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Luta Antirracista e Descolonização dos currículos no Sankofa

Temas como a formação de professores e o papel dos territórios na construção e descolonização dos currículos foram discutidos no evento realizado na EPSJV
Portal EPSJV - EPSJV/Fiocruz | 23/10/2018 13h15 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

‘Luta Antirracista: A formação de professores e a construção do conhecimento’ deu título à mesa que abriu o segundo dia do Sankofa, que aconteceu em 17 de outubro, na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). O debate reuniu Claudia Foganholi, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF); Pâmela Carvalho, professora de história e mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Mariana Truká, índia e professora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do povo Truká.

Segundo Mariana, a história dos povos indígenas de Pernambuco, aos quais o povo Truká pertence, é triste, com muito derramamento de sangue e muita luta. Com a educação não foi diferente. A partir de 2003, uma parceria com o Estado de Pernambuco proporcionou a construção de 12 escolas estaduais do povo Truká. “No começo, não tínhamos professores indígenas, mas como um professor não indígena vai passar para os alunos a importância da terra, da natureza, da história desse povo? A partir daí, começamos a formar professores indígenas na comunidade com o pajé, com nossas lideranças”, contou Mariana, destacando ainda o curso de licenciatura Intercultural Indígena, que foi criado na Universidade Federal de Pernambuco, em 2007, e já formou mais de 150 professores indígenas.

Mariana ressaltou também que, para os povos indígenas, não existe falar de educação sem falar de terra: “Nossa prática educacional é voltada para a cultura. A gente ensina o real significado de ser índio para que o aluno saiba defender a sua própria identidade. Não é só o currículo, o professor também tem que se descolonizar. A nossa real história nem sempre está em livros, ela está na prática”.

Para Pâmela, é preciso pensar e fazer uma educação que seja não somente não racista, mas sim antirracista. Para isso, a professora afirmou que é preciso “mudar a história única” que diz que o Brasil foi descoberto: “Na verdade ele foi saqueado, colonizado, passou por um processo de genocídio de povos indígenas e africanos”. Ela destacou ainda a importância de usar o termo “escravizado” ao invés de “escravo”. “Usando “escravizado” a gente deixa marcado que foi uma condição construída histórica e racialmente. Os povos africanos não nasceram em condição de escravos, eles foram colocados nessa condição”, explicou.

A professora reafirmou que a história do negro não começa na escravidão. Ela começa na África. Para ela, os povos africanos têm história, linguagens e formas de se organizarem que são anteriores ao processo de invasão e colonização: “Os livros didáticos às vezes são nossos amigos, mas, às vezes, são dificultadores do nosso trabalho quando contam a história a partir da escravidão”.

Claudia apontou a necessidade de se voltar para populações negras e indígenas e procurar formas de enfrentamento diante do contexto político atual. “Vivemos um momento conservador, reacionário e de crescente opressão, que vem apagando a diversidade que existe na nossa sociedade, com ataque às minorias. São nesses momentos que precisamos ouvir as mulheres negras e indígenas, que fazem resistência há séculos”, defendeu.

A professora falou também sobre a dificuldade de se implantar as leis 10.639/03 e 11.645/08 – que determinam a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo oficial da rede de ensino. “Não acontece porque, no geral, os professores não têm formação para trabalhar com a temática e acabam trabalhando com aquilo que eles têm de valores pessoais e privados que, muitas vezes, são equivocados”.

Descolonização dos currículos

Na mesa ‘O papel dos territórios na construção e descolonização dos currículos’, realizada no dia 18 de outubro, Mariana Truká, índia e professora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do povo Truká, continuou a discussão do dia anterior sobre a prática educacional, a formação dos professores e a descolonização dos currículos nos povos indígenas. “Nós, do povo Truká, temos 12 escolas estaduais na nossa aldeia. Conseguimos implantar no currículo as nossas matérias e nossa cultura nas aulas. Ensinamos o real significado de ser índio. A gente trabalha no sentido de que o aluno seja construtor e defensor de sua própria identidade”, afirmou.
A importância da descolonização do currículo, para Mariana, é que se construa um currículo que contemple todas as raízes. Segundo ela, a grade curricular não retrata a luta dos povos negros e indígenas: “A partir do momento que a gente está leigo no assunto, a gente não se reconhece naquela história. Não é somente os currículos, os professores também precisam se descolonizar”.

Segundo Walter do Carmo Cruz, professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), na maioria das vezes, as escolas nas aldeias indígenas não respeitam a cultura indígena, as escolas rurais não tem cursos voltados para esses territórios. “Os professores das universidades formam outros professores com conhecimento, mentalidade e subjetividade metropolitana. Não enxergam territórios camponeses, ribeirinhos, indígenas, quilombolas... Um passo fundamental é discutir isso”, ressaltou Walter, que lamentou: “Nossos currículos são currículos brancos. As nossas bibliotecas são coloniais, a maioria dos livros traz a memória de certos grupos da sociedade, 90% dos livros contam a história a partir de um único ponto de vista”.

O Sankofa 2018 foi encerrado com uma noite cultural, embalada por grandes nomes da música africana, caribenha e latino-africana com DJ Bieta, DJ Buiu, Rodrigo Caê (Dj Set) e a cantora Taís Feijão.