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Entrevista: 
Isa de Oliveira

"Nesse ritmo de redução, o Brasil não cumprirá a meta de eliminar as piores e todas as formas de trabalho infantil até 2025”

“Salve as crianças / Elas têm direito à educação/ Um lar, comida, cobertor/ Carinho, afeto, amor/ Saúde, paz para brincar / Sonhar, sonhar, sonhar”. Esse é o trecho do samba-enredo do bloco Os Cata-Latas do Grajaú, no Rio de Janeiro. Os versos, porém, destoam da realidade brasileira. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD 2015), mais de 2,7 milhões de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, estão em situação de trabalho no Brasil. No mundo, são 152 milhões no trabalho precoce. O trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, de acordo com a legislação de cada país. No Brasil, o trabalho é proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral, a menos que seja na forma de aprendiz, quando a idade mínima passa para 14 anos. Além disso, entre 2007 e 2017, 40.849 meninos e meninas sofreram acidentes de trabalho, sendo 24.654 de forma grave, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Outras 236 crianças e adolescentes perderam a vida nesse período. Entre as notificações consideradas graves estão amputações, traumatismos, fraturas e ferimentos nos membros, principalmente nos superiores. Em janeiro deste ano, um adolescente de 16 anos morreu ao cair de uma altura de 20 metros na pedreira em que trabalhava, em João Pessoa (PB). A maioria das crianças e adolescentes vítimas desses acidentes de trabalho realizam atividades definidas pelo Decreto 6.481/2008 como piores formas de trabalho infantil. Trabalham no comércio, na agricultura, na construção civil e como açougueiros, entre outras atividades. Para falar sobre essas disparidades e os esforços para combater o trabalho infantil no Brasil, o Portal EPSJV/Fiocruz entrevistou Isa de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), que desde 1994, ano de criação, vem traçando estratégias para mobilizar agentes institucionais governamentais e da sociedade civil quanto à prevenção e erradicação de todas as formas de trabalho infantil.
Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 11/10/2018 16h17 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

Poderíamos considerar o trabalho infantil como um dos principais problemas do país? Por quê?

É sem dúvida nenhuma extremamente preocupante o cenário brasileiro quando analisamos o universo de crianças de 5 a 17 anos que estão em situação de trabalho infantil e fazemos uma retrospectiva, considerando uma série histórica que se iniciou em 1992 e que, metodologicamente, se fecha em 2015 e que aponta para um número muito elevado de crianças que estão em situação de trabalho infantil. Precisamos considerar que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbem o trabalho para todas as crianças e adolescentes com menos de 16 anos, com a única exceção permitida, que é a aprendizagem a partir dos 14 anos, que a aprendizagem é também um instituto legal, que os programas de aprendizagem, que podem ser constituídos também por adolescentes a partir dos 14 anos, estão estabelecidos pela Lei do Aprendiz. Então essa é a primeira situação: o contingente é muito preocupante e, nessa série histórica, a gente registra uma redução de 75% do trabalho infantil entre 1992 e 2015. É um número estatisticamente expressivo, mas também nos indica uma preocupação que tem que estar em pauta. Até 2016, o Brasil havia assumido o compromisso de eliminar as piores formas de trabalho infantil e não cumpriu esse objetivo. É um contingente elevado. A PNAD Contínua de 2016 apontou um universo de 2,3 milhões de crianças trabalhando. Portanto, é uma redução lenta, pouco significativa e que coloca em pauta a preocupação: mantido esse ritmo de redução, o Brasil não cumprirá a meta de eliminar as piores e todas as formas de trabalho infantil até 2025. Isso está estabelecido na Agenda 2030, ou seja, nos objetivos de desenvolvimento sustentável que o Brasil é signatário foi expressa com absoluta clareza que o Brasil tem o prazo até 2025 pra eliminar todas as formas de trabalho infantil.

Poderíamos considerar o trabalho infantil como um dos principais problemas do país? Por quê?

