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AI 5 da democracia?

Congresso Nacional discute aprovação de lei que tipifica o crime de terrorismo, com penas maiores do que as da ditadura. Ouvindo o apelo de movimentos sociais, que consideram o projeto um retrocesso, senador Paulo Paim vai exigir que qualquer texto sobre o assunto passe pela comissão de direitos humanos.
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 14/02/2014 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Às vésperas de se completar o marco de 50 anos do golpe civil-militar que suprimiu os direitos democráticos no país por mais de duas décadas, o Congresso Nacional discute a aprovação de uma lei que está sendo chamada pelas instituições e militantes dos direitos humanos como AI 5 da democracia, numa referência ao ato institucional que inaugurou os anos de chumbo da ditadura no Brasil. Trata-se de um projeto que, sob o argumento de conter a violência de “vândalos” nas manifestações sociais, tenta tipificar o crime de terrorismo no Brasil.

Esta semana, com a morte do cinegrafista da Rede Bandeirantes, Santiago Andrade, atingido durante uma manifestação, o Projeto de Lei do Senado 499/2013 , de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), voltou à discussão às pressas. Não houve, no entanto, consenso em relação aos termos do PLS. De acordo com notícia publicada na agência Senado, será produzido um novo texto, que deverá ser apresentado no prazo de duas semanas.

Ainda que houvesse consenso, um requerimento do senador Paulo Paim para que o Projeto passasse pela Comissão de Direitos Humanos da Casa, apresentado desde dezembro do ano passado, impedia a votação. Na terça-feira, 11 de fevereiro, antes de o Projeto entrar em discussão, uma matéria da Agência Senado apresentou um depoimento do senador desistindo do requerimento “mediante o acontecido com o cinegrafista”. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, no entanto, o senador nega. “Para votar a lei tem que votar primeiro o meu requerimento. Ele está mantido, eu não retirei”, garante. E completa: “Na comissão de direitos humanos, faremos audiência pública e se a sociedade brasileira entender que o código penal já abarca essa questão do antiterrorismo, nós vamos rejeitar essa proposta. O meu requerimento está lá e trava o processo”. Segundo Paim, também não há consenso sobre a aprovação de um novo texto. “Não há acordo. Aqui tudo pode acontecer. Mas não significa que os senadores vão concordar. Não é porque alguns líderes se reúnem, discutem e tentam encaminhar que os senadores vão concordar no mérito. Eu, por exemplo, não sei o que vai sair dessa fusão. Não posso dizer que vou concordar com algo que eu não sei. Pode sair de lá um monstro pior do que o que está agora”, diz, afirmando que, seja qual for o novo projeto, manterá o requerimento para que ele passe pela Comissão de Direitos Humanos. “Lá, ouvindo especialistas, convidados e juristas é que nós vamos dar a nossa opinião”, garante.

O texto que não conseguiu consenso no Senado, que foi elaborado pela comissão mista de consolidação de leis, com relatoria de Romero Jucá, define terrorismo como ato de “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”. E, para esse novo crime, prevê penas de 15 a 30 anos de reclusão, que podem ser ampliadas para 24 a 30 anos se resultar em morte – em ambos os casos, maiores do que a prevista pela Lei de Segurança Nacional, da ditadura, que previa um mínimo de oito anos de prisão para ações que comprometessem a segurança do país. O Projeto também estabelece pena de reclusão para quem fizer “incitação” ou tiver  “favorecimento pessoal” com atos de terrorismo (três a oito anos de prisão) e define “grupo terrorista” como a associação de “três ou mais pessoas com o fim de praticar terrorismo”, crime para o qual prevê a reclusão de cinco a 15 anos. “Como está, inúmeras entidades entendem que é quase um AI 5, um crime em relação aos movimentos sociais, que por qualquer motivo podem ser enquadrados na lei de terrorismo”, diz Paulo Paim.

O PLS 499/2013 também tipifica o “terrorismo contra coisa”, caracterizado, no artigo 4º, como ato de “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante dano a bem o serviço essencial”. Entre esses serviços essenciais, além de hospitais, aeroportos instituições de ensino, centrais elétricas e coisas do tipo, estão incluídos os estádios esportivos.

Uma alternativa apontada por senadores não satisfeitos com esse texto é utilizar o PLS 236/2012 , do novo Código Penal, que faz referência ao tema. Esse Projeto elenca as ações práticas que caracterizariam o terrorismo, como usar armas, portar explosivos ou gases tóxicos, sabotar bancos de dados, sabotar ou “apoderar-se” do controle de meios de comunicação, aeroportos, escolas, hospitais e estádios esportivos, entre outros. Mas estabelece que, para serem consideradas terrorismo, essas iniciativas precisam ter motivações específicas. Um exemplo de motivação terrorista? As “razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas”.