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Ameaças da nova Pnab

Desafios da Política Nacional de Atenção Básica é tema de mesa no segundo dia do Abrascão
Ana Paula Evangelista - EPSJV/Fiocruz | 27/07/2018 16h46 - Atualizado em 01/07/2022 09h44

O segundo dia do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), que acontece na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), teve em sua programação a mesa ‘Política Nacional de Atenção Básica: desafios e ameaças’. O médico especialista em Medicina de Família e Comunidade e em Atenção Primária à Saúde e membro do Núcleo de São Paulo do Centro Brasileiro De Estudos De Saúde (CEBES), Stephan Sperling, iniciou a fala indicando a gravidade do cenário político e dos confrontos para a revogação nova da Política Nacional de Atenção Básica (Pnab). “Estamos diante de um desenho de agudização de patologia crônica onde a Atenção Primária à Saúde (APS) não orienta nem coordena, mas segmenta e focaliza. Temos a Pnab entre o enfrentamento necessário e a desregulamentação pretendida e um novo modelo de atenção como única alternativa para a defesa do direito humano e fundamental a saúde contra a finança”, explicou.

Para Sperling, para entender os motivos que levaram a reformulação da Pnab é necessário reconhecer alguns elementos como: A APS ainda é campo de disputa em tempos de reorganização do capital financeiro no seio dos sistemas e do mercado de saúde e a existência de um projeto civilizatório de redistribuição equitativa de direitos para a promoção de igualdade e justiça social em tensionamento com um projeto de financeirização. “O modelo de atenção que já está sendo confrontado e as políticas adotadas pelo Estado já sinalizam rumos, como aconteceu com a nova Pnab. Se não enfrentarmos o debate do modelo de atenção, mostrando como queremos intervir, com quais profissionais nas necessidades de saúde da população, teremos um campo em disputa com profissionais que serão consumidos pela lógica produtivista em um sistema cada vez mais mercantilizado”, alertou Sperling.

Segundo o médico, o cenário aponta para uma ‘agudização de uma patologia crônica, onde o maio desafio colocado para a Atenção Primária e de não regredir a universalização para a focalização e não se deixar subsumir pela lógica da segmentação. “A nova Pnab não induz o modelo de política civilizatório para o país. Simplesmente desregulamenta uma estrutura e coloca na mão do poder público, completamente isolado das principias evidências e do controle social, estruturas para que se produza qualquer tipo de cuidado”, argumentou. Para ele, as atuais discussões sobre a APS levam a um local muito ‘perverso’. “Está completamente descolada das evidências científicas porque a os gestores estão mais comprometidos com as finanças e orçamento e não com as vulnerabilidades, ao desfinanciamento do SUS com parte da população sendo lançada a planos populares de baixíssima cobertura piorando os contextos sanitários. É simplesmente um modelo de conciliação do capital”.

Motivações para revisão da Pnab

Liu Leal, membro da Comissão de Atenção Básica do Conselho Nacional de Saúde (CNS), atribui ao “golpe” e a Emenda Constitucional 95 a iniciativa de revisar a Pnab. Também apontou os efeitos já esperados com o congelamento dos recursos para saúde: regra do gasto como piso irá gerar uma disputa por recursos; aumento da mortalidade infantil, das doenças emergentes, aumento do HIV e de doenças crônicas. “A ‘PEC da morte’ vai causar um conjunto de questões que vão afetar diretamente à saúde. Vai gerar disputa entre as pautas sociais. Além disso, a Pnab é uma agenda macro e