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Alunos e profissionais da EPSJV participam de debate sobre o documentário ‘Utopia e Barbárie’

Cineasta Silvio Tendler, diretor do filme, foi o convidado para o evento.
Talita Rodrigues - EPSJV/Fiocruz | 15/07/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47


A convivência entre a utopia e a barbárie foi o tema do debate realizado entre o diretor de cinema, Silvio Tendler, e os alunos e profissionais da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). O debate foi precedido da exibição do filme ‘Utopia e Barbárie’, dirigido por Tendler. No filme, o cineasta conta os principais acontecimentos políticos e econômicos do Brasil e do mundo, mostrando como a utopia (as mobilizações e revoluções sociais) é sempre seguida da barbárie (as guerras, a repressão, a tortura). “No início, pensei que o nome do filme seria ‘Utopia ou Barbárie’, mas, com o tempo, percebi que as duas coisas sempre existiram e se alternam. Uma gera a outra e as duas convivem em desconcertante harmonia, como digo no filme. A luta constrói uma utopia, que é seguida da barbárie”, observou o diretor.



Para fazer o filme, Tendler percorreu diversos países em 19 anos em busca de histórias e opiniões de pessoas que participaram ou testemunharam importantes momentos da história brasileira e mundial. Estão no filme, a explosão da bomba atômica de Hiroshima, o Holocausto, as mobilizações de 1968 em diversas partes do mundo, o Golpe Militar de 1964 no Brasil, a ditadura na América Latina, a Guerra do Vietnã, a queda do Muro de Berlim, a Revolução Cubana, entre outros marcos históricos mundiais.



Tendler inicia o filme falando da Segunda Guerra Mundial e de três ‘insurreições’ que, para ele, impulsionaram o reordenamento do mundo – A Revolução Cubana, a Revolução Chinesa e a Guerra do Vietnã. “Nesse contexto, surgiu a figura de Che Guevara. Muita gente questionou se ele deveria ter ido para a Bolívia, tentar repetir a Revolução Cubana, mas o que aconteceu é que ele ocupa um espaço na história que ficou para o mundo como um exemplo de rebeldia, de coragem e de construção ética. Ele ganhou um espaço na história que a direita medíocre e tacanha, que matou, sequestrou e torturou, nunca terá”, disse o cineasta, completando: “Nunca a esquerda foi covarde como a direita”.



Outro marco apontado pelo filme é o ano de 1968, considerado um ano ‘orgástico’, pontuado por revoltas sociais em diversas partes do mundo, incluindo o Maio de 1968, em Paris. “Tivemos grandes orgasmos, com as revoluções pipocando em diversos países, seguidos da brochada, depois que as coisas não aconteciam como se imaginavam”, destacou Tendler, que continuou: “Como digo no filme, se 1968 foi o orgasmo da História, 1989, no Brasil, foi a brochada da História. Foi a primeira vez que votei para presidente, com 39 anos. Tínhamos tantos candidatos para escolher e escolhemos o pior, influenciados pela mídia, que criou a figura do Collor”.



O cineasta analisou, no entanto, que o legado deixado pelos momentos de grande utopia não é só positivo ou revolucionário. Segundo Tendler, o individualismo, que ele caracteriza como uma marca da sociedade atual, tem sua origem em maio de 1968, na França, quando estudantes foram às ruas lutar por transformações sociais. “O que se resgata hoje da França de 1968 é a conquista dos valores individuais. O individualismo que temos atualmente, com o MP3 e a internet, é tecnicamente fantástico, mas, ideologicamente, é a construção da solidão”, criticou o cineasta, que se declarou fã incondicional da internet para a difusão de ideias, mas ressaltou que as pessoas não devem deixar que a rede mundial paute suas vidas e nem devem perder de vista a consciência coletiva. “Uma vez perguntei ao Milton Santos (geógrafo brasileiro, morto em 2001) se, no mundo do futuro, seria possível o homem não sair de casa. Ele me respondeu: ‘Sem a colméia, o homem não existe’”, contou.



Também foi Milton Santos — personagem de um dos documentários de Silvio Tendler — que fez, na avaliação do cineasta, uma boa análise do fenômeno atual da globalização. “Eu estava deslumbrado com o novo fenômeno mundial da globalização e perguntei a opinião do Milton sobre o assunto.  Ele me disse que não acreditava que daria certo e eu perguntei: ‘Mas por quê?’ E ele disse: ‘Porque não vai ter pra todo mundo’. E ele estava certo”, contou Silvio.



Provocado a falar sobre a polêmica que o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) criou ao propor a criação de uma Comissão da Verdade, para investigar os crimes de militares durante a ditadura, Tendler reiterou a posição que já havia assumido publicamente quando enviou uma carta ao presidente Lula sobre o assunto. “Sou a favor de punir os torturadores não por revanche, mas por justiça. Se eles pagam pelo que fizeram no passado, vamos garantir um futuro democrático. O que garante a arbitrariedade do presente é a certeza da impunidade no futuro”.



Mídia e Cinema



Questionado sobre o que pensa da mídia, Tendler disse que considera a imprensa atual medíocre, partidarizada e a serviço de causas. “No caso deste filme, por exemplo, não tivemos boas críticas e um dos principais motivos foi o fato de o documentário ter um depoimento da atual candidata à presidência do Brasil, Dilma Roussef. Mas quando filmei com ela, a Dilma ainda não era candidata. Mantive o depoimento porque é muito bom”.



O diretor lembrou que muitas pessoas de sua geração tiveram sua formação política influenciada por grandes cineastas, mas que, hoje o cinema está esvaziado do caráter político que tinha no passado. Como exemplo, Silvio citou o fato de hoje o Brasil ter metade das cinco mil salas de cinema que existiam na década de 1980. “Os cinemas de rua se esvaziaram, viraram bancos, farmácias, igrejas. O que temos são as salas dos shoppings, que não abrem espaço para o cinema político, até porque quem vai ao cinema no shopping está em busca de entretenimento, não vai para assistir filme político”, disse.



Colóquios



O debate sobre ‘Utopia e Barbárie’ fez parte da programação dos ‘Colóquios de Ciência e Política: 25 anos de Educação Politécnica na Saúde’, que tiveram início em abril deste ano. O ciclo de palestras é parte das comemorações dos 25 anos da EPSJV e conta com eventos mensais. Em agosto, mês de aniversário da Escola, será realizada uma semana com seminários e eventos culturais.