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Tereza Ramos profere aula inaugural do curso técnico em Agente Comunitário de Saúde

Piso salarial e história dos agentes foram pontos destacados pela agente durante sua conferência


Liderança histórica dos Agentes Comunitários em Saúde (ACS), Tereza
Ramos esteve esta semana mais uma vez na Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Tereza, que é agente comunitária em
Recife e foi presidente da Confederação Nacional dos agentes por três
mandatos, falou sobre ‘A institucionalização do trabalho e a organização
política dos ACS’ na aula inaugural da segunda etapa do curso técnico
em ACS, que formará 210 agentes do município do Rio de Janeiro.



Ela disse que conhece as dificuldades de a categoria se organizar, mas
defendeu que isso é fundamental. “Quanto mais dividido, mais fraco. E,
quanto mais fraco, mais domado, feito elefante de circo”, comparou,
defendendo a atuação da categoria e criticando as terceirizações: “Cabe a
nós todos defender o Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda vemos muita
coisa descumprida, problemas gritantes da terceirização, que já
demonstrou que é ruim, que é um retrocesso na história do SUS. Se é isso
mesmo, se querem retroceder, então vão continuar na terceirização e vão
acabar deixando que o SUS se dane”, criticou.




Histórico dos ACS




Antes de se aprofundar na importância da organização e nos problemas
enfrentados pelos ACS, Tereza comentou um pouco a história desses
trabalhadores. “De onde surgiu o ‘agente comunitário de saúde’?”,
perguntou, afirmando que muitos trabalhadores não conhecem esse passado.
De acordo com ela, no início dos anos 1980 já havia agentes atuando em
todo o Brasil – alguns ligados a instituições religiosas, outros a
organizações não-governamentais. “Mas ninguém era de fato remunerado. Às
vezes se ganhava uma cesta básica, ou algo assim. Era realmente um
trabalho voluntário e apoiado basicamente na promoção e na prevenção”,
contou. E afirmou também que, quando começaram os debates para a 8ª
Conferência Nacional de Saúde – evento com grande participação popular e
em que se delineou o desenho do Sistema Único de Saúde SUS –, começaram
também as discussões sobre o papel do agente nesse novo sistema. “O
problema era que sabíamos o que reivindicar, mas sequer sabíamos definir
quem éramos nós”, apontou Tereza.



Uma denominação possível seria a de ‘agentes de saúde’, mas já havia
outros trabalhadores oficialmente conhecidos pelo termo. “Já existiam os
agentes de saúde da Superintendência de Combate à Malária (Sucam) e os
agentes de saúde da Pastoral da Criança. Se também nos chamássemos por
esse nome, o Ministério da Saúde poderia ter brechas para entender
errado. E nós éramos bem diferentes dos agentes da Sucam – que
basicamente eram os guardas que combatiam insetos – e dos da Pastoral,
que cuidavam mais especificamente de crianças mal nutridas. O que
éramos, então?”, questionou.



Tereza contou que nesse contexto, em 1985, decidiu-se incluir a palavra
‘comunitário’ no cargo, para acabar com essas brechas e determinar o
novo perfil – de um agente que residia na comunidade onde trabalhava. “E
já chegamos à 8ª CNS com a proposta clara de qual seria o perfil do ACS
e de por que o Estado precisava inserir esse trabalhador dentro do
SUS”, disse, lembrando que, nos anos 1990, teve início o Programa
Nacional de ACS (Pnacs).



Segundo Teresa, já em 1993 os ACS encaminharam seu primeiro projeto de
lei exigindo o reconhecimento da categoria, mas não conseguiram
aprová-lo. “Queríamos direitos trabalhistas, e não tínhamos nenhum.
Éramos muito precarizados, com contratações precárias – como ainda
acontece em muitos lugares no país”, explicou. Nos anos seguintes, dois
outros projetos foram apresentados, também sem sucesso. “Em 2001, veio a
quarta tentativa. E aí não admitíamos mais a derrota. Fizemos
articulações dentro do Congresso, e, se achávamos que íamos perder, não
deixávamos que o projeto fosse votado. Demorava mais um pouco,
conversávamos mais. E fizemos isso até conseguirmos que a lei fosse
aprovada”, contou, referindo-se à Emenda Constitucional 51 , que saiu em
2007 e estabelece que os agentes devem ter vínculo direto com o
município. “Hoje, felizmente, todos os ACS de Pernambuco, da Bahia, do
Ceará, de Goiás e de outros estados já são servidores públicos”,
comemorou.




Formação e piso salarial




Ao falar especificamente sobre o curso técnico da EPSJV, Tereza afirmou
que a realização da segunda e da terceira etapas é um “motivo de
alegria”. “Há muito tempo reivindicamos isso, para dar maior
conhecimento aos trabalhadores e para que eles desenvolvam melhor seu
trabalho. Felizmente isso está começando a sair aqui no Rio – ainda de
forma tímida, ainda não para a cidade inteira. Mas está saindo. Em
Recife, estamos indo pelo mesmo caminho. Mas, no resto do país, isso
sequer começou. Muitas organizações municipais concentram sua luta no
piso salarial, deixando a formação um pouco de lado, mas é preciso
pensar que, sem dúvida, uma coisa vai acabar ‘puxando’ a outra.
Profissionais com melhor formação têm maiores condições de exigir
salários mais altos”, disse.



Ela também lembrou que, hoje, o piso salarial já foi aprovado no
Congresso – tanto na Câmara quanto no Senado. “O problema é que o
executivo afirma que todo projeto que mexa com orçamento tem que
especificar de onde os recursos financeiros serão retirados. Deputados e
senadores não fizeram isso. Além disso, secretários municipais, que
historicamente têm se posicionado contrários às nossas demandas, também
são contra o piso”, criticou, completando: “O piso aprovado hoje é de R$
750, aumentando até chegar a dois salários mínimos em 2015, mas é
preciso lembrar que nenhuma prefeitura vai tirar esse dinheiro do
próprio bolso. A conta foi feita com base na verba que o Ministério da
Saúde repassa para cada município, por cada ACS. O que reivindicamos, na
verdade, é o dinheiro que já existe concretamente. E mesmo assim as
prefeituras não querem repassar”. De acordo com Tereza, é fundamental
que as negociações se acelerem e que o piso saia ainda esse ano. “No ano
que vem há eleições, e tudo fica mais difícil”, previu.



A agente também denunciou outros problemas pelos quais os ACS passam,
como falta de material de trabalho. “Não temos botas, material de
proteção, filtro solar. O máximo que ganhamos é o jaleco”, disse. E, de
acordo com ela, os agentes não têm mais conseguido fazer bem o seu
trabalho de promoção e prevenção. “Não temos apoio dos gestores para
isso. Em geral, sequer temos um local para fazer reuniões com a
população. Na minha comunidade, nos reunimos em um beco. Um beco! Não
podemos nos reunir de manhã, porque o sol é forte, e não tem teto. Não
podemos fazer encontros quando chove. E ainda por cima só cabem 26
pessoas no espaço. E eu sei que essa não é só a minha realidade. Visito
muitos lugares, inclusive no Rio, que passam pelo mesmo problema”,
afirmou.



Tereza finalizou a aula dizendo que os ACS não podem desanimar. “No Rio,
ainda é preciso brigar para fazer valer a Emenda 51, para que todos
vocês sejam servidores. Não tem mistério. O mistério é nada mais do que
falta de vontade política”, concluiu.




Curso da EPSJV




O curso que agora começa – descentralizado e com turmas em seis
localidades do município, além da própria EPSJV – é fruto de uma
parceria entre a Escola, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil
do Rio de Janeiro e o Sindicato Municipal dos ACS, com apoio da Escola
Técnica Izabel dos Santos. Os 210 agentes que serão formados já
concluíram a etapa inicial do curso técnico, e começam agora a segunda
etapa. As terceira e últimas etapa devem começar em outubro do ano que
vem, e a previsão é que os agentes concluam todas as fases até o fim de
2012.



A EPSJV foi a primeira instituição da região Sudeste a oferecer o curso
técnico completo – a primeira turma se formou em julho deste ano. A
Escola também elaborou, antes mesmo da turma-piloto de formação técnica,
uma coleção de livros educativos para os professores do curso de ACS.



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