Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

A balela da inovação

Professor da Unicamp Renato Dagnino critica centralidade do mercado nas políticas voltadas para o desenvolvimento científico e econômico no país.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 01/06/2015 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47
Num evento em que predominava uma concepção de educação profissional como instrumento de estímulo ao “empreendedorismo” e à “inovação”, o professor Renato Dagnino, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi uma voz dissonante. Durante sua palestra no 3º Fórum de Educação Profissional e Tecnológica, Dagnino demonstrou preocupação com a hegemonia, nas políticas voltadas para a educação, de uma visão que coloca a empresa e o mercado no centro da agenda do desenvolvimento tecnocientífico nacional. “Eu ouvi várias vezes nesse fórum essa visão de que o conhecimento para servir à sociedade tem que passar pela empresa e pelo mercado, tem que ser comercializado. Jovens de 17 anos tendo que ouvir a barbaridade que a universidade pública tem que produzir pesquisa para a empresa privada. Isso me parece uma violência”, criticou Dagnino. Para ele, essa visão tradicional é equivocada na medida em que entende que promover a inovação pela via do mercado é a chave para o desenvolvimento com justiça social. Essa visão, segundo ele, entende que, se as empresas forem inovadoras e competitivas vão gerar empregos bem pagos, produtos melhores e mais baratos; os empresários por sua vez vão obter mais lucro, investir mais, pagar mais impostos, os trabalhadores ganham mais e os consumidores ficam mais bem servidos. “É a balela da inovação, como se a inovação na empresa fosse gerar bem estar para as pessoas. Está na hora de a gente dizer claramente que isso não é verdade. A dinâmica está nos mostrando que isso é um sonho”, apontou Dagnino. Para ele, e necessário superar o "otimismo liberal positivista" que concebe que a tecnociência, supostamente neutra, pode satisfazer infinitas necessidades sociais quando submetida ao controle da ética. "Para quem serve a tecnociência? Para os mais ricos: 90% da pesquisa e desenvolvimento no mundo hoje está voltada para satisfazer as necessidades dos países ricos. Mais de 50% da pesquisa e desenvolvimento feita hoje são nas empresas multinacionais. E pra quê? Estamos trabalhando menos? Não. A desigualdade só aumenta, metade dos jovens com menos de 30 anos na Espanha, por exemplo, estão desempregados. Temos produtos melhores? Também não: o que temos é obsolescência programada, degradação ambiental, consumismo exacerbado. Essa é a dinâmica tecnocientífica mundial. E ainda tem gente dizendo que o Estado deve subsidiar a inovação nas empresas", alertou.

Se o controle da ética sobre a tecnociência capitalista não pode fazer com que ela deixe de produzir exclusão e degradação, tampouco pode a revolução como pregada pelo marxismo tradicional, defendeu Dagnino. “O marxismo convencional acredita que no longo prazo o desenvolvimento das forças produtivas, por ser linear e inexorável, e a sua sucessiva tensão com as relações sociais de produção, vai nos levar ao modo de produção comunista. Ele nos diz que a tecnociência que hoje oprime a classe trabalhadora amanhã com a revolução pode ser apropriada por ela e usada para construir o socialismo. Funcionou? Não. A gente viu como a degenerescência burocrática do Estado socialista soviético se deu em grande medida pela utilização de uma tecnologia capitalista, que recriou o controle, as assimetrias de governo que deram na burocratização”, defendeu.
 
Tecnologia social
 
Renato Dagnino falou também sobre a dinâmica da produção e difusão da tecnociência no Brasil, onda a inovação nas empresas se dá via aquisição de tecnologia já desenvolvida, em especial a incorporada em máquinas e equipamentos. “A gente está cansado de ouvir que os empresários brasileiros são atrasados, não percebem a importância da inovação, não veem a pesquisa como um investimento. Eu já acho que os empresários brasileiros são os melhores do mundo e por isso não fazem pesquisa. Nenhuma empresa no mundo vai desenvolver tecnologia se puder roubar, copiar ou comprar tecnologia. O modelo eurocêntrico da dependência cultural faz com que tudo o que fabricamos aqui seja produzido no Norte. De 2006 a 2008, formamos 90 mil mestres e doutores e apenas 68 foram absorvidos pelas empresas”, apontou Dagnino. Segundo ele, as exceções são as áreas onde havia um imperativo político ou econômico que fizeram com que o Estado fomentasse a pesquisa e desenvolvimento, como com a Fiocruz, Embraer, exploração de petróleo em águas profundas, etc. “E aí eu chamo a atenção para as oportunidades que temos hoje. As demandas sociais brasileiras colocam um horizonte de desenvolvimento de nova ciência. Água potável, esgoto, transporte, comunicação, educação, saúde, esse monte de gente que não tem isso, exige pesquisa da mais alta qualidade. Pesquisa multidisciplinar, em campo, convivendo com a população e aprendendo com ela. É essa a fronteira de possibilidade que temos”, disse.

Para ele, a ciência deve ser reorientada para promover a inclusão social não pela via do emprego e do salário mas sim pela criação de oportunidades de trabalho e renda. “Para mim não é um bom negócio incluir o excluído no mercado formal para ele ser explorado. Eu não gosto do capitalismo. A sociedade que eu quero não é o capitalismo, é a economia solidária, baseada na propriedade coletiva dos meios de produção, baseada na autogestão, na solidariedade e não na competição”, defendeu. Segundo ele, assim com a tecnociência é a “plataforma cognitiva” da economia capitalista, a economia solidária precisa de uma plataforma diferente, que ele chama de tecnologia social. “Isso demanda profissionais diferentes. É aí que entramos na questão que deve nos preocupar cada vez mais: vamos apostar não na empresa, não no emprego e salário, não na tecnologia convencional, mas sim na propriedade coletiva dos meios de produção e autogestão, em criar oportunidades de trabalho e renda e na tecnologia social. Precisamos de uma mudança radical na maneira como trabalhamos com os jovens”, argumentou.