É sem dúvida nenhuma extremamente preocupante o cenário brasileiro quando analisamos o universo de crianças de 5 a 17 anos que estão em situação de trabalho infantil e fazemos uma retrospectiva, considerando uma série histórica que se iniciou em 1992 e que, metodologicamente, se fecha em 2015 e que aponta para um número muito elevado de crianças que estão em situação de trabalho infantil. Precisamos considerar que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbem o trabalho para todas as crianças e adolescentes com menos de 16 anos, com a única exceção permitida, que é a aprendizagem a partir dos 14 anos, que a aprendizagem é também um instituto legal, que os programas de aprendizagem, que podem ser constituídos também por adolescentes a partir dos 14 anos, estão estabelecidos pela Lei do Aprendiz. Então essa é a primeira situação: o contingente é muito preocupante e, nessa série histórica, a gente registra uma redução de 75% do trabalho infantil entre 1992 e 2015. É um número estatisticamente expressivo, mas também nos indica uma preocupação que tem que estar em pauta. Até 2016, o Brasil havia assumido o compromisso de eliminar as piores formas de trabalho infantil e não cumpriu esse objetivo. É um contingente elevado. A PNAD Contínua de 2016 apontou um universo de 2,3 milhões de crianças trabalhando. Portanto, é uma redução lenta, pouco significativa e que coloca em pauta a preocupação: mantido esse ritmo de redução, o Brasil não cumprirá a meta de eliminar as piores e todas as formas de trabalho infantil até 2025. Isso está estabelecido na Agenda 2030, ou seja, nos objetivos de desenvolvimento sustentável que o Brasil é signatário foi expressa com absoluta clareza que o Brasil tem o prazo até 2025 pra eliminar todas as formas de trabalho infantil.

Que atividades caracterizam as piores formas de trabalho?

Eu gostaria de contextualizar o porquê dessa denominação “piores formas de trabalho infantil”. Houve um processo de mobilização mundial do qual o Brasil participou entre os anos 1997 e 1998, que foi a Marcha Global liderada pelo prêmio Nobel da Paz, o indiano Kailash Satyarthi, que chegou à Genebra levando um grande número de crianças em 1998. A partir de toda essa mobilização, no ano seguinte, a OIT [Organização Mundial do Trabalho] instituiu uma nova convenção que passou a vigorar a partir de 1999. A Convenção 182 define que todos os países signatários dessa convenção têm que tomar medidas imediatas, urgentes, eficazes para eliminar as piores formas de trabalho infantil, e posteriormente na articulação também dos países, com o objetivo de erradicar essas piores formas de trabalho infantil até 2016. O que são piores formas? São todas as atividades que, pela natureza ou pelas condições em que essa atividade é realizada, compromete o desenvolvimento físico, psicológico, moral da criança e do adolescente. E por isso, todas as piores formas de trabalho infantil estão proibidas para crianças de adolescentes com menos de 18 anos. Ou seja, a faixa etária foi eleva para 18 anos. Cada país signatário da Convenção 182 fica obrigado a elaborar uma lista das piores formas no seu território. No Brasil, essa lista das piores formas foi elaborada através do Decreto 6481, em 2008. E ali nós temos uma lista vasta: são 96 atividades. No momento da elaboração desse decreto, foram analisadas várias situações. Isso não quer dizer que, ali, estão todas incluídas, pois novas formas de trabalho infantil podem aparecer. E o importante desse decreto é que ele traz à atividade os prováveis riscos ocupacionais e as prováveis consequências à saúde da criança e do adolescente. Então, ele é uma ferramenta muito importante, tanto pra inspeção do trabalho como para a celebração de acordos coletivos de convenções de trabalhadores e empregadores que devem respeitar o que dispõe a Convenção, a Constituição e esse decreto em particular.

A partir de que idade e em que situações o trabalho é permitido no Brasil?

