Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Fascismo ontem e hoje

Debate promovido pela Escola Politécnica, no dia 28 de junho, reuniu os pesquisadores Demian Melo, professor da Universidade Federal Fluminense, e Virgínia Fontes, da EPSJV
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 03/07/2018 09h37 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

“Fascismo é uma vertente da direita, mas nem toda direita é fascista”. Assim o historiador Demian Melo, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), começou sua fala no debate ‘Fascismo ontem e hoje: sinais e formas de enfrentamento’, promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) no dia 28 de junho. O evento contou ainda com a participação da professora Virgínia Fontes, da EPSJV/Fiocruz.

Para Demian, a tendência de uma parte da esquerda hoje, de caracterizar qualquer manifestação conservadora ou violenta como fascismo, é um erro e presta um desserviço ao enfrentamento desse movimento. Para que se saiba identificar quando estamos diante de uma ameaça fascista, é necessário ser preciso e buscar na experiência histórica do fascismo que se deu no início do século 20 as características que permitem algum grau de comparação, ressaltou o historiador.

A primeira especificidade desse movimento, segundo Demian, é o fato de ter se configurado como uma “direita de massas”, com perfil mobilizador. Isso porque, até a emergência do fascismo, disse, a direita tinha “ojeriza” à mobilização popular. O fascismo foi também um movimento contrarrevolucionário, que, historicamente, nasce num contexto em que se viam explosões revolucionárias em vários países europeus, na esteira da Revolução Russa. Era um momento, disse, em que a esquerda crescia no continente, tanto nas organizações de base quanto eleitoralmente. “O crescimento do movimento comunista na Itália era concreto, não era paranoia da direita”, exemplificou. O fascismo, portanto, veio como reação. Outra característica importante de ser observada na experiência histórica, de acordo com o palestrante, é a organização de “bandos de assaltos”, grupos que agiam de forma extralegal desmontando piquetes, atacando e até assassinando lideranças de movimentos sociais.

Demian ressaltou que, apesar de os exemplos mais evidentes do fascismo na História virem da Itália e da Alemanha, houve movimentos fascistas em diversos cantos do mundo, inclusive no Brasil, representado pelos integralistas. Nesse caso, explicou o historiador, ocorre o chamado “fascismo-movimento”, diferente dos casos italiano e alemão, onde o fascismo chegou ao Estado e instaurou um regime. “E sempre pelos métodos da democracia formal”, sublinhou, lembrando que tanto Benito Mussolini como Adolf Hitler foram nomeados para os cargos de chefe de Estado que ocuparam – o primeiro pelo rei e o segundo em função da expressiva votação do seu partido.

E hoje?

Mas tudo isso faz muito tempo. Derrotado na 2ª Guerra Mundial, o fascismo tornou-se coisa do passado. Certo? Demian e Virgínia alertam que não.  Mas, para reconhecer um movimento que renasce a partir dos anos 1970 – e que tem sua principal expressão na Frente Nacional, um dos maiores partidos da França, que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais em 2017 –, é preciso reconhecer as diferenças entre a conjuntura de ontem e de hoje. Para Demian, o primeiro destaque é que, diferente do momento atual, um século atrás havia triunfado uma revolução – o que hoje foi substituído, segundo ele, pela “paranoia” de um comunismo que não existe. “Para algumas pessoas, o Brasil estava à beira do comunismo”, ironizou, referindo-se aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Outro elemento distinto, no caso brasileiro, é a ausência de um “nacionalismo extremado” que caracterizou o fascismo italiano e alemão, já que o personagem que o historiador considera a “representação máxima do fascismo” por aqui, o deputado e pré-candidato a presidente da República Jair Bolsonaro, segundo ele, “presta continência para a bandeira dos Estados Unidos”. O estudante Gabriel Reis, do curso de Gerência em Saúde integrado ao ensino médio polemizou, argumentando que, embora não tenha simpatia política por Bolsonaro, não considera que ele possa ser considerado fascista em função do seu posicionamento “entreguista”. Demian concordou com o diagnóstico sobre o deputado, mas defendeu que, para pensar o fascismo num país como o Brasil, é preciso fazer mediações, adequando a análise às características do capitalismo periférico e dependente, sob o risco de se concluir, erroneamente, que o fascismo não é possível em países como o nosso.

Virgínia Fontes também comentou particularmente a questão referente ao nacionalismo num possível fascismo contemporâneo. Ela destacou o crescimento de uma direita xenófoba, principalmente na Europa, que tem promovido o discurso de que os imigrantes roubam o emprego dos trabalhadores nacionais. Citou como exemplo os crescentes campos de refugiados em países europeus e o recente episódio de crianças enjauladas e separadas dos pais imigrantes pelo governo Donald Trump nos Estados Unidos. “Essas são práticas fascistizantes, o que não significa um regime fascista. Mas temos que lutar contra elas porque o ovo da serpente está aí”, disse.

