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Câmara vota regulamentação da Emenda 29

Relator reconhece a fragilidade do texto aprovado, que não define novas fontes de recursos. Agora, o projeto segue para o Senado.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 23/09/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Depois de 11 anos de luta pela regulamentação da Emenda Constitucional 29, que trata dos recursos financeiros para o Sistema Único de Saúde (SUS), a notícia de que a Câmara dos Deputados finalmente votou um projeto poderia trazer algum alívio para os defensores da saúde. A proposta original, que já havia sido aprovada no Senado, estava tramitando na Câmara há três anos – a maior parte do texto já havia sido aprovada, mas faltava definir a base de cálculo para a Contribuição Social da Saúde (CSS), que seria destinada à área. A CSS acabou sendo rejeitada pelos parlamentares, por 355 votos a 76.

Apesar do clima de comemoração entre os deputados, o projeto aprovado nesta quarta-feira é bem diferente do que militantes e pesquisadores esperavam para melhorar o financiamento.

“A Câmara piorou o projeto”

Isso ocorreu porque, durante a tramitação na Câmara, o projeto que veio do Senado sofreu alterações substanciais. Antes, o texto previa que estados e municípios investissem em saúde no mínimo 12% e 15% de suas receitas correntes brutas, respectivamente, como já acontece hoje. Mas, para a União, a regra mudava: o texto estabelecia que o governo federal investisse no mínimo 10% de suas receitas correntes brutas – hoje, o governo federal aplica o valor do ano anterior, atualizado pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida entre os dois anos anteriores. Se a proposta tivesse sido aprovada dessa forma, em 2011 o investimento da União em saúde teria chegado a R$ 94,4 bilhões, em vez dos cerca de R$ 72 bilhões atuais, segundo estudos de Gilson Carvalho, sanitarista e especialista em saúde pública.

Na Câmara, a mudança proposta para os investimentos da União acabou caindo. Decidiu-se manter o valor atrelado à variação do PIB, mas, para cobrir as necessidades de financiamento, criar a CSS. Apesar de funcionar nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a nova contribuição tinha algumas novidades. De acordo com deputado Pepe Vargas (PT/RS), autor do substitutivo que criava a CSS, ela incidiria sobre 0,1% das movimentações financeiras (contra 0,38% da CPMF), e estariam isentos trabalhadores que ganhassem até cerca de R$ 3 mil.

Esta semana, quando os deputados votaram a matéria, a única coisa que faltava ser aprovada era a base de cálculo desse novo tributo, que foi rejeitada. Assim, além de a União não precisar investir nada a mais do que já investe hoje, não há recursos adicionais para a saúde.

O próprio relator do projeto na Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), reconhece as deficiências do texto. “A Câmara piorou o projeto em relação ao do Senado, porque as obrigações da União ali colocadas são as que já estão previstas e cumpridas”, diz.

Fundeb

Elias Jorge, especialista em financiamento da saúde e ex-diretor do Programa de Economia da Saúde e Desenvolvimento do Ministério da Saúde, aponta mais um problema do projeto. Trata-se de um artigo que permite que os estados e o Distrito Federal excluam os recursos que aplicam no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) da base de cálculo do montante a ser aplicado por eles na saúde. “Com isso, os estados ainda deixarão de investir cerca de R$ 6 bilhões por ano”, afirma. Ele espera que esse trecho seja suprimido quando o projeto for analisado pelo Senado.

Definição das ações em saúde

Outra função da regulamentação da emenda é a de definir o que são gastos em saúde. Por conta de brechas na legislação, hoje, muitos estados e municípios incluem naquele percentual das receitas correntes brutas que precisam investir na área despesas como pagamento de aposentados e gastos com merenda escolar.

Agora, as despesas estão definidas. Entre as ações e serviços que serão considerados como de saúde estão a formação de trabalhadores; a produção, compra e distribuição de medicamentos; a vigilância em saúde; e as obras na rede física do SUS. Não poderão ser consideradas ações de saúde o pagamento de inativos, a limpeza urbana nem ações de assistência social, entre outras.

Embora essa seja uma medida importante, Eduardo Cunha ressalta que, sem novo aporte de recursos por parte da União, estados e municípios vão se prejudicar. “Eles já estão em situação difícil e vão ter que colocar ainda mais dinheiro para se adaptarem”, diz.

Futuro

O projeto agora segue para o Senado, que só pode fazer alterações sobre as mudanças feitas na Câmara. Isso significa que ele não pode, nesta mesma lei, criar uma nova contribuição, já que o projeto original não previa isso e a Câmara também a rejeitou. O texto da Câmara pode ser aprovado na íntegra, com a rejeição de algumas mudanças (como a questão do Fundeb, por exemplo), ou pode ainda ser totalmente rejeitado. Nesse caso, o Senado pode aprovar na íntegra o texto que saiu desta casa legislativa ainda em 2008 – aquele que previa os 10% das receitas correntes brutas da União.

Mas Elias Jorge não acredita que isso vá acontecer. “São poucas as chances, porque a área econômica não vai deixar”, diz. De acordo com ele, o ideal seria ter um novo projeto de lei, à parte da regulamentação da Emenda, propondo uma nova contribuição que desempenhe um padrão de equidade, nos moldes da CPMF e da CSS. “Embora a CSS não fosse de fato resolver o problema da saúde – ela era ainda tímida –, seria importante. Mas, esta semana, ficou claro, mais uma vez, que há uma resistência muito forte em relação a esse tipo de tributo”, critica. Eduardo Cunha concorda: “Dificilmente haverá uma nova fonte de financiamento, já que a ideia de novos tributos não tem apoio”, diz.