Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras
Entrevista: 
Mônica Murito

“O uso correto dos equipamentos de proteção individual pelos profissionais de saúde é uma excelente barreira primária de prevenção da contaminação”

Eles coletam sangue e analisam. Podem participar de pesquisas de genomas e até mesmo produzir kits de diagnóstico. Embora atuem também na rede privada, são essenciais para o Sistema Único de Saúde (SUS). E têm agora, no momento de pandemia do novo coronavírus, seu trabalho ainda mais intensificado. Esta semana, o Portal EPSJV aborda a relevância da formação e da atuação dos Técnicos em Análises Clínicas no cenário sanitário mundial. Nesta entrevista, a professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Mônica Murito destaca a importância do uso de equipamentos de proteção individual e coletivos e as noções de Biossegurança que devem ser colocadas em prática agora mais do que nunca, já que, por estarem em contato direto com o vírus ainda desconhecido, os profissionais de saúde estão expostos ao risco.
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 01/04/2020 10h18 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

Qual o papel do Técnico em Análises Clínicas?

O Técnico em Análises Clínicas é o profissional que coleta e processa materiais biológicos necessários ao apoio aos diagnósticos médicos, incluindo as áreas de microbiologia, imunologia, hematologia, biologia molecular, urinálise, bioquímica e histologia. Esse profissional tem um papel fundamental na construção do Sistema único de Saúde (SUS), assumindo desde diagnósticos importantes de doenças do dia-a-dia, como a amebíase – que é uma infecção por parasita ou protozoário, causada, na maioria dos casos, pela ingestão de água ou alimentos contaminados - e outras doenças negligenciadas até a atuação em áreas que exigem pesquisa e implantação de tecnologias mais avançadas relacionadas às análises clínicas.

Este profissional pode atuar em hospitais e serviços de saúde em geral, ocupando diferentes postos de trabalho, tanto na área de análises clínicas, como de pesquisa biológica, de controle de qualidade e produção de insumos, como os kits de diagnóstico. 

É importante ressaltar que a função do técnico é auxiliar nos diagnósticos, portanto, o laudo de um resultado de um exame necessita da assinatura de um profissional de nível superior, como o médico patologista.

Como a atuação desse técnico contribui em um momento como esse de pandemia por coronavírus? 

O Técnico em Análises Clínicas tem um importante papel no cenário da pandemia, podendo contribuir no diagnóstico e na realização de exames, como parte de um trabalho em equipe multidisciplinar.

No contexto do novo coronavírus, esse profissional pode realizar testes moleculares para identificação do material genético do vírus ou os testes sorológicos para a detecção de anticorpos específicos. O técnico também pode atuar na produção dos Kits diagnósticos e em pesquisas científicas, aplicando os conhecimentos de Biologia Molecular e Imunologia que estão relacionados com o contexto do novo coronavírus.

Os Kits diagnósticos para o novo coronavírus baseiam-se na detecção do genoma viral por RT-PCR em tempo real, a partir de amostras coletadas de nasofaringe – parte nasal da faringe -, ou na detecção de anticorpos por ensaios sorológicos, a partir de amostras de sangue. Para isso, é fundamental ter conhecimentos básicos da pipetagem, porque nos kits diagnósticos utilizamos a micropipeta, que é um instrumento de alta precisão utilizado na medição e transferência de líquidos. Vale lembrar que os profissionais de Análises Clínicas aprendem esse conteúdo durante a formação técnica.

Nesse contexto, esses profissionais precisam ter conhecimentos em Biossegurança para evitar a contaminação. O uso correto dos equipamentos de proteção individual (EPI) é uma excelente barreira primária de prevenção da contaminação por microrganismos, incluindo o novo coronavírus, assim como a higienização das mãos. Na verdade, não basta dar os equipamentos, o principal é você dar conhecimento para quem vai recebê-los.

E por isso é tão importante uma boa formação para esse trabalhador tão exposto em um momento como esse. Como diz o professor e coordenador do Curso Técnico de Análises Clínicas integrado ao ensino médio da EPSJV/Fiocruz, Flávio Paixão, a gente entende que a formação desse profissional deve não só contar com conhecimentos específicos para atuar nas diversas frentes no âmbito técnico, como também ter diferentes componentes disciplinares em que se debate conceitos de saúde e direitos, organizações de trabalho e noções sobre seus processos de precarização.