Outra diferença do fascismo histórico para as manifestações contemporâneas é, segundo Demian, a relação com o Estado. Isso porque hoje está ausente o discurso estatizante, o que significa que a extrema direita está alinhada com o pensamento neoliberal. “Parte do liberalismo hoje aceita o fascismo”, completou Virgínia, ressaltando, que, no caso do Brasil, Bolsonaro não é a “primeira opção” da direita, mas pode ser aceito por ela. Uma peculiaridade, no entanto, é que essa postura liberal na economia vem associada a um conservador “discurso antissistema” que, na avaliação de Demian, tem sido eficaz em “capturar o signo da revolta” que está espraiada na sociedade. Ele citou o exemplo dos Estados Unidos, em que o presidente ganhou as eleições com um discurso antissistema. E destacou que isso só é possível vindo de um milionário como Trump porque esse discurso “retórico” reduz o ‘sistema’ ao âmbito da política, deixando de fora todo o grande empresariado, como se ele não conduzisse e interferisse nas decisões políticas. Sobre o Brasil, ele foi categórico: “Já temos o discurso, que é muito importante, mas falta organização”, disse, destacando, no entanto, que neste momento está ganhando vida uma organização fascista no Brasil.

O historiador ressaltou ainda alguns elementos de falseamento que caracterizam o discurso fascista no Brasil hoje. O principal deles é uma revisão histórica que tenta negar os crimes e violações cometidas pela ditadura empresarial-militar, chegando-se ao ponto de recusar a própria caracterização do governo militar como ditadura. Outro é a tentativa de associar o fascismo à esquerda, lançando mão, principalmente, da existência da palavra ‘socialista’ na sigla que elegeu Hitler, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães. “Só vão me convencer de que era um partido socialista quando me provarem que cavalo marinho é capaz de trotar ou que o peixe-boi é resultado de um cruzamento de uma tilápia com uma vaca”, brincou.

“Práticas fascistizantes”

Não por acaso, Virgínia Fontes, que falou na sequência de Demian, começou com um alerta. “Eu temo o fascismo”, disse, ressaltando que “precisamos ter olhos e ouvidos abertos para o que está acontecendo”. “O mais importante é prestar atenção às práticas fascistizantes que têm encontrado terreno fértil no Brasil”, lamentou, apresentando exemplos familiares, como a recente operação policial ocorrida na Maré, favela do Rio de Janeiro localizada no mesmo território que a Fiocruz, em que um menino de 14 anos, Marcos Vinícius, foi morto no caminho para a escola. “A polícia atirou do helicóptero, atacando a sua própria população, como se ela fosse inimiga”, descreveu, alertando que, em função da repetição, essas “práticas fascistizantes” vão nos “anestesiando” e se naturalizando. “A execução da Marielle Franco é um abuso. E é um abuso o nosso silêncio quanto a isso”, exemplificou, destacando a importância de se considerar que, além de mulher, negra, favelada e lésbica, a vereadora, assassinada no dia 14 de março deste ano, num crime que ainda não foi solucionado, era de um “partido socialista”. “Milícias protofascistas vêm atuando como se isso fosse normal”, denunciou.

No debate, estudantes e profissionais exploraram aspectos variados das duas exposições. Houve perguntas sobre a diferença entre fascismo e nazismo e o papel que o neoliberalismo reserva ao Estado, questionamento sobre o interesse dos partidos e movimentos de extrema direita em atrair os jovens, explorando uma conjuntura de ceticismo político e debate sobre a conjuntura brasileira. Embora aberto ao público, o evento foi organizado como uma ‘atividade diversa’, componente curricular dos cursos técnicos integrados ao ensino médio da EPSJV/Fiocruz.

Comentários

Chega a ser ridículo vocês compararem um candidato qualquer com facistas sem incluírem o outro lado da história, a começar que facismo foi um tipo de governo totalitário, assim como todos os governos de esquerda. Eu não sou historiador e nem formado ainda, mas sei muito bem que todos os governos de esquerda seguem o totalitarismo, tal como o governo de mussolini, podemos citar os de mao tse tung, hitler, stalin, kim jong hyun. É incrível como instituições de ensino, como a fiocruz, permite com que se pregue ideologias doutrinatórias, sendo que um dos principais papéis das instituições de ensino é induzir as pessoas à consciência crítica.