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Entrevista: 
Rodrigo Castro

'É uma relação de aproveitamento sem ter a via de volta'

O mascote da Copa, o Fuleco, nome que une Futebol à ecologia saiu de cena. O secretário-executivo da Associação da Caatinga, Rodrigo Castro, organização que sugeriu à FIFA que a imagem do tatu-bola, animal em extinção no Brasil, fosse utilizada para ajudar na preservação da espécie, conta como foi a negociação com a FIFA, marcada pela falta de diálogo, de sensibilidade, mas com muito lucro devido à venda de diversos produtos com a imagem do animal.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 01/06/2014 12h30 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Como começou essa história da Associação da Caatinga até a escolha do mascote da Copa?

Quando vimos que a Copa seria no Brasil, nós pensamos como ela poderia nos ajudar positivamente para a preservação da caatinga, a riqueza e as espécies da caatinga que são poucas conhecidas, e acreditamos que a Copa do Mundo fosse nos ajudar nesse esforço. Pensamos então em propor que o animal da caatinga, nativo da região, fosse o mascote da Copa. Procuramos as formas oficiais de submeter uma proposta, mas não tem formulário ou nada estruturado para indicar oficialmente. Começamos, então, uma campanha que se tornou um viral da internet. Deu tão certo essa iniciativa que isso nos animou a submeter uma proposta oficial à FIFA.

E em fevereiro de 2012 montamos um dossiê com 22 páginas que, na nossa visão, se adequaria muito para a Copa, nele constava qual é a situação do bicho, o que se sabe sobre o animal, que hoje é muito ameaçado, e que é 100% brasileiro. Por falta de canais oficiais, submetemos a proposta para o comitê organizador no Brasil, para a FIFA em Zurich e para o Ministério do Esporte para tentar mais apoio. Em setembro eles apresentaram o boneco que viria a ser o Fuleco.

A FIFA chegou a fechar algum valor ou fez alguma promessa concreta em relação à preservação deste animal?

Não. A FIFA nos disse que a ideia era muito boa e que na verdade o projeto de conservação e os nossos esforços eram importantes. Além disso, falaram que o fato deles terem escolhido o mascote nos ajudaria nesta caminhada, por ele ganhar visibilidade.

Após esse primeiro contato, nós retornamos várias vezes ao longo desses 16 meses dizendo que só o fato da escolha não estava sendo eficiente porque o próprio Fuleco, que é, na verdade, um tatu-bola, não estava aproveitando em sua plataforma de discurso para incentivar a proteção. O Fuleco poderia falar ‘Eu sou um tatu-bola', ‘Existem iniciativas bacanas de apoio a minha espécie', ou seja, fazer um link para levantar a bandeira da espécie. A FIFA havia alegado que o nome era uma união das palavras futebol e ecologia, mas ele não ajudou nem da forma mais simples, que era assumir um discurso ambiental.

É claro que a espécie ficou mais conhecida, tiveram muitas reportagens, pelo Fuleco ser da caatinga, deu mais visibilidade à região, mas, de concreto, para sobrevivência da espécie lá no meio da caatinga, muito pouco mudou. Infelizmente em relação à caça, ao desmatamento nada foi alterado. Não houve essa mudança, mas também não achávamos que a curto prazo houvesse.

E ai entra uma segunda fase da negociação com a FIFA. Chegamos e falamos: A Copa do Mundo é um evento extremamente lucrativo e que dessa vez pode fazer uma diferença única e inovadora e salvar a espécie. A Copa poderia fazer uma diferença real e uma novidade para um evento com esse. Conversamos com o secretário-geral da FIFA, nos reunimos com o coordenar de responsabilidade social corporativa, que foi a pessoa que ligava a gente para tentar desenvolver alguma parceria, mas tudo foi caminhando muito lentamente até às vésperas da abertura da Copa, quando a FIFA fez uma proposta concreta de aporte financeiro.

Vocês fizeram propostas à FIFA. Quais foram elas e como foi a receptividade da Organização?

