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Luta pela terra e pela democracia

Em parceria com o MST, EPSJV inicia V Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 25/04/2018 10h46 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

‘Só a luta muda a vida’. Este é o lema da V Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA), que acontece de abril a maio, em diversos estados do país. No Rio de Janeiro, especificamente na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a JURA está sendo coordenada pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). A abertura estadual do evento, realizado em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aconteceu no dia 18 de abril, no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). A programação na Escola Politécnica, que vai até 18 de maio, contará também com sarau de poesias, lançamento de livros, rodas de conversas e oficinas de música e política, buscando refletir temáticas como alternativas ao uso de agrotóxicos e as origens da concentração da terra. “Que nessa época de grandes impactos de reformas neoliberais e retrocesso de nossos direitos, possamos pensar a relação do campo e da cidade, além de estratégias de resistência e de contraposição ao projeto societário imposto. Que nós possamos nos unir com os movimentos sociais do campo e lutar contra sua criminalização e seu extermínio”, afirmou Anakeila Stauffer, diretora da EPSJV.

Representando a presidência da Fiocruz, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação, Marco Menezes, destacou os retrocessos no país. “A Constituição de 1988 está sendo atacada diariamente e o marco desse processo é a Emenda Constitucional 85, que congela os gastos públicos por 20 anos. Falar sobre a questão da terra e a questão agrícola em nosso país está na base das desigualdades sociais que a gente vive hoje”, ressaltou Marco, apontando ainda os caminhos que a Fiocruz tem encontrado para fazer frente à conjuntura atual: “Temos buscado uma melhor articulação com as universidades, em prol de uma ciência independente, diante dos ataques sofridos aos nossos pesquisadores, por exemplo. Além de um aprofundamento com os movimentos sociais, buscando estabelecer ações conjuntas”.

Segundo a integrante da direção estadual do MST-RJ, Luana Carvalho, a JURA tem o importante papel de trazer o debate da reforma agrária e o diálogo do campo e da cidade para dentro da universidade: “Este ano, vamos realizar cerca de 60 atividades em diversas instituições do estado do Rio de Janeiro. Iniciar a Jornada em tempos de crise, de golpe e de tantos extermínios e retrocessos, só tende a nos firmar e construir nossa unidade para enfrentar essa conjuntura que estamos vivendo”.

Também estiveram na mesa representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz e das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A questão agrária no Brasil

Após a mesa de abertura da V JURA, foi realizado o debate ‘A questão agrária no Brasil: conjuntura, direito à terra e territórios”, com os professores-pesquisadores da EPSJV, Alexandre Pessoa e Daniela Egger; o representante do MST, Joaquim Pinheiro; e a liderança comunitária do Quilombo do Camorim, Maraci Soares.

Alexandre destacou as ações de cooperação da Fiocruz com o MST ao longo dos anos, que, segundo ele, foram de aprendizados contínuos e de reafirmação da luta da classe trabalhadora. “Os trabalhadores rurais são assassinados e as evidências estão nos relatórios da Comissão Pastoral da Terra, que apontam o crescimento da violência do campo diante do avanço do latifúndio, que hoje é o agronegócio e que tem outra forma de organizar e estabelecer parcerias com os setores financeiros e a indústria química, que também causa impactos e danos à saúde, a exemplo do uso dos agrotóxicos”, ressaltou.

O professor também criticou os diversos ataques que pesquisadores vêm sofrendo no Brasil. Ele destacou o ocorrido com o pesquisador da Fiocruz, Fernando Carneiro, que foi notificado em uma ação judicial, movida pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará, e teve que prestar esclarecimentos à Justiça. [O pesquisador teria divulgado dados oficiais do Ministério da Saúde em uma audiência pública mostrando o estado como terceiro maior comercializador de agrotóxicos do Brasil por hectare de área plantada, em 2013]. “A Federação ainda aconselhou o pesquisador a não usar a palavra ‘veneno’ ao se referir a agrotóxicos, mas sim ‘defensivo agrícola’. Isso é vexatório. Ou consideramos isso inaceitável ou estamos em um processo de asfixia do mínimo de democracia que temos nesse país”, afirmou Alexandre.

De acordo com ele, há 14 anos a Escola Politécnica realiza diversas atividades em consonância com os objetivos do MST. “A EPSJV aceitou o desafio de ser um sujeito pedagógico para a educação do campo, tendo a compreensão do fortalecimento da saúde do campo, que para mim, é indissociável da reforma agrária e da reforma hídrica nesse país. Em termos de cooperação técnica-política-pedagógica, nossos passos vêm de longe”, lembrou o professor, que destacou diversas ações da EPSJV nesse sentido: “Recebemos, em 2010, o XIII Encontro Estadual dos Sem Terrinhas do RJ. Além disso, promovemos cursos de especialização técnica como o de ‘Políticas em Saúde’ e ‘Saúde Ambiental’ e uma pós-graduação em ‘Trabalho, Educação e Movimentos Sociais’. A Escola tem promovido também, em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), a ‘Feira Agroecológica Josué de Castro - Sabores e Saberes’, realizada quinzenalmente no campus Fiocruz com a participação de movimentos sociais, dentre outras parcerias”.

Joaquim Pinheiro, do MST, fez uma reflexão sobre abril de 1996, quando 155 policiais militares abriram fogo contra 2.500 trabalhadores sem terra, que haviam bloqueado uma estrada nos arredores de Eldorado dos Carajás (PA). No confronto, 19 pessoas morreram e 69 ficaram feridas. “Lutadores do campo e da cidade têm que conviver todos os dias com a impunidade porque até agora ninguém foi punido. Isso é o que alimenta a repressão, tanto no campo quanto na cidade, como o caso da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) [morta a tiros com indícios de execução na noite do dia 14 de março, no Rio de Janeiro]. Não podemos nos calar, devemos denunciar essas barbáries que ocorrem em nosso país”, afirmou.

A reforma agrária, segundo Joaquim, é feita no campo, mas tem que ser conquistada também na cidade: “Se analisarmos a população brasileira, sabemos que a minoria está no campo. Com isso, a luta pela reforma agrária é e tem sido sistematicamente esquecida dos projetos de governo e debatida menos ainda pela sociedade como um todo”. Para ele, é preciso sair da armadilha de que a eleição de 2018 vai resolver os problemas. “Devemos pensar muito além dos partidos, muito além dos programas que estão sendo construídos para essa eleição. Devemos pensar em um projeto de sociedade de longo prazo. Nossa atuação no campo é na ocupação de terras e a nossa proposta é potencializar o debate da reforma agrária popular, levando a questão das feiras nas cidades”, afirmou.

Em relação à conjuntura rural brasileira, Daniele ressaltou que, no mercado financeiro, terras são vistas como mercadoria e não como território. E que as ações da retirada de territórios, prioritariamente quilombolas, que cercam áreas comuns e expulsam populações são verdadeiras grilagens com cara nova, mas repetindo antigas práticas. “É recorrente vermos nos territórios um aumento significativo da violência e maior ainda em quilombos. Por isso, precisamos ter em mente como é importante desvendar como esse processo de grilagem tem sido feito para podermos entender como o aparato jurídico está operando e trabalhando no território brasileiro para esvaziar essas terras e destruir a ancestralidade e história de luta que esses territórios têm”, frisou.

Maraci contou um pouco sobre sua história de vida no Quilombo do Camorim, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Segundo ela, o quilombo tem sido ameaçado pela especulação imobiliária, que começou na década de 1980 e se acelerou nos últimos anos com os Jogos Olímpicos de 2016. “A gente já passou por limpeza social. Ali não poderia ter uma comunidade quilombola e pesqueira. Por que continuo de pé? O que ainda me mantém viva? Será a consciência dos lugares que quero ver meu povo ocupar?”, questionou-se para responder em seguida: “Imaginem que a preta está estremecida ao ver a carne negra abatida como se fossem animais. Justiça aqui não há. A justiça virá, mas não dessa coisa esquisita que se chama tribunal. Lutamos, mas não queremos mais ser parte de um povo e de um país que banha de sangue os nossos lugares”, contou, emocionada, a quilombola.

Citando também a luta de tantas mulheres, como Marielle Franco, Maraci garantiu que o povo quilombola não vai se omitir: “Não vamos nos calar. Toda mulher de luta está em risco. Mas nós mulheres de luta e negras somos escudos. Seremos sempre as primeiras a desaparecer desse país”.

JURA no Rio de Janeiro

A V JURA, realizado anualmente pelo MST em parceria com diversas instituições, busca fortalecer o tema da reforma agrária nas agendas de ensino-pesquisa-extensão, envolvendo reflexões sobre a luta pela terra e pelo território, contra a criminalização dos movimentos sociais, além da soberania alimentar, agroecologia, educação do campo e justiça ambiental. No Rio de Janeiro, a JURA acontece nas universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ), Fluminense (UFF), do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), além da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-Petrópolis) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Confira a programação da V JURA na EPSJV.