No geral, quais equipamentos de segurança esses trabalhadores precisam usar e qual a importância desses materiais?

Os trabalhadores que atuam na área de análises clínicas são considerados categoria profissional de alto risco, pela natureza e frequência da exposição aos riscos químicos, biológicos, físicos e ergonômicos em seu ambiente de trabalho. Por isso, eles precisam ter conhecimentos de Biossegurança, que é a área do conhecimento que aborda o estudo e a prevenção desses riscos, incluindo o uso de equipamentos de proteção que, por sua vez, visam à proteção da saúde do trabalhador e do ambiente, contra os riscos de acidente ou doenças relacionadas ao seu campo de atuação.

Os laboratórios de saúde em que eles atuam têm diferentes níveis de biossegurança conforme o risco biológico que vai se manipular.  Eles são classificados conforme o risco biológico em níveis 1, 2 ,3 ou 4. Dentro do contexto do novo coronavírus, temos o risco 4, que é o risco grave para o profissional de saúde e para a comunidade, pois não existe tratamento para a doença e os riscos de propagação são muito graves e, por isso, requer equipamentos adequados para esse agente de risco.

A contaminação do vírus pode ocorrer por via oral, nasal, cutânea ou ocular. E justamente por isso o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) é fundamental, sobretudo nas situações emergenciais em que medidas de proteção coletiva sejam inviabilizadas ou não aplicadas, em função do local ou da abordagem requerida.

Para a prevenção de acidentes e proteção da saúde do trabalhador da área de análises clínicas, são utilizados EPIs denominados “barreiras primárias” de contenção, como o jaleco, que é uma vestimenta de uso obrigatório que deve ser de mangas longas e comprimento abaixo do joelho, para proteger os braços e parte superior do corpo do trabalhador, contra respingos e derramamentos de substâncias ou fluidos biológicos; os calçados de segurança, que devem ser fechados, de material resistente à umidade, de forma a proteger o trabalhador contra derramamentos e respingos de líquidos, e impactos de objetos diversos; E as luvas, que são equipamentos utilizados para proteção das mãos do trabalhador.

É importante ressaltar que existe um tipo de luva para cada aplicação, seja contra produtos químicos - ácidos, bases, solventes orgânicos, entre outros - quando são utilizadas geralmente luvas nitrílicas; ou luvas cirúrgicas, de látex, para a manipulação de fluidos biológicos, tais como sangue, fezes, urina, ou para a prevenção da contaminação das mãos por agentes biológicos patogênicos, vírus, bactérias e fungos.
Na atuação do técnico na área hospitalar é importante que as luvas sejam frequentemente trocadas, evitando assim o transporte de microrganismos de um paciente para o outro ou para superfícies, para que não haja a transmissão de doenças.

Ainda no contexto de proteção, temos as máscaras, que são utilizadas para a proteção do aparelho respiratório dos trabalhadores, e podem ser semifaciais ou de proteção total. Assim como as luvas, também há diferentes tipos de máscaras, dependendo do risco envolvido na atividade. Existem as máscaras com filtros mecânicos que são adequadas para a proteção contra poeiras e partículas sólidas em suspensão no ar; as máscaras protetoras com filtros químicos que protegem contra gases e vapores oriundos de solventes orgânicos ou ácidos; as máscaras cirúrgicas, que oferecem proteção contra respingos de fluidos biológicos, ou para a contenção de aerossóis e gotículas oriundos de espirros ou tosse. E há a máscara N-95, que é a recomendada para a proteção do trabalhador em contato com pacientes suspeitos de infecção por vírus (como influenza, coronavírus) ou bactérias (como a que causa a tuberculose).

Vale lembrar que existem ainda os protetores auditivos, que atuam na prevenção do trabalhador exposto ao risco físico relacionado aos ruídos, quando estes estão acima dos níveis aceitáveis estabelecidos pelas legislações.

Já os Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs) são fundamentais para a proteção da saúde do ambiente e do coletivo de trabalhadores em sua rotina. Eles devem ser adequadamente instalados e sinalizados. Os principais EPCs são as capelas de exaustão química, que protegem contra gases e vapores provenientes da manipulação de substâncias químicas; as cabines de segurança biológica, adequadas ao trabalho com agentes biológicos; o chuveiro e lava-olhos, que são utilizados em casos de derramamentos de maior volume de substâncias químicas; e os extintores de incêndio.