A Constituição é clara. Abaixo de 16 anos nenhuma forma é permitida, só a partir dos 16 anos, exceto para a aprendizagem, que pode ser iniciada aos 14 anos. Então, não há formas permitidas abaixo de 16 e fora da condição de aprendiz. Nenhuma situação é permitida. O trabalho entre 16 e 17 anos pode ser o de aprendizagem, mas pode ser também um trabalho regular com carteira assinada. Mas mesmo esse trabalho, ele não pode ser noturno, não pode ser perigoso, degradante, não pode colocar em risco a frequência e rendimento escolar, muito menos a saúde do adolescente. Então, há uma forma permitida dos 16 aos 17 anos que nós chamamos de trabalho protegido, que é com carteira assinada e em condições protegidas. Contudo, em 2017, o IBGE divulgou os dados do trabalho infantil no Brasil, com base em nova metodologia utilizada na PNAD, que aponta 1,8 milhões de meninos e meninas de 5 a 17 anos trabalhando, em 2016, em atividades proibidas pela legislação, ou seja, em situação de trabalho infantil, tratando os demais casos mensurados como trabalho permitido. Em nota explicativa, o FNPETI ressaltou que ao apresentar o número de 1,8 milhões, não foram somados os dados de crianças e adolescentes que trabalham para o próprio consumo. Que atividades enquadram-se nessa situação? É correto desconsiderá-lo? Indiscutivelmente. Nenhuma metodologia de pesquisa ou nenhuma pesquisa têm força ou podem alterar um dispositivo constitucional, isso não está em questão. A Constituição é clara e precisa: não pode trabalhar. Então não há exceção para diferentes ocupações. Na PNAD 2016, exclui as formas de trabalho infantil para o próprio consumo ou na construção para o próprio uso. Para o Fórum esse é um registro equivocado. O IBGE continua fazendo a pesquisa anualmente sobre o trabalho infantil de 5 a 17 anos, mas optou por uma metodologia que trouxe ganhos, a amostra foi ampliada, ela permite realmente outros recortes que a PNAD anterior não permitia, só que o nosso questionamento e a nossa certeza é de que crianças e adolescentes de 5 a 17 anos que trabalham para o próprio consumo devem ser contabilizados. É um trabalho com as próprias famílias, seja na agricultura, seja no comércio, seja em atividades urbanas ou rurais, e essas crianças estão em situação de trabalho. Tanto que o relatório fala, outras formas de trabalho. Então veja aí a contradição, se são outras formas, reconhece isso como trabalho realizado por crianças de 5 a 17 anos, a conclusão óbvia e com certeza é de que são trabalhadores infantis também.

Então tem cor o trabalho infantil no Brasil, são principalmente as crianças pretas e pardas

Entre 2004 e 2015, o trabalho infantil caiu pela metade no Brasil, de 5,3 milhões para 2,7 milhões, de acordo com o IBGE. No entanto, a exemplo de outros indicadores sociais, tal redução foi bastante desigual entre setores, Estados e regiões. O Nordeste teve a maior redução do trabalho infantil no período mencionado (59%), contra cerca de 38% no Sudeste. Enquanto o Ceará, líder nacional, reduziu o trabalho infantil em 77% entre 2004 e 2015, o Distrito Federal ficou estacionado no mesmo patamar no período, e o Amazonas, segundo pior no quesito, conseguiu redução de apenas 30%. Como poderíamos explicar essas disparidades? Existem diferenças de cor e gênero?

O plano de fundo dessa situação é a desigualdade social no Brasil. E  essa desigualdade é muito mais forte, ela é muito mais intensa em algumas Regiões como Norte e Nordeste. Isso explica em boa parte do porquê da ocorrência de trabalho infantil quando se faz um ranking nessas regiões, você vai encontrar a Região Norte e  Nordeste, mas você vai encontrar também a Região Sul, que é historicamente tem percentuais de crianças e adolescentes no trabalho acima da média nacional. Então aí você tem duas questões: no Norte e Nordeste tem a pobreza a inclusão social, a desigualdade social. São causas mais fortes e determinantes do trabalho infantil. Já e na Região Sul , temos principalmente os valores culturais. O recorte por gênero. Se olharmos  os números gerais de trabalho infantil é recorrente um maior índice de crianças e adolescentes do sexo masculino. Por outro lado, uma forma específica de trabalho infantil que é o trabalho infantil doméstico tem um recorte diferente, onde temos expressiva maioria de meninas trabalhadoras. E o recorte de cor, a maioria também, considerando meninos e meninas são negros ou pardos. Então tem cor o trabalho infantil no Brasil, são principalmente as crianças pretas e pardas que trabalham e o recorte de gênero que o que eu já apontei anteriormente.

