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Entrevista: 
Daniel Cara

'O governo federal precisa participar de maneira efetiva dos gastos da área de educação'

Durante o encerramento da CONAE 2014, Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, concedeu uma entrevista coletiva à imprensa na qual fez um balanço da Conae e abordou algumas temáticas. Confira.
André Antunes, Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 01/12/2014 16h23 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Qual é a avaliação geral de como foi a votação do seu eixo, do financiamento, e uma análise geral da articulação que a Campanha fez em relação aos eixos durante a Conae?

Primeiro em relação a todos os eixos, a Campanha aprovou tudo aquilo que era prioritário, então todas as nossas emendas, as principais especialmente, foram aprovadas até com relativa tranquilidade. Isso demonstra que a Campanha é uma organização que consegue congregar diversos atores, e que os atores atuam dentro da campanha de maneira muito dedicada e militante. Acho que é mais uma etapa que a gente cumpre. Foi assim na Coneb, na Conae, e se fortaleceu ainda mais na Conae de 2014 quando tivemos a maior delegação individual de uma entidade que foram 90 delegados. Isso se refletiu na aprovação das emendas.

Em relação ao eixo 7, a Conae dá recados claros para o Congresso Nacional. Primeiro que ela defende 100% dos royalties do Fundo Social do pré-sal, 100% dos royalties do petróleo e também 100% das participações especiais e da exploração de minérios. Quer dizer, um conjunto de recursos bastante importante. E agora vai começar a tramitar no Congresso o Código Mineral. O Brasil é um dos poucos países no mundo que exploram minérios e não fazem uma cobrança justa dessa exploração. Então as mineradoras são muito beneficiadas aqui, especialmente nos estados do Pará, Maranhão, Minas Gerais. Isso é um recado que a Conae dá para o congresso Nacional em relação ao código mineral.

A lei de responsabilidade fiscal ficou apontada que ela deve ser desconsiderada na área de educação, o que significa que a aplicação da lei não pode ser contabilizada na área de educação porque caso contrário a gente não consegue a valorização dos profissionais de educação. Uma questão basilar que foi aprovada é dinheiro público para a educação pública, outro recado pro governo federal e pro Congresso Nacional de que a aprovação do PNE que teve forte apoio do setor privado da educação e que liberou as parcerias público-privadas no plano é uma posição que é contraria ao conjunto da área de educação que se colocou aqui na Conferência. Em relação ao sistema nacional de educação ficou muito claro que o governo federal vai ter que ter maior participação e maneira de garantir essa maior participação é com o Custo-Aluno Qualidade Inicial primeiramente e depois com o Custo Aluno Qualidade. Só que só o CAQi em 2016 deve significar pelo menos 37 bilhões de reais que serão transferidos do governo federal para estados e municípios via Fundeb. E mais interessante ainda, que acho que essa foi a emenda que foi surpreendente a adesão dela: todo o recurso do Fundo Social do Pré-Sal, todo recursos dos royalties, todo recurso de participações especiais e da exploração de minérios deve ser integralizado no Fundeb pra garantia do Custo Aluno Qualidade Inicial. Essa medida é revolucionária porque a gente vai ter agora rediscussão do Fundeb, que vai ser rediscutido a partir de agora, porque termina em 2020, no Congresso Nacional normalmente as leis demoram 4 anos para serem aprovadas principalmente leis dessa envergadura, e o resultado é que o Fundeb vai ser fortalecido com esses recursos. Isso é uma excelente notícia para a área da educação e vai gerar uma tensão com o governo federal que a gente espera que o governo federal entenda e cumpra aquilo que a presidenta Dilma diz, se a prioridade é da educação, essa prioridade tem que reverberar na maior participação do governo federal na área transferindo para estados e municípios.

Qual é a perspectiva do CAQi agora pós-Conae?

A gente conseguiu fazer um acordo de redação com o Ministério da Educação, isso é muito importante. Era para o CAQ sair daqui homologado imediatamente. A gente atrasou isso para maio de 2015 quando a resolução do CAQ vai ter completado 5 anos sem homologação, também é uma data simbólica, mas principalmente pelo fato de que se ela não for homologada até lá o CAQ não entra dentro da lei orçamentária de 2016, que começa a ser discutida no comecinho do segundo semestre de 2015. E pelo PNE, na estratégia 20.6 o Custo Aluno Qualidade Inicial tem que ser implementado a partir de 2016, então tem que entrar já na lei orçamentária. E o Ministério da Educação ficou responsável por garantir uma comissão que ele vinha prometendo pra Campanha desde 2010, a gente aprovou em 2010 na 1ª Conferência Nacional de Educação a homologação do parecer do CAQi, não tava dito de maneira tão clara por isso que a gente fez emendas mais claras para fortalecer essa proposição, o Ministério da educação, o ministro Fernando Haddad posteriormente o ministro Mercadante e depois o Henrique Paim, todos eles se comprometeram em reuniões a compor uma comissão de trabalho com a campanha e nunca realizaram essa comissão. O resultado é que agora já não tem mais como, a Conferência Nacional de educação aprova textualmente a criação dessa comissão de negociação para implementação do CAQi e implementação do próprio dispositivo. Porque também chegar a 37 bilhões de reais para estados e municípios de maneira automática não vai resolver os problemas, tem que ser feito um debate sobre um período de transitoriedade, sobre quais são os critérios pra absorção desses recursos pra que eles sejam bem aplicados. O ponto central é: não dá mais para o governo federal fugir da sua responsabilidade na área de educação, especialmente na educação básica, e ele deve colaborar especialmente com os municípios que tem uma grande demanda na educação infantil, que é a demanda mais complexa da educação básica junto com a educação de jovens e adultos que os estados tem uma participação bastante grande. Essa é a mensagem da Conferencia Nacional de Educação: o governo federal precisa participar de maneira efetiva dos gastos da área de educação.