É importante destacar que não basta o fornecimento dos EPIs e EPCs, mas é necessária a orientação e capacitação do trabalhador para seu uso correto, bem como a realização da conservação desses equipamentos, pela manutenção de sua higienização adequada e integridade, e pela realização de seu descarte correto.

Os profissionais de saúde que não têm conhecimento sobre como usar corretamente esses EPIs ou não recebendo esses equipamentos acabam propagando esse vírus entre os profissionais e para outros pacientes.

O que os estudantes aprendem no Curso Técnico em Análises Clínicas da EPSJV/Fiocruz?

O Curso Técnico de Nível Médio em Análises Clínicas possui uma organização curricular baseada no princípio pedagógico da politecnia, em que a formação técnica do profissional em saúde se estrutura de uma forma contextualizada e reflexiva, compreendendo assim, os conhecimentos científicos e tecnológicos do processo de trabalho nos diferentes setores da saúde.

Os alunos adquirem desde os conhecimentos mais básicos, como a Biossegurança e Boas Práticas de Laboratório, onde passam a conhecer os equipamentos de Laboratório e os princípios da biossegurança. Depois, entramos nas questões técnicas de Química, Morfologia, Anatomia e Fisiologia e, posteriormente, é abordada uma parte das doenças infecto-parasitárias - Imunologia, Bacteriologia, Micologia, Virologia, Protozoologia, Helmintologia -, na qual o aluno aprende as técnicas utilizadas nos diagnósticos clínicos. O currículo aborda ainda a Biologia Molecular, que tem uma aplicação mais avançada nos diagnósticos médicos.

O nosso curso desenvolve conhecimentos gerais e específicos que permitem exercer atividades, como auxiliar e executar atividades padronizadas em laboratórios de análises clínicas utilizadas na busca ou confirmação de diagnósticos; atuar no campo da pesquisa biológica e no controle de qualidade; E implantar, testar e colocar em rotina novas tecnologias que venham a surgir neste campo, em especial aquelas que envolvam conhecimentos biomédicos.

Como diz o professor Flávio Paixão, para além do aprendizado teórico nas disciplinas mais específicas, é essencial que os técnicos tenham o conhecimento da Biossegurança e a ciência do quanto do seu ofício é importante na estrutura do SUS. Eles são os profissionais que estão não só nas coletas e diagnósticos, mas na pesquisa e produção de conhecimento. E enquanto cidadãos, formadores e multiplicadores de informação adequada ao seu entorno.

E, no estágio, como isso funciona?

O estágio tem como objetivo consolidar os conhecimentos e habilidades adquiridas durante o curso com o campo prático de atuação do profissional. O aluno vai interagir com o mundo do trabalho, exercitando de forma supervisionada atividades que se concentram nas áreas de serviço em saúde, produção, controle de qualidade e pesquisa biológica.O estágio é realizado em unidades da Fiocruz, e em instituições que integram o SUS, tendo a carga horária de 400 horas. Para realizarem o estágio, os alunos precisam estar com o protocolo de vacinação previsto para os profissionais de saúde e fazer exames médicos.

É importante ressaltar que a área de análises clínicas é muito automatizada, reduzindo a demanda de técnicos. Principalmente nas redes particulares, a atuação desses técnicos se limita à coleta de sangue e muitos dos procedimentos anteriormente executados pelo técnico, como análise e processamento de materiais biológicos necessários ao apoio aos diagnósticos clínicos, passam a ser assumidas por profissionais de nível superior. Seguindo a lógica do mercado, é mais barato contratar um só profissional que possa realizar os exames e também assinar os laudos conclusivos.

Porém, a formação oferecida pelo Curso Técnico em Análises Clínicas permite que o estágio seja diversificado, incluindo a área de pesquisa e produção de insumos que irá possibilitar ter uma formação mais ampla que vai além da visão instrumental. O aluno passa a ter condições de desenvolver sua capacidade crítica e interagir com técnicas mais avançadas na área de diagnóstico e problematizar. Acredito que nossa formação possibilita ampliar às oportunidades para o trabalho.

 

Assista aqui:

Joana Trotta, ex-aluna da EPSJV/Fiocruz pelo curso técnico de Análises Clínicas, fala sobre a atuação desses técnicos no cenário de coronavírus. Além disso, deixa uma importante mensagem de estímulo aos nossos estudantes em formação.