Segundo dados do levantamento realizado pelo FNPETI, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014, 174.468 crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos estão ocupados no serviço doméstico no país. Ainda segundo o estudo, o trabalho infantil dentro de residências é, em geral, reservado às meninas – 94,2% das crianças com o nariz puído de solventes e mãos calosas de limpeza são do sexo feminino. Entre elas, 73,4% são negras e 83%, além de trabalharem na casa de terceiros, realizam afazeres domésticos em sua própria casa. Há uma naturalização desse tipo de trabalho? Poderíamos afirmar que é a modalidade ainda mais difícil de combater?

Isso é, em parte, realmente é verdadeiro. Todas as formas de trabalho infantil são naturalizadas. Senão não teríamos uma ocorrência e uma aceitação de alguns seguimentos da sociedade. É naturalizado pelas próprias famílias, pelas próprias crianças, pelos exploradores, por vários gestores públicos. Essa naturalização se estende para todas as formas de trabalho infantil. O trabalho infantil doméstico tem uma característica da maior invisibilidade, mas também eu chamaria que há uma invisibilidade da exploração sexual comercial. Certo? Então essas formas são formas mais difíceis de combater exatamente porque quem passa pela naturalização, pela aceitação e isso no caso do trabalho infantil doméstico e de todas as formas de trabalho infantil, e passa por essa invisibilidade. “Ah, ela não está trabalhando, ela ajuda”. Sempre se mascara uma situação de exploração, de trabalho mesmo por uma questão de ajuda. “Ah não, ela só ajuda”, “ela vai à escola, ela só ajuda nas tarefas da casa”.Por outro lado, dentre todos os países da América Central e América do Sul só o Brasil reconhece que o trabalho de crianças e adolescentes dentro da família, para a própria família é trabalho também, trabalho infantil doméstico. Então esse número que a PNAD aponta se refere somente à meninas e adolescentes que trabalham para terceiros. Essa é outra questão que no Brasil realmente há um avanço no sentido de reconhecer que se a criança está trabalhando, se ela vai à escola, mas ela volta e ela tem a responsabilidade de fazer todas as tarefas da casa, de cuidar dos irmãos mais novos, isso é trabalho infantil doméstico, mesmo que seja dentro da sua própria casa para a sua família.

Existe uma punição para os responsáveis por expor crianças em situações de trabalho?

O trabalho infantil, toda e qualquer forma de trabalho infantil não é um crime. É uma violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, e como tal ele tem que ser coibido, tem que ser identificado, tem que criar condições para retirar a criança dessa situação. Na expressiva maioria dos casos tem que se fazer um atendimento à família e dar apoio, seja através de uma ajuda de renda, de inclusão produtiva, de possibilidade de maior escolarização para os adultos da família, para que essa proteção seja assegurada e essa criança não seja realmente inserida no mercado de trabalho antes da idade mínima permitida. Então quando se trata de um explorador que tem um CNPJ a inspeção do trabalho pode fazer uma autuação, então, determinar a retirada, multar, tem multas estabelecidas para isso de pequeno valor e ela, dependendo da situação ela pode exigir uma reparação de danos, inclusive em termos financeiros. Então, calculando aquele tempo trabalhado, o que trabalhou, mesmo que não possa ter o registro da carteira se calcula baseado no tempo que aquela criança, aquele adolescente estava trabalhando e então se faz todos os cálculos dos direitos trabalhistas.

Entre 2012 e 2013, anos em que o FNPETI mensurou os números do trabalho infantil doméstico, houve queda de 17,6% nessa violação.  Quais os mecanismos existentes hoje que ajudam a reduzir esses números? Quais são as principais estratégias?

