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Evento discute revisão ética nas pesquisas qualitativas

Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Politécnica promove debate com a participação de alunos, professores-pesquisadores e convidados externos.
Juliana Chagas - EPSJV/Fiocruz | 08/09/2008 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


Rudney, André e Iara debatem a Resolução 196A Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, estabelece as diretrizes e normas que devem ser respeitadas em pesquisas que envolvem seres humanos. Mas, apesar de esse documento servir como regra para a análise de projetos de todos os campos científicos, ele tem exigências que muitas vezes não podem ser atendidas pelos pesquisadores que utilizam o método qualitativo em suas análises. Por isso, o Comitê de Ética da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) organizou, no dia 8 de setembro, o debate ‘Pesquisa Qualitativa e Revisão Ética no Sistema CEPs-Conep’ para, junto com alunos, professores-pesquisadores e convidados externos, discutir a necessidade de se criarem alternativas às atuais regras de avaliação do Sistema dos Comitês de Ética e Pesquisa da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEPs-Conep). Participaram como debatedores Iara Guerriero, doutora em saúde pública pela USP e ex-coordenadora do Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, e Rudney da Silva, doutor em engenharia de produção pela UFSC e membro da Conep.   



 



Segundo André Dantas, coordenador do Comitê de Ética da EPSJV, o evento da Escola Politécnica teve o objetivo de contribuir para as discussões sobre o assunto que estão sendo feitas desde abril por um Grupo de Trabalho (GT) da Conep. “Há um descompasso entre a concepção de pesquisa que está posta na Resolução 196 e os métodos utilizados nas pesquisas qualitativas, nas quais o pesquisador não desconsidera a sua própria subjetividade. Nossa idéia, portanto, foi pôr este problema em discussão e contribuir com o debate”, disse ele, lembrando que cada vez mais revistas científicas e agências financiadoras têm solicitado aos pesquisadores pareceres de Comitês de Ética sobre seus projetos.



 



Segundo Iara Guerriero, para entender por que a Resolução 196 não atende a parte das pesquisas qualitativas, é preciso lembrar quais são os documentos que subsidiaram sua elaboração. “Alguns dos documentos são o Código de Nuremberg (1947), elaborado por dois médicos, a Declaração dos Direitos do Homem (1948), a Declaração de Helsinki (1964) – da Associação Médica Mundial –, que é um guia para todo médico que conduz pesquisa em seres humanos, e o Relatório de Belmont, que tem três princípios incorporados pela Resolução 196 que servem basicamente às pesquisas biomédicas. E os avaliadores das pesquisas das ciências humanas acabam usando para seus pareceres uma resolução que não atende às necessidades das pesquisas dessa área”, afirmou.



 



Para a análise de uma pesquisa por um Comitê de Ética, um dos documentos exigidos é o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), no qual o pesquisador deve mostrar os benefícios e os riscos que o seu trabalho trará para a população em estudo, onde será publicado o resultado, em que consistirá o teste de hipótese, quais serão os procedimentos usados na pesquisa, como serão as instalações nas quais se realizarão as etapas do projeto e como será o teste de laboratório. “O teste de um novo medicamento, por exemplo, segue procedimentos que são desenhados previamente no projeto de pesquisa. Portanto, ele atende às exigências da Resolução 196. Já uma pesquisa antropológica, por exemplo, é feita em conjunto com a comunidade envolvida que, muitas vezes, se torna co-autora do trabalho científico. Como cumprir, então, as determinações da 196?”, indagou.



 



Para Iara, que analisou, em sua tese de doutorado, 42 projetos da área da saúde que utilizaram o método qualitativo, é preciso elaborar diretrizes específicas para esse tipo de pesquisa. “Analisei os princípios éticos utilizados nesses trabalhos e percebi que eles têm características comuns. Eles não prevêem, por exemplo, teste de hipótese, seu desenho é feito durante a própria pesquisa, visam à melhoria da qualidade de vida da população estudada e submetem o material ao voluntário para que ele verifique se foi bem representado. Por isso, muitas das solicitações da Resolução 196 são inadequadas às pesquisas qualitativas”, avaliou.



 



O membro da Conep Rudney da Silva também defendeu a necessidade de se pensar uma forma para avaliar as pesquisas que usam o método qualitativo. “Não dá para negar que há uma prevalência das áreas biomédicas na composição dos Comitês de Ética, como houve na elaboração da 196, por mais que ela determine que deva haver uma interdisciplinaridade em sua composição. Mas a própria Resolução afirma que é preciso uma revisão regular do que foi estabelecido. Então, precisamos perceber que o conhecimento científico é plural e que é preciso respeitar isso na hora da avaliação ética dos projetos”, afirmou.



 



Outro consenso entre os debatedores é que o caminho é modificar a legislação para contemplar essas especificidades e não criar uma legislação para as pesquisas quantitativas e outra para as qualitativas. Rudney ressaltou ainda que nada disso significa, na sua opinião, que se deva diminuir o rigor da regulação ética nas investigações qualitativas. “Acho que é preciso ter tanto rigor quanto nas pesquisas quantitativas. Porque, se não, cercamos o dano à saúde das pessoas, mas ignoramos o dano cultural que uma pesquisa pode causar”, disse.



 



Apresentação Iara Guerriero



Apresentação Rudney da Silva