A primeira proposta foi a de que o Fuleco assumisse o discurso ambiental. E isso não foi aceito com a alegação de que eles eram uma entidade de futebol e não ambiental. Além disso, foram produzidos quase um milhão de Fulecos e pedimos que fossem revertidos pelo menos U$ 1 para cada bichinho de pelúcia, mas eles disseram que o mecanismo financeiro não possibilitava isso porque era uma venda global e não tinha engenharia para fazer esse retorno. Ainda fizemos outra que era a de que a FIFA analisasse pós-Copa se o evento tivesse lucro ou não - e a gente sabe que este é o evento mais lucrativo de todos os tempos - e dentro da lucratividade da Copa analisem dentro da possibilidade de lucratividade da Copa um apoio significativo. Eles ofereceram então R$300 mil e deu um prazo de 48h para analisarmos. Nós sentamos junto aos nossos parceiros e apoiadores e a resposta foi unânime: para um projeto de duração de dez anos que pretende reduzir o risco de extinção, no mínimo, é uma proposta muito abaixo de um apoio que pudesse fazer diferença real. Visto que, ao fazermos a conta, seria um apoio de R$30 mil ao ano ou quase R$3mil por mês. É, na verdade, um apoio simbólico que não faria diferença ao animal e para preservação da caatinga. Nós agradecemos o avanço das negociações porque enfim havia surgido uma proposta concreta, porém não podíamos aceitar porque não faria diferença minimamente à preservação ao tatu-bola e esse era nosso objetivo.

Eles alegaram que não tinham recurso, que a Copa não tinha recurso para isso, e que o único recurso que eles tinham era esse e eles estavam fazendo um reforço enorme para fazer essa doação para a Associação caatinga com o Projeto Tatu-Bola. Ao darmos a nossa negativa, nós aproveitamos para pedir então que eles contribuíssem em 15% do valor global do projeto em 10 anos, que corresponde em U$1,4 milhão. E esse seria um aporte que faria toda a diferença ao projeto. Eles negaram e disseram que não poderiam apoiar.

Somente com a lucratividade do Fuleco, a FIFA arrecadou quase 10 vezes do que eles poderiam doar, não é verdade?

Só com a venda do bicho de pelúcia alcançaríamos a quantia. Mas ainda tem chaveiro, boné, enfim, é muita coisa. Se por um lado a FIFA aumentou a sua lucratividade com a venda da imagem do tatu-bola, com o Fuleco, em todos os materiais promocionais, nós achamos que, no mínimo, a entidade tinha que ter um compromisso moral com a espécie que inspirou o mascote. Mas não existiu o caminho de volta. De retorno para a própria espécie foi pouca, diferentemente da imagem que foi muito bem vendida. Agora, a sociedade não está aceitando e as críticas são muitas.

E agora, a opção da FIFA é tirar o Fuleco de cena. A ideia inicial era quando fosse marcado um gol apareceria uma animação dele rolando no canto da tela. Ao criticarmos a exploração do boneco sem dar retorno, a opção foi tirá-lo de cena no lugar de apoiar a causa. É uma postura de pouco compromisso, de pouco envolvimento e que mostra de falta de ética. É uma relação de aproveitamento sem ter a via de volta.

Depois dessas entrevistas, houve alguma procura por parte da FIFA com alguma nova proposta?

Não tivemos mais contato. E quando pensamos nesta proposta lá atrás não imaginávamos que seria uma relação infrutífera como foi. Mas, a FIFA é uma organização poderosa, é global, é a nações unidas do futebol, tem muito recurso, poder e controle. Na visão deles, de cima da montanha, em Zurich, que talvez seja o metro quadrado mais caro do mundo, com o clima ameno e agradável da Suíça, olhando para os Alpes nada pode sensibilizar eles. É uma lástima.

E se você me perguntar, mas eles não têm um plano de sustentabilidade? Este foi um dos argumentos, inclusive, para eles não apoiarem o tatu-bola, porque eles justificaram que o plano foi desenhado em 2010 e isso eles estão cumprindo, já que era essa a meta. Ao perguntar se eles não podiam atualizar o plano, já que o mascote da Copa tem a ver com a temática, o coordenador de responsabilidade da FIFA respondeu que o plano era apenas cumprir o plano de maneira integral.

No último contato, no dia 11 de junho, eu sugeri que já que o recurso não existia na área de responsabilidade social, que ele fosse levado a outras instâncias, porque após a Copa, poderia ajudar a mudar a opinião em relação à FIFA, mas até agora sem nenhuma resposta. E a estratégia deles foi tirar o Fuleco de cena.

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