É importante, por exemplo, que o cidadão e a cidadã reconheçam que as crianças e adolescentes que estão nos faróis, nos semáforos, que estão vendendo nos estacionamentos, que estão vigiando casa, vigiando carro, que estão vendendo produtos em bares e restaurantes, que isso é uma situação do trabalho infantil e a primeira decisão é não comprar esses produtos, porque se você compra por compaixão ou porque você acredita que está ajudando, você está incentivando que as crianças continuem trabalhando. Se esse trabalho é importante para a renda da família, então que seja realizado pelos adultos, e nós sabemos que pelos dados oficiais temos milhões de adultos desempregados. Então, há uma estratégia em que a gente reconhece que quando uma criança oferece um produto, é muito mais fácil de ser comprado do que um adulto. Não podemos se valer desse encantamento que a criança traz por ser criança. Esse encantamento tem que nos motivar a dizer: essa criança não pode estar nessa situação de risco porque essas formas de trabalho infantil nas ruas, nesses diversos espaços públicos ou privados, expõe essas crianças a serem aliciados pelo crime organizado, para o uso de drogas, para a prática de pequenos furtos e para a exploração sexual, então é uma situação de extrema vulnerabilidade.  Temos que olhar e entender e ter realmente uma atitude proativa no sentido de não comprar, inclusive de fazer denúncias ao Conselho Tutelar, aos telefones que estão disponíveis pra acolher denúncias para que a assistência social, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e suas regionais façam a identificação a família e faça a retirada da criança  sustentável, que ela não volte ou que outras crianças da família também não sejam inseridas no mercado.

A legislação é plena, mas ela corre risco constante

O que é importante garantir que criança não trabalhe e para combater o trabalho infantil?

Essa é também uma argumentação que a gente vem se interando ao longo de todo esse processo de enfrentamento e luta contra o trabalho infantil. Estamos falando de contingente de crianças de 5 a 17 anos que estão na idade plena da escolarização, tem direito à educação, obrigatória para todos de 4 a 17 anos. É um dispositivo constitucional, então o que se tem que priorizar é a inclusão escolar. Mas essa inclusão escolar não é matrícula simplesmente ou frequência, ela tem que ser permanência na escola com a garantia da aprendizagem. Essa é uma estratégia fundamental! Quando a criança está no trabalho e isso prejudica a frequência, o rendimento escolar dela, leva a repetência, uma distorção idade-série, a um baixíssimo rendimento e muitas situações que as motiva, principalmente adolescentes, a abandonem a escola. A educação é uma estratégia que pode contribuir para cessar a violação ao direito da criança que está no trabalho e juntamente com a violação do direito à educação. Temos expressas duas violações muito graves que é o trabalho infantil e do direito à educação.
A gente fala na educação, a gente fala na saúde, mas também temos que assegurar um direito o que é fundamental para as crianças e adolescentes: o direito ao brincar. Há vários especialistas discutindo a importância do brincar para as crianças.

A proteção prevista na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei do Aprendiz são suficientes? Existe uma projeção para a erradicação do trabalho infantil no Brasil?

Nós temos um Marco Legal no Brasil que se ele fosse cumprido efetivamente nós não teríamos aqui a situação do trabalho infantil. Soma-se aos dispositivos constitucionais, ao ECA, ao Decreto 6481, a Lei da Aprendizagem e duas importantes convenções, que tratam do tema trabalho infantil, que são Convenções da OIT 138 e 182. Do ponto de vista legal o Brasil realmente tem uma legislação avançada que está em consonância, inclusive, com a Convenção sobre os direitos da criança da ONU [Organização das Nações Unidas].
No entanto, temos uma questão muito importante em relação à legislação que se apresenta no Congresso que é a PEC que buscar reduzir a idade mínima para o trabalho. Então nós temos que ter uma vigilância e fazer uma incidência política muito forte para que o retrocesso social não ocorra. Inclui-se aí também a redução da idade penal, então nós somos ameaçados, os direitos da criança e do adolescente são permanentemente ameaçados no Congresso Nacional com essas propostas de redução da idade mínima para o trabalho e da idade penal. A legislação é plena, ma ela corre risco constante. Nós entendemos que são cláusulas que não poderiam ser modificadas nem através de uma Emenda Constitucional, mas os legisladores, os maus legisladores não tem agido dessa forma, não tem feito essa defesa, pelo contrário, tem trazido uma série de ameaças, que nós chamamos de retrocesso social.

Como o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil articula-se com o Sistema Único de Saúde (SUS)?

Um dos eixos desse plano é a garantia do direito à saúde para todas as crianças e adolescentes e particularmente para impedir que os malefícios, os prejuízos do trabalho infantil ocorram. O Ministério da Saúde participa, há uma representação que integra os membros da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI) e que, portanto, inserem na matriz operacional deste plano as ações que a saúde pode realizar para contribuir para a prevenção e erradicação do trabalho infantil e também para a proteção à saúde da criança e do adolescente e também para recuperar os danos causados. Há registros de óbito de inúmeros acidentes graves com mutilações sofridos por crianças e adolescentes na no trabalho. Essa articulação existe, assim como as ações, por exemplo, do Ministério da Educação, do Trabalho, da Assistência Social, dos Direitos Humanos fazem parte ou integram essa matriz operacional do Plano Nacional. E o que a gente espera é que esse plano seja uma ferramenta eficaz de articulação dessas políticas, desses projetos para que efetivamente venhamos contribuir decisivamente para o alcance da meta de 2025, que é a eliminação de todas as formas de trabalho infantil. Nesse âmbito da saúde, a Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil e vem sendo implantada no Sistema Único de Saúde (SUS), sensibilizando a atenção primária, todos os profissionais de saúde que tem por determinação de uma portaria, que compulsoriamente podem notificar se uma criança, um adolescente atendido por ela com adoecimento ou mutilação decorre de uma situação de trabalho. Está também expresso que se não houve um adoecimento, nem uma mutilação, mas o agente comunitário de saúde (ACS) percebe que naquela família visitada há uma situação trabalho infantil ele tem que fazer a notificação.Nesse período de 2003 até hoje, de todas as políticas sociais ou de todas as políticas públicas, a política de saúde foi que criou uma ferramenta extremamente eficaz. A saúde merece parabéns por essas iniciativas e por esse trabalho contínuo de buscar a sensibilização dos agentes comunitários de saúde para garantir a proteção à criança contra todas as violências e contra essa violência que está em pauta que é o trabalho infantil.

O estudo publicado no início de outubro pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) nas cidades de Pacaraima e Boa Vista (RR) de maio a junho de 2018, mostrou os desafios que os venezuelanos enfrentam quando chegam ao país, em especial as crianças e os adolescentes. Foram entrevistadas quase 4 mil pessoas, das quais 425 estavam com seus filhos menores de 18 anos ou acompanhando algum menor de idade. Desde que chegaram ao Brasil, 16 dos entrevistados responderam que, em algum momento, uma criança ou adolescente sob sua responsabilidade trabalhou ou fez algum tipo de atividade esperando obter algum tipo de pagamento. Como o Brasil pode intervir nessa situação?

Defendemos que o Brasil tem que acolher solidaria e respeitosamente esses imigrantes e dar às crianças e aos adolescentes uma atenção especial porque elas, estando em território brasileiro, estão protegidas pelo dispositivo constitucional do artigo 227, que assegura à criança e ao adolescente proteção integral com absoluta prioridade. Então não tem como discriminar agora, evidentemente, que nós temos um cenário extremamente difícil, porque se nós não conseguimos em Roraima proteger as crianças brasileiras porque há trabalho infantil, há piores formas de trabalho infantil. No entanto, essas crianças estrangeiras precisam ser incluídas nas estratégias. Temos que fortalecer essas estratégias, esse compromisso, essa responsabilidade que tem o município, o estado, o município de Boa Vista, o estado de Roraima e o estado nacional brasileiro através de políticas públicas de tratar todas as crianças que estão vivendo naquele território, sejam elas nacionais brasileiras ou venezuelanas, ou migrantes de outros países, protegendo integralmente essas crianças e adolescentes. Protegendo a vida, o direito à alimentação, o direito à saúde, a educação, aos adolescentes direito à profissionalização, o direito ao lazer, ao brincar, a convivência familiar e, portanto temos que também apoiar as famílias. Então, isso não muda essa discussão, pelo contrário, ela fortalece, ela expõe as dificuldades, a baixa a eficácia das políticas públicas brasileiras, o pequeno ou nenhum compromisso dos gestores públicos com o enfrentamento do trabalho infantil e com a obrigação de garantir à proteção integral as crianças adolescentes, esse cenário.