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Fundação Estatal em debate

Mesa-redonda pôs em discussão a necessidade, a eficiência e a legalidade das Fundações públicas de direito privado.
Raquel Torres - EPSJV/Fiocruz | 24/09/2008 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


As fundações estatais de direito privado foram pensadas como uma alternativa ao modelo atual de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto é alvo de pesadas críticas, mas, de acordo com seus defensores, levaria a um aumento da eficiência dos hospitais na prestação de serviços, desprecarizaria as relações de trabalho e agilizaria as ações de compra de insumos e contratação de pessoal.



Para discutir o tema, foi organizada a mesa-redonda ‘Gestão em saúde: as fundações estatais em debate’, como parte do seminário de gestão ‘Política e Juventude: desafios e propostas para uma cidade mais saudável’, promovido pelo curso de Educação Profissional de Gestão em Serviços de Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Os palestrantes convidados foram Salete Maccalóz, juíza da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, e Luciano Bezerra Gomes, médico sanitarista e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).



Luciano atuou na Secretaria de Estado da Bahia em 2007 e participou da elaboração do projeto de Fundação Estatal para o estado. Em sua palestra, ele descreveu uma série de problemas que atrapalhariam o funcionamento do SUS e que a criação das fundações estatais pretende solucionar. “A precarização dos vínculos de trabalho é um problema gravíssimo. Na região Nordeste, por exemplo, quase todos os profissionais da Estratégia Saúde da Família são contratados por vínculos informais. Isso acaba gerando uma grande rotatividade das equipes e a descontinuidade dos processos. Há também a ilegalidade administrativa, que se concretiza nas compras sem licitação e na ausência de fiscalização. E isso sem falar no problema do acesso universal porque sabemos que existe dupla porta de entrada nos hospitais públicos”, disse.



De acordo com Luciano, o modo de organização das fundações estatais faz com que o profissional seja mais valorizado e reconhecido pelo seu desempenho, e essa é uma das suas grandes vantagens. “O contrato é feito pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que acaba com a precarização, e o valor dos salários é mais flexível. Assim, é possível manter em determinado hospital público profissionais que, com o salário pago atualmente, preferem ganhar mais trabalhando na iniciativa privada. Além disso, a gestão descentralizada e a autonomia dos gestores tornam os processos menos burocráticos. As compras, por exemplo, são feitas como em uma empresa pública, o que agiliza os processos”, explicou, ressaltando: “Ao contrário do que alguns críticos alegam, fundação estatal não é terceirização, porque só faz contratação entre empresas públicas e só admite trabalhadores do Estado, concursados. Também não se trata de privatização, já que a propriedade é pública, a gestão é pública, o financiamento é público e a direção é pública. E fica realmente vedada a dupla porta de entrada no SUS”, alegou.



Já Salete Maccalóz se mostrou categoricamente contra as fundações estatais de direito privado desde que começou sua palestra: “É impossível lidar com recursos públicos com administração privada. A Constituição Federal de 1988 não admite essa possibilidade. O público é tudo aquilo que é do interesse do povo e da nação. E o privado é interesse privado. Como água e óleo, as duas coisas não se misturam jamais”, afirmou.



Para a juíza, os problemas do SUS não são fruto da administração pública direta, mas sim, em grande parte, da má gestão. “Diz-se muito que o que é público não funciona. No caso dos hospitais, faltam remédios, os funcionários não são pagos etc. Enquanto isso, achamos que o privado é bom, é clean, é sinônimo de eficiência. A verdade é que o gestor do hospital tem livre gestão, sim, e isso mesmo fora das fundações estatais. Tanto que ele pode fechar determinadas alas quando não encontra recursos. Se a situação vai mal, é papel do gestor apontar os responsáveis e fazer com que sejam punidos. É o gestor quem deve analisar os problemas, levantar suas causas e sugerir ações que mudem aquilo. Se isso não é feito, a culpa não é da administração direta. É do gestor”, argumentou.



Salete alegou que o sistema público tem todas as condições de funcionar corretamente, regido pelo direito público. “A precarização, a dupla porta de entrada e maus profissionais podem ser combatidos judicialmente. Existem maneiras de punir profissionais que não estão executando bem suas funções: muita gente perde o emprego por improbidade – pode demorar, mas a punição acontece. Órgãos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União existem e fazem a fiscalização. Quanto à remuneração dos profissionais, a administração pública concebe a contratação com cargas horárias diferentes e salários diferentes. A verdade é que não precisamos transformar hospitais públicos em fundações estatais para que eles funcionem. Eles já deveriam estar funcionando. Saúde não pode se esconder atrás de fórmulas que não existem”, disse.



Luciano contestou a afirmação de que as fundações estatais não são aceitas pela Constituição. De acordo com ele, juristas renomados como Maria Sylvia di Pietro e Lenir Santos atestam a legalidade do projeto. “Tanto que temos hoje fundações estatais funcionando em algumas cidades, com aprovação e regulação”, lembrou. Mas Salete não se mostrou convencida. “Essas fundações não vão muito longe. Não se pode contrariar o ordenamento jurídico e a Constituição. Isso só pára nos tribunais depois de feita uma denúncia. Isso vai acontecer, e, quando acontecer, os tribunais vão julgar a inconstitucionalidade e as pessoas responsáveis terão que responder judicialmente”, previu. Luciano reafirmou que outros juristas discordam da posição de Salete e prometeu enviar à direção da EPSJV os documentos que mostram a legalidade das fundações estatais de direito privado, para que eles sejam repassados aos alunos.



A criação de fundações estatais foi proposta pelos Ministérios da Saúde e do Planejamento em 2007. Atualmente, o Projeto de Lei que a regulamenta (PLC nº 92/2007) aguarda votação no plenário da Câmara dos Deputados.



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