Tendo em vista o resultado da Conae qual é a expectativa que se abre para a Campanha no próximo biênio em relação às lutas? Porque a gente tem em tramitação o projeto de lei de responsabilidade educacional no Congresso e também o Sistema Nacional de Educação que deveria ser aprovado até 2016.

A base central do Sistema Nacional de Educação, se você pega a meta 20 do PNE e analisa as estratégias, a estratégia central é a implementação do CAQi. Ele é um elemento basilar do Sistema Nacional de Educação, ele que vai regular inclusive a cooperação entre governo federal, governos estaduais e governos municipais. O que acontece é que agora a Conferencia Nacional de Educação que era para influenciar o final da tramitação do PNE ela vai servir pra gente se mobilizar pelo Sistema Nacional de Educação, que vai ser muito mais complexa a tramitação do que foi o Plano Nacional de Educação, por um único motivo: ela vai mexer no bolso dos entes federados, isso é sempre muito mais sensível. Agora com uma boa notícia: ao mesmo tempo que o Congresso é muito conservador, a gente nunca teve um Congresso tão fortemente municipalista, dedicado ao debate das questões federativas. Qual é o problema? É que quando ele olha pra questão federativa, ele tenta desonerar o município de maneira errada, aprovando um reajuste do piso pelo reajuste inflacionário, o que é completamente equivocado, porque reajuste inflacionário não é valorização. O que a gente vai tentar mostrar pro Congresso Nacional é que é muito melhor ele rediscutir o pacto federativo através de uma minirreforma federativa que seria a implementação do CAQi, essa que é a linha que a gente está trabalhando. Tenho conversado com algumas lideranças partidárias, existe muita sensibilidade, inclusive de partidos da base do governo, a gente nunca sabe qual é essa base, porque ela é muito gelatinosa, mas o PMDB, PDT, PSB, que já foi da base agora é oposição, PTB que apoiou o Aécio mas é da base, PP, então tem um grupo de partidos, o próprio PT tem muita sensibilidade em relação a questão do CAQi, toda a oposição. Então a gente está agora tentando congregar esse conjunto de forças. Mas o primeiro passo pra nós que não passa pelo Congresso é a homologação da resolução do CAQi no Conselho Nacional de educação. Não é tão decisivo como uma lei, mas para a área de educação é um princípio importante porque o conselho tem que ser esse espaço de debate, não pode ser sempre aquela arena em que o governo aponta suas necessidades e eles normatizam. Pela primeira vez o conselho tem a chance de apontar um caminho determinado pela sociedade civil num termo de cooperação que tem entre o conselho e a campanha nacional pelo direito à educação. Inclusive na conferência tem uma emenda que deixa muito clara essa parceria, historiciza essa parceira.

Para os estados e municípios, a partir das deliberações das emendas aprovadas, principalmente na questão das regulamentações que precisam ser feitas, algumas das indicações forma dadas aqui. Quais são os principais desafios que saem dessa Conae pra realidade municipal e estadual principalmente dos planos?

A gente também não vai apoiar que estados e municípios pratiquem guerra fiscal, deixem de arrecadar e a união faça a complementação, porque isso é completamente contrário ao bom uso do recurso público. Na nossa opinião, eu já expressei isso pro ministro Paim, que critica muito a questão do CAQi porque diz que muitos prefeitos e governadores não fazem bem seu papel e é verdade. Agora eles não fazem bem seu papel em parte porque agem mal praticando guerra fiscal, não fazendo bom uso do recurso e não fortalecendo mecanismos de controle social. Mas a maior parte disso é exatamente pelo fato de que eles estão com orçamento bastante limitado para poder investir na educação. Então qual é a responsabilidade de estados e municípios? Em primeiro lugar , entender que a guerra fiscal é prejuízo pro seu próprio cidadão, se você deixa de arrecadar não dá saúde, não dá educação, assistência social, não cumpre com seu papel. Em segundo lugar, é preciso criar mecanismos de controle social e transparência. Para nós, inclusive quando chegar o dinheiro do CAQi, a gente vai cobrar que a lei de transparência seja integralmente cumprida por estados e municípios, o que até agora não é. Deixando claro como estão sendo distribuídos os recursos, publicizando isso em portais de transparecia, fazendo avaliações da qualidade dos recursos como ele está chegando, ele tem que ter resultado se está alterando plano de carreira, aprendizado dos alunos, infraestrutura da escola, se aquilo está se materializando de fato. Então essas são as responsabilidades que são aprovadas. Agora também foi aprovado aqui na conferencia que estados e municípios devem sair de 25 para 35% a sua participação nos recursos em educação. Então 35% de suas receitas devem ser integralizadas na área de educação. Certamente se a área de saúde estivesse aqui iria reclamar que ela querer que aumentasse a vinculação. Mas a saúde efetivamente demanda 1% do PIB para resolver quase todos os seus problemas , que é cerca de 50 bilhões de reais. A educação precisa de 10%, porque é maior a demanda da educação, nos 5 dias úteis tem 50 milhões de alunos nas escolas brasileiras, sendo 40 milhões nas públicas, 2 milhões de professores 5 milhões de profissionais de educação. É uma política que é muito maior que qualquer outra política social. Então necessariamente a educação tem uma demanda maior e essa demanda é justa e uma sinalização pro Congresso Nacional. Todo mundo tem que fazer sua parte. Quando a gente fala isso não pode encobrir o fato de que a União faz menos, isso é um problema histórico do Brasil. Agora governo federal faz pouco deve fazer mais, mas estados e municípios também devem fazer sua parte.

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