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Conselho Nacional de Saúde

Instância colegiada, deliberativa e permanente do SUS, o CNS integra a estrutura organizacional do Ministério da Saúde e tem a missão de fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas da área, levando as demandas da população ao poder público. Por isso, é considerado a principal instância do controle social na saúde.
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 29/07/2019 16h07 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Foto: Arquivo Conselho Nacional de Saúde

“É de grande valia usuários do SUS participando com o governo. Desde 1937, o CNS vem acumulando experiência. É a voz de quem mais precisa. É um grande exemplo para o mundo”. A fala é de Carissa Etienne, diretora-geral da Organização Pan-Americana da Saúde, em visita ao Brasil este ano, e se refere ao Conselho Nacional de Saúde. Instância colegiada, deliberativa e permanente do SUS, o CNS integra a estrutura organizacional do Ministério da Saúde e tem a missão de fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas da área, levando as demandas da população ao poder público. Por isso, é considerado a principal instância do controle social na saúde.

Mas o Conselho nem sempre teve um papel amplo. Criado como órgão consultivo do Ministério da Saúde pela lei 378, de 13 de janeiro de 1937, foi só na esteira da implantação do SUS, em 1990, que a segunda lei orgânica da saúde (8.142) ampliou seu escopo de atuação. Foi assim que o CNS deixou de tratar apenas de questões internas da Pasta para ganhar caráter permanente e deliberativo. “Desde então, o Conselho atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde”, explica o atual presidente, Fernando Pigatto, eleito em 2018, representando o segmento de usuários pela Confederação Nacional das Associações de Moradores, a Conam.

Dinâmica do controle social

Eleitos a cada três anos, conselheiros e presidente são responsáveis por organizar as conferências e os fóruns de participação social, além de aprovar o orçamento federal da saúde e acompanhar a sua execução, avaliando a cada quatro anos o Plano Nacional de Saúde. O atual momento de organização da 16ª Conferência Nacional de Saúde, que acontece em agosto em Brasília, é um exemplo disso. “No ano passado, o Conselho teve uma renovação de uns 40% de seus membros. Foi preciso fortalecer as relações internas em um momento de mais uma conferência”, destaca Pigatto.

Francisco Batista Júnior representa o Conselho Federal de Farmácia em duas comissões do CNS. Ele foi o primeiro presidente do colegiado que não era representante de governo e recorda que o órgão precisou enfrentar alguns embates ao longo de sua trajetória. “Tradicionalmente, o Conselho era burocratizado e autoritário, constituído por entidades que tinham vaga cativa”, resume. Isso mudou em 2006, quando o CNS passou a escolher seus membros a partir de processo eleitoral. “Não foi fácil, a votação foi bastante apertada, mas nós conseguimos”, comemora.

Desde então, o Conselho conta com 48 conselheiros titulares e seus respectivos primeiro e segundo suplentes, que representam proporcionalmente os segmentos de usuários (50%); trabalhadores (25%); e gestores do SUS e prestadores de serviços em saúde (25%). Entre eles, estão representantes de movimentos sociais, instituições governamentais, ONGs, entidades profissionais, comunidade científica, empresas, além do próprio Ministério.

“As entidades médicas resistiram bastante ao novo processo. Disseram que sem a vaga cativa, não participariam mais do Conselho. E a representação médica de fato saiu, ficando afastada durante anos”, recorda Batista Júnior, que se elegeria em 2006 e ficaria até fevereiro de 2019. Pelas regras, o mandato dos conselheiros dura três anos, com a possibilidade de apenas uma recondução.

Essa busca por mais autonomia e conexão com a sociedade também colocou o CNS em rota de colisão com o governo. “Em 2005, quando o então ministro da Saúde Humberto Costa tentou alterar o Programa Saúde da Família, flexibilizando a jornada dos médicos para 20 horas, debatemos a proposta durante dias, fomos contrários a ela e conseguimos derrubá-la”, lembra Batista Júnior.

Outro conflito aconteceu em 2011, quando o governo apresentou ao Congresso Nacional um projeto de lei que criava as fundações estatais de direito privado, apesar de a ideia ter sido rejeitada quatro anos antes pela 13ª Conferência Nacional de Saúde, e também pelo pleno do Conselho, em 2010. “É papel do CNS defender as pautas da sociedade. Por isso, muitas vezes é preciso ir de encontro ao governo”, afirma o farmacêutico, que, no entanto, reconhece que nem sempre as decisões do controle social são acatadas.

Foi o caso da revisão da Política Nacional de Atenção Básica, a PNAB. As mudanças foram propostas pelo Ministério da Saúde em agosto de 2017 e eram apoiadas pelos conselhos de secretários municipais (Conasems) e estaduais de saúde (Conass). As três representações formam a Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Na ocasião, o CNS se mobilizou e recomendou à CIT que “não deliberasse pela revisão da PNAB” enquanto “um amplo processo de debate” estivesse em curso. De nada adiantou: em 21 de setembro daquele ano, a portaria 2.436, assinada pelo ex-ministro Ricardo Barros, instituiu a nova PNAB.
Fernando Pigatto explica que quando o Executivo extrapola os limites de sua atuação, o CNS costuma acionar deputados e senadores para tentar sustar medidas tomadas pelo Ministério da Saúde à revelia do Conselho. “E, no âmbito do Judiciário, acionamos as entidades que integram o CNS para que ingressem com ação”, acrescenta.

Segundo o regimento interno do órgão, o CNS se manifesta oficialmente de três formas. Uma delas é a moção, definida como “uma forma de manifestar aprovação, reconhecimento ou repúdio a respeito de determinado assunto ou fato”. A resolução é o ato mais geral e conclusivo. Tem caráter normativo, o que requer tempo para aprofundamento, estudo, debate e esclarecimento dos conselheiros. Uma resolução deve ser homologada pelo ministro da Saúde no prazo de até 30 dias e, posteriormente, publicada no Diário Oficial da União. “Se não for homologada em tempo hábil sem nenhuma justificativa, as entidades que integram o CNS podem buscar a validação da resolução, recorrendo à Justiça e ao Ministério Público”, afirma Pigatto.

Já a recomendação “é uma sugestão, advertência ou aviso a respeito do conteúdo ou forma de execução de políticas e estratégias setoriais”. Em geral, trata de temas relevantes que não estão na alçada direta do CNS. Foi essa a ferramenta escolhida pelo Conselho para manifestar-se em relação à PNAB. E não o instrumento mais forte à disposição do Conselho, a resolução. De acordo com o médico sanitarista Jorge Kayano, que atua na área de democracia e participação do Instituto Pólis, o artigo 14-A introduzido em 2011 na Lei Orgânica da Saúde, a 8.080, é claro: cabe à CIT negociar e pactuar propostas “quanto aos aspectos operacionais do SUS” – desde que tais propostas estejam em acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único e da atenção à saúde vigentes. “Portanto, pactuados e aprovados nas conferências. O CNS deveria ‘lembrar’ os gestores que, de acordo com a legislação, ele deveria ter sido ouvido sobre a nova PNAB antes da sua publicação”, argumenta. E emenda: “Cabe ao CNS vigiar para impedir que a CIT passe não só a operacionalizar ações e programas, mas também decidir sobre as políticas, passando por cima das deliberações das conferências e do Conselho”. Por isso, de acordo com Kayano, optar pela recomendação foi um equívoco. “Erro de leitura sobre o que deveria ser efetivamente o objeto da deliberação do CNS, e também uma avaliação errada da tal ‘correlação de forças’. A opção pela recomendação, em geral, se deve à avaliação de que o Conselho não vai conseguir obrigar o ministro a homologar uma resolução contrária aos seus interesses”.

Ao longo da história

A luta por maior autonomia é antiga. A atuação do Conselho chegou a ser ampliada pelo decreto 67.300, de 1970, passando a “examinar e emitir parecer sobre questões ou problemas relativos à promoção, proteção e recuperação da saúde, que sejam submetidos à sua apreciação pelo ministro de Estado”. Mas o órgão continuou sujeito à hierarquia do poder público, tendo de obedecer ao ministro. Em 1987, por meio do decreto 93.933, ganhou algumas funções normativas e passou a assessorar o ministro. À época, contava com 13 conselheiros, todos indicados pelo governo, inclusive os sete representantes da sociedade civil.

Os primeiros passos em direção ao papel que atualmente cumpre foram dados em 1986, com a histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde, cujo relatório final desaguou na criação do SUS pela Constituição de 1988. Em 1990, na sequência da lei 8.080, que regulou as ações e os serviços de saúde, a lei 8.142 instituiu as conferências e os conselhos de saúde como instâncias de controle social.

Em 2003, o CNS aprovou a resolução 333, contendo as diretrizes para a criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos conselhos de saúde nos níveis municipal, estadual e nacional, mantendo a paridade e a composição entre os segmentos. Com a norma, o Conselho passou a definir seu orçamento, e não apenas gerenciá-lo, ganhando autossuficiência.

Mas a autonomia de verdade só viria em 2006. A estrutura renovada (com o decreto presidencial 5.839) a que Batista Júnior fez referência seguiu deliberações das 11ª e 12ª conferências nacionais de saúde. Mas foi somente em 2012, com a resolução 453, que o CNS aprovou as novas diretrizes para criação, reformulação, estruturação e funcionamento dos conselhos de saúde, garantindo que as propostas aprovadas em conferências deveriam ser acolhidas pelo Ministério da Saúde em consonância com a legislação.

A estrutura do CNS conta com grupos de trabalho, que prestam assessoramento temporário, com objetivos definidos e prazo de funcionamento de até seis meses e câmaras técnicas, instituídas em 2017 com a finalidade de dar suporte sobre temas específicos. Há também comissões – que hoje, são 18. Elas fornecem subsídios para a discussão do plenário que vai deliberar sobre a estratégia de controle e execução de políticas públicas de saúde. Como exemplo, Fernando Pigatto cita uma das últimas reuniões do órgão, quando o colegiado aprovou uma recomendação de sua comissão intersetorial de saúde mental, pedindo a revogação da nova Política Nacional de Saúde Mental. Segundo recomendação de maio de 2019, além de a Política ter sido definida no âmbito da CIT sem seguir o processo democrático de avaliação e deliberação do CNS, ela também fere o modelo de atenção preconizado pela lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/2001) ao estabelecer a retomada do financiamento dos hospitais psiquiátricos e das comunidades terapêuticas.

Na estrutura do Conselho existe uma secretaria-executiva, vinculada ao gabinete do ministro da Saúde, que dá suporte técnico-administrativo ao CNS. E também uma mesa diretora, composta por oito conselheiros, incluindo a presidência do CNS, responsável pela condução dos processos administrativos e políticos a serem deliberados. Por fim, o plenário, do qual fazem parte os 48 conselheiros, é o fórum de deliberação plena e conclusiva. A ele cabe eleger os próximos membros do Conselho.