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Racismo e produção do conhecimento

Segundo dia do Sankofa discutiu a importância do conhecimento sobre a cultura africana e afro-diaspórica, e contou com diversas oficinas temáticas e noite cultural com Mcs e DJs
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 23/10/2017 16h02 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

‘Racismo, diversidade cultural e a produção do conhecimento científico e tecnológico universal’ deu título à mesa que abriu o segundo dia do Sankofa, que aconteceu em 19 de outubro. O debate realizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) reuniu Luane Bento, mestre em Relações Etnicorracias pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet/RJ), e Arthur José Baptista, professor de História do Colégio Pedro II, que falaram da importância do conhecimento sobre a cultura africana e afro-diaspórica.

A lei federal 10.639/2003 prevê o ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira na educação básica, isto é, da educação infantil ao ensino médio. No entanto, segundo Luane Bento, a aplicação dessa lei em disciplinas como matemática, física, química e biologia no ensino fundamental e médio ainda é incipiente. “O Conselho Nacional de Educação redigiu um parecer depois da aprovação da lei, propondo incluir nos debates de sala de aula as contribuições vindas do Egito e das universidades de Timbukto, Gao e Djenné, o que levava de forma direta aos conhecimentos das disciplinas de exatas e biológicas. A lei foi sancionada, mas a gente precisa continuar discutindo como inseri-la no currículo escolar”, ressaltou.

Mais de uma década depois, a lei continua deixada de lado por muitos profissionais e escolas, afirmou Luane, que apresentou os jogos de tabuleiros trazidos no processo de escravização, como o ‘Mancala’, utilizado na África até hoje como material didático. “Precisamos mostrar o quanto esses conhecimentos e valores africanos possibilitam outra forma de aprendizagem e pedagogias alternativas”, defendeu. Para ela, é preciso ressignificar o olhar sobre o negro, sobre os africanos e os indígenas. “A gente está aqui para desconstruir esse currículo que só expande conhecimento de um continente. Precisamos de um currículo não-hegemônico e que forme pessoas para a diversidade”, concluiu.

Já Arthur José Baptista argumentou que o conhecimento sobre a África só não se dá plenamente no país por conta do racismo epistêmico que, de acordo com ele, é a negação da possibilidade de que povos não europeus produzam ciência, conhecimento e tecnologia. “Pelos livros que estudamos, parece que todo o conhecimento surge na Europa. Chamamos isso de eurocentrismo. Nos venderam uma inverdade sobre a África e a sua contribuição não só para a formação da sociedade brasileira, como também para o mundo em que vivemos”, apontou.

Arthur destacou que não seria possível a colonização do Brasil sem a presença dos povos africanos. O professor argumentou que alguns dos conceitos mais difundidos sobre colonização estão ultrapassados: “Os portugueses foram os co-colonizadores e foram civilizados pelos africanos; eles dependiam em tudo do conhecimento africano para fazer do Brasil o que o país é hoje na agricultura e na pecuária, por exemplo”, disse. E acrescentou: “Libertar-se da perspectiva colonialista é fundamental para pensarmos a contribuição dos povos africanos na formação da sociedade brasileira. Fomos socializados na escola que a participação dos africanos na formação da nossa sociedade se deu por seus músculos. Até pouco tempo, africano era sinônimo de escravo”.

Oficinas e noite cultural encerram Sankofa

No turno da tarde, a EPSJV ofereceu diversas oficinas temáticas com alunos, profissionais e convidados da escola. Em uma delas, os participantes puderam discutir como o cuidado em saúde da população negra dá centralidade às relações de gênero e  ao corpo, através de ervas, produtos, pedras e búzios.

Outras oficinas debateram assuntos como cinema negro, dança afro, mulheres encarceradas, jongo, texturização, e a interseção entre racismo e desenvolvimento sustentável e racismo e religiões de matrizes africanas. Também houve uma atividade sobre arte e cultura indígena e ervas sagradas. “Na oficina de ervas sagradas, aprendemos sobre o poder das plantas na medicina e sobre o processo da retirada dos óleos das árvores. O mais legal foi conhecer e experimentar esses óleos e algumas comidas feitas com folhas da mandioca”, afirmou João Paulo Serafim, aluno do 4º ano do ensino médio, da habilitação de Gerência em Saúde.

O evento foi encerrado com uma noite cultural, embalada por grandes nomes da música africana, caribenha e latino-africana e shows de Mc Thais Bueno, Nyl Mc, Pingo do Rap, DJ Buia Kalunga, entre outros.

Comentários

A Lei 10.639/03 deveria fazer parte dos currículos das ETSUS!!! O racismo reforça a ignorância, produz, reproduz discriminação e reduz o conhecimento!!! No Brasil (de Norte a Sul), em especial as populações negras e indígenas têm especificidades bastante pontuais em seus processos de saúde, doença, cura e morte! Não possível lograr os índices e prevalências de certas doenças nessas populações. Há de verificar e questionar como são tratadas tais discussões nas Escolas de Saúde!

Fiquei muito feliz com o evento e espero que a partir dele a instituição realize outras iniciativas para aplicação das leis federais 11.645/2008 e História e Cultura Indégena e 10,639/2003 de História e Cultua Africana e Afro-brasileira na Educação Básica