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Insetos: modelos para as doenças metabólicas

Em aula inaugural da EPSJV/Fiocruz, especialista em biologia molecular da UFRJ defende o uso de insetos no lugar dos animais vertebrados como modelo de pesquisas sobre obesidade e diabetes
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 22/10/2019 09h55 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
David Majerowicz: 'Os insetos transmitem doenças, comem as nossas comidas e são simples de criar' Foto: Katia Machado

‘Métodos alternativos ao uso de animais vertebrados: insetos como modelos de doenças metabólicas’ deu título à aula inaugural do curso de Atualização em Biossegurança em Biotérios da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), realizada no dia 21 de outubro. Preparada pelo professor da Faculdade de Farmácia e pesquisador do Laboratório de Alvos Moleculares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), David Majerowicz, a palestra destacou-se pelas discussões sobre o uso de moscas e besouros como modelos em estudos das doenças metabólicas, ou seja, daquelas que levam ao excesso de peso e às alterações de colesterol, glicose e pressão arterial, como as diabetes. “Eu vim aqui convencer vocês a usar insetos no lugar dos ratinhos”, brincou Majerowicz.

Ele contou que seu interesse no estudo das doenças metabólicas despertou por conta do panorama da obesidade no mundo, atualmente enquadrada como principal epidemia do século 21. “Hoje em dia, mais gente morre em consequência do sobrepeso do que da subnutrição”, afirmou. São várias as doenças ligadas à obesidade, entre elas a hipertensão arterial e as diabetes tipo 2, além de problemas como embolia pulmonar e dorsalgia (aquela dor constante e intermitente  sentida nas costas).

De acordo com Majerowicz, nada menos do que 95% da população brasileira estará, em 2050, em situação de sobrepeso ou obesidade – a última Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2018) já indica que mais da metade da população brasileira (55,7%) encontra-se com excesso de peso e 19,8% estão obesos.  Segundo o pesquisador, por conta do problema, os custos com a saúde poderão atingir o montante de 330 bilhões de dólares até 2050. “Mas a redução de 5% no IMC, Índice de Massa Corporal [medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal], pode reduzir os gastos em 57 bilhões de dólares”, calculou.

Riscos à saúde
Por conta dos efeitos colaterais, alguns tratamentos farmacológicos para emagrecer já foram retirados do mercado, como o Dinitophenol, que deixou de ser comercializado na década de 1920. Segundo Majerowicz, tratava-se de uma espécie de termogênico usado indiscriminadamente e que provocou algumas mortes. Outra medicação bastante usada para redução do peso e afinamento da cintura, também retirada do mercado, foi o Rimonabant. “O remédio fazia o efeito contrário da maconha, inibia o apetite. Mas, ao mesmo tempo, aumentava o risco de eventos psiquiátricos adversos, levando ao desejo suicida inclusive”, elucidou.

Atualmente, os fármacos mais usados no Brasil para controle da obesidade são a Sibutramina – que já foi retirada do mercado dos Estados Unidos e da Europa, bem como do Canadá e da Austrália, em face do risco de derrame e ataque do coração –, o Orlistate – mais conhecido como Xenical – e a Liraglutida. Este último é um fármaco sintético injetável que foi aprovado em 2009 pela EMEA, agência europeia de medicamentos, em 2010 foi autorizado no Japão e nos EUA , e, em março de 2016, pela Anvisa, Agência Nacional de Vigilância em Saúde. O remédio é usado para controle glicêmico nas diabetes do tipo 2 em adultos. “A Liraglutida é a mais indicada, porém muito cara. O remédio custa R$ 700 em média, por mês”, revelou. Ele ainda alerta que todas as substâncias em uso provocam efeitos colaterais. “Umas mais, outras menos. Mas isso só confirma que muito ainda precisa ser estudado quando se trata de remédios para doenças metabólicas”, garantiu.

Métodos alternativos
Ao defender o uso de insetos como modelos nos estudos das doenças metabólicas, o pesquisador justificou que se trata de espécies animais que “transmitem doenças, comem as nossas comidas e são simples de criar”. “É muito mais fácil fazer manipulação genética do inseto”, frisou. Majerowicz mostrou que um dos modelos mais usados em estudos das doenças metabólicas é a mosca do gênero Drosophila. Segundo o pesquisador, tal qual o ser humano, o inseto tem as células alfa – que produzem glucagon – e as beta – responsáveis pela síntese de insulina.  “As moscas ficam obesas e são resistentes à insulina, tais quais as pessoas que têm diabetes tipo 2”, detalhou. Ele acrescentou ainda que esses insetos ficam cardiopatas, um problema recorrente de quem é obeso. “Calcula-se que 75% dos genes de doenças humanas possuem ortólogos em Drosophila”, informou. Os genes ortólogos são aqueles que possuem a mesma função e origem em comum, tendo se separado no surgimento de uma nova espécie.

No estudo da obesidade e das diabetes que desenvolve no Laboratório de Alvos Moleculares da UFRJ, o pesquisador faz uso do besouro Tripolium castaneum. Ele contou que as larvas do inseto acumulam triacilglicerol – conhecido também como triglicerídeo – e quando saem do casulo e viram adultos, os besouros usam seus estoques de triacilglicerol após a emergência. “O que observamos no estudo é que uma dieta rica em sacarose reduz o tamanho das larvas, enquanto uma dieta rica em gordura aumenta os níveis de glicose e acelera o desenvolvimento dos insetos, bem como inibe a expressão da enzima de lipase Brummer”, esclareceu, acrescentando que os adultos, por sua vez, são resistentes à dieta rica em gordura. “Se tivessem McDonald’s e televisão, os insetos seriam obesos e diabéticos”, satirizou, lembrando que o problema da obesidade é fruto do sedentarismo e da oferta das chamadas comidas fast food.

O curso
Capacitar profissionais a utilizar técnicas de biossegurança em biotérios de criação e experimentação animal e desenvolver o interesse pela aplicação de boas normas de segurança laboratorial. Esse é o objetivo do curso da EPSJV/Fiocruz, destinado a profissionais de nível médio ou superior que exerçam atividades em biotérios de criação e experimentação animal em instituições públicas e privadas. Da turma, fazem parte egressos de cursos técnicos de laboratório ou cursos correlatos.

A atualização está organizado em vários temas que possibilitarão ao profissional desenvolver suas atividades nas ciências de animais de laboratório, implementando e aplicando novas tecnologias na área de biossegurança em biotérios. Segundo os coordenadores Etelcia Molinaro, Silvio Valle e Joel Majerowicz, os temas abordados no curso encontram-se divididos em diversos eixos da criação e da experimentação animal, tais como: primeiros socorros, prevenção e combate a incêndio; qualidade; equipamentos e técnicas de contenção biológicas; desinfetantes e gerenciamento de resíduos biológicos; segurança química e biológica; enfermidades ocupacionais causadas por agentes biológicos; e bioética e legislação.