Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Integração da informação para ampliar a qualidade da atenção básica

EPSJV/Fiocruz promove debate sobre sistemas de informação em saúde para a atenção básica e seus reflexos na gestão do trabalho e do cuidado em saúde
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 18/10/2019 10h24 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Estratégia destaca-se por um prontuário eletrônico do cidadão Foto: Katia Machado

Integração dos sistemas de informação em saúde e seus reflexos na gestão do trabalho e do cuidado na atenção básica. Esses foram os temas que nortearam o seminário ‘Informação em saúde na atenção básica’, promovido pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), no dia 15 de outubro. O encontro reuniu diversos atores do primeiro nível de atenção do SUS e do campo da informação em saúde.

A primeira mesa tratou dos avanços e desafios do e-SUS AB, uma estratégia da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (SAPS/MS) que busca reestruturar as informações da atenção primária. O debate contou com a participação do analista do MS, Igor Gomes, que apresentou a última versão do sistema, além de Albanéa Trevisan, coordenadora da Estratégia Saúde da Família de Piraí – um dos municípios responsáveis pela homologação das novas versões do e-SUS AB –, e do médico de família e comunidade e secretário executivo de regulação em saúde da Secretaria de Saúde de Pernambuco, Giliate Coelho Neto, que pesquisou a integração e a interoperabilidade – que é a capacidade de um sistema se comunicar de forma transparente com outro semelhante ou não – dos sistemas nacionais de informação em saúde no Brasil.

De olho na evolução tecnológica
Promover o avanço tecnológico dos sistemas de informação utilizados na captação de dados da atenção primária à saúde, a APS. Monitorar e avaliar as ações de APS no país. Aprimorar as ferramentas utilizadas por trabalhadores e gestores nas ações de cuidado e gestão na APS. Promover a integração e a interoperabilidade com outros sistemas de informação em saúde. Buscar a reestruturação nas formas de coleta, processamento, validação e uso de informações em saúde na APS. E captar dados para subsidiar o financiamento à adesão aos programas e estratégias da APS. Esses são os objetivos do e-SUS AB, anunciou Igor Gomes.

A estratégia, além de buscar a integração com o Sistema de Informação em Saúde para a Atenção Básica (Sisab) e outros sistemas de informação em saúde, tem sua centralidade em um prontuário eletrônico do cidadão, o PEC, além de preconizar o uso de aplicativos móveis. “A saúde precisa acompanhar a evolução das tecnologias”, justificou Gomes, explicando que o e-SUS AB é uma ferramenta de trabalho do profissional de saúde, “tal qual o serrote é ferramenta de trabalho do marceneiro”. “Ele ajuda a conhecer a história clínica do usuário”, resumiu.

A versão atual, de número 3.2, já foi disponibilizada aos profissionais com função de gerência nas unidades básicas de saúde. “A ideia é ir ampliando para todos os profissionais, gradativamente”, adiantou Gomes. De acordo com o analista do Ministério, os ajustes feitos no e-SUS AB 3.2 permitiram a ordenação nos processos de acesso a serviços das unidades básicas de saúde, induzindo ao acolhimento às demandas dos cidadãos, facilitando a organização e o compartilhamento de agendas e atividades da equipe e otimizando e ampliando o acesso ao serviço de atenção básica. Isso porque unifica cadastros e prontuários.

A estratégia, custeada por meio do repasse fundo a fundo, permite o acompanhamento do envio de dados e a interação com outros sistemas da Pasta. De acordo com Gomes, a ferramenta foi adequada para ser usada em outros tipos de serviços ambulatoriais, como os centros de atenção psicossocial (CAPS) e de especialidades odontológicas (CEOs). “A nova versão dá continuidade ao módulo de acompanhamento da criança, permitindo o registro dos vários momentos de evolução da infância. Alguns ajustes foram feitos também nos registros de acompanhamento do pré-natal. E melhorias foram feitas quanto ao registro de vacinação”, exemplificou.
Ele ainda anunciou que para a próxima versão da plataforma (4.0) foi feito um redesenho do prontuário eletrônico, a partir da interlocução do governo brasileiro PEC e atualizada a plataforma tecnológica para a próxima versão, a 4.0, revelando que o MS está em contato com países,  como Portugal. “Novas possibilidades estão em vista, entre elas a assinatura eletrônica de documentos clínicos, como atestados e prescrição de medicamentos, e a ampliação do leque de interações com outros sistemas do Ministério”, revelou. 

e-SUS na prática
“Todos os municípios estão olhando para a estratégia como um objeto de desejo”, afirmou Albanéa Trevisan. Ela contou como se deu a implantação do e-SUS no município de Piraí, onde ela é coordenadora da Estratégia Saúde da Família. Na região de saúde da qual o município faz parte, são poucos as cidades que usam o sistema, em especial o PEC. "Piraí fez um investimento tecnológico nas unidades de saúde, que incluiu servidores, computadores e ultracompactos conectados a uma rede, impressoras, linhas telefônicas e ramais digitais, tornando-se referência na homologação das novas versões do e-SUS", destacou.

A implantação da estratégia aconteceu em 2014, com o cadastro de usuários e famílias. “Mas a utilização do prontuário eletrônico só começou em setembro de 2015, na unidade de saúde da família do bairro da Jaqueira. No início de 2017, todas as unidades já usavam o prontuário”, disse. Ela informou que o município conta com 14 unidades de Saúde da Família, uma de Vigilância em Saúde, dois centros especializados (médico e odontológico), um CAPS, um hospital geral, uma unidade de pronto-atendimento, um centro de fisioterapia, um laboratório de patologia clínica, um laboratório de prótese dentária, uma farmácia municipal, uma base descentralizada do Samu, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, além do Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) e do Serviço Multidisciplinar de Atenção à Infância e à Adolescência (Semaia).

Implantar o e-SUS, na avaliação da coordenadora, requereu vontade política, mas também infraestrutura, planejamento, equipe própria de tecnologia da informação e uma ampla discussão entre gestores, coordenadores de áreas técnicas e profissionais da atenção básica. Para ela, o PEC  muitas potencialidades. “Como a informação vem diretamente do prontuário eletrônico fica mais difícil de perder, e ela é muito mais trabalhada com o profissional de saúde. Além disso, dá agilidade ao processo de identificação e acompanhamento dos problemas, permite registros legíveis e acessíveis a todos os profissionais, usuários e gestores e minimiza os gastos com papel e espaço dentro da unidade”, listou.

Sistemas fragmentados
Em estudo realizado entre 2013 e 2018, como parte de sua dissertação de mestrado, Giliate Neto identificou em uma clínica da família do Rio de Janeiro quatro sistemas de regulação diferentes em uso: o Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), o Sistema Estadual de Regulação (SER), o sistema de ambulâncias e, também, o e-SUS AB, evidenciando o quanto a informação em saúde estava fragmentada ali. A unidade também usava dois tipos de prontuário eletrônico, do e-SUS AB e do Medicine One, também utilizado em Portugal. “Ao todo, identifiquei 15 sistemas isolados e 21 sistemas sobrepostos, além da conexão com os registros do Cartão Nacional de Saúde e do Sisab”, citou Neto.

Como exemplo dessa fragmentação, ele também mostrou resultados de um estudo que quantificou o tempo gasto por médicos durante o trabalho diário, publicado em 2016 no periódico científico  Annals of Internal Medicine. Segundo a pesquisa, um médico gastava 27% do tempo olhando para o paciente e 49% do tempo olhando para o prontuário eletrônico. Além disso, fora do horário comercial, os médicos passavam de uma a duas horas de seu tempo pessoal fazendo outros trabalhos de informática e escritório.

Na visão de Neto, diminuir a fragmentação dos sistemas de informação em saúde de base nacional, evitaria o cenário como o da clínica da família do Rio ou do estudo de 2016. Mas para isso, avalia, é preciso individualizar os dados dos usuários nas bases nacionais, normatizar os padrões de interoperabilidade, promover a substituição dos sistemas e vetar a criação de novos. Até 2018, computou o médico de família, havia 51 sistemas de informação de base nacional, dos quais 31 estavam na atenção básica.

“Em minha pesquisa, observei uma discreta mudança na lógica dos sistemas de informação em saúde ofertados pelo Ministério a estados e municípios. O e-SUS AB, que pode ser considerado o maior prontuário eletrônico de atenção básica do mundo, está integrado com apenas 11 dos 31 sistemas existentes”, destacou, revelando que a integração variou de acordo com a governabilidade do grupo dirigente da estratégia da SAPS/MS.  “O conceito de informação em saúde é bastante confuso no Ministério da Saúde. Existe uma ‘bagunça conceitual’ que se reflete nos sistemas de informação, arquivos e sites da Pasta”, caracterizou.