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A gente não quer só polícia

Grande debate sobre a criminalização das drogas assume questão como de saúde pública.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 11/09/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e representante do Leap (Law Enforcement Against Prohibition) no Brasil, Orlando Zaccone, abriu o Grande Debate do dia 5 de setembro do 4º Congresso de Saúde Mental afirmando que o proibicionismo é a negação da política de drogas. Para ele, há um paradoxo nesta questão: "Se a proibição das drogas é para o bem da saúde pública, portanto, para poupar vidas, como podemos continuar com um modelo que mata mais do que a própria droga?", indagou.

Zaccone afirma que a questão da droga tem dois pilares: os saberes médicos e jurídico-penal. Ele lembra ainda a distinção entre usuário e traficante, para ele, é uma construção política para separar quem pode morrer e quem não pode. "O crime também é uma construção política. Não existe um comportamento que seja naturalmente considerado crime", refletiu e acrescenta: "Hoje, temos 750 mil presos e os principais crimes são roubo, homicídio, porte de armas, estupro, Lei Maria da Penha e tráfico de armas, mas aparecer em um helicóptero cheio de cocaína não é crime; atropelar e matar uma pessoa não são considerados crimes para certa classe social", lembrou.

A juíza Isabel Lima criticou a área de Direito que, segundo ela é uma ciência autocentrada e que não faz o exercício da interdisciplinaridade. "O direito tem uma tradição autoritária e com caráter seletivo e, principalmente, higienista, com uso da força", avaliou. Ela lembrou que o direito não usa sequer determinações do campo da saúde como a diferenciação do usuário ativo, abusivo, dependente, por exemplo. "O direito tira as pessoas da sociedade e a ciência diz que é para inserir na sociedade. Existem mitos e crenças que o poder judiciário reproduz de forma acrítica. Por exemplo, qual é o critério para o uso do termo epidemia? E existe a epidemia de uma substância?", indagou a juíza.

A representante do Ministério da Saúde, Lumena Furtado, disse que o plano é colocar na agenda a questão das drogas na perspectiva do cuidado, diferentemente dos Estados Unidos que trata o assunto pela perspectiva da segurança. "Mas, precisamos avançar com questões como a redução de danos, o Caps 24 horas e pensar no cuidado dentro do contexto local", apontou e completou: "Precisamos fazer um pacto de criatividade entre nós, além de pensar canais que extrapolam essa forma de comunicação que é dada hoje. Recentemente, saiu uma pesquisa do Datafolha em que a população avaliava o SUS [Sistema Único de Saúde] como ruim ou péssimo, mas não destrinchava o que ela considerava saúde de maneira geral, e não o sistema. Isso é manipulação", diz Lumena.

O Coordenador Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, informou que a saúde mental e a questão das drogas precisa de um recorte político, porque a disputa é por consenso. "Uruguai e Portugal têm políticas públicas interessantes. Mas é claro que devemos considerar as diferenças de tamanhos e número de população. A grande questão não está em conviver com os usuários, mas superar essa marginalização de pessoas que ficam em situações crônicas de pobreza e sem poder. No Brasil, a desigualdade persistente prejudica a coesão social", avaliou.

 

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