteriora com a pandemia. “Aquele pandemônio que o mundo do trabalho brasileiro já vivia, acaba se degradando ainda mais, se agudizou”, disse ele. De acordo com o professor, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, de abril a junho de 2020, nove milhões de empregos foram perdidos no país. “Houve uma queda na taxa de informalização da força de trabalho brasileira e, evidentemente, eles não foram para o setor formal. Os empregos simplesmente desapareceram, o que significa que houve uma perda muito grande de renda daqueles que já ganhavam menos”, ressaltou, pontuando que o Brasil, com a pandemia, vive sobre uma verdadeira “bomba relógio” do ponto de vista do emprego e da renda.

“Aí entra a questão da desigualdade. A gente tem verificado que a pandemia aprofundou tendências que já vinham desde a crise de 2015, passando pela aprovação da Reforma Trabalhista de 2017. Essas tendências apontavam para uma maior polarização do mercado de trabalho entre aqueles que ganham muito e os que ganham praticamente nada”, apontou, evidenciando que existem ainda tendências desiguais entre os que se mantiveram nos empregos, conseguindo migrar para o home office, e os que tiveram postos de trabalho fechados por causa da pandemia.

Linha do Tempo

Após o debate, foi lançada a Linha do Tempo da Escola, que reúne alguns dos marcos da instituição ao longo de sua trajetória e que continuará a ser atualizada com os fatos marcantes da EPSJV.Em seguida, houve uma homenagem aos trabalhadores da Escola Politécnica que se aposentaram ou faleceram nos últimos cinco anos.

Para encerrar a celebração, trabalhadores e estudantes se reuniram virtualmente para o “Cultura na EPSJV”. Durante o encontro, eles puderam assistir apresentações artísticas, conversar e se confraternizar, celebrando os 35 anos da Escola.

Assista o vídeo do evento, na íntegra, no canal da EPSJV no Youtube.

Comentários

Boa noite. É com muito orgulho saber que EPSJV está sendo dirigida pela professora Anakeila. Tive o grande prazer de ser sua aluna na UERJ/ FEBF e seus ensinamentos foram inesquecível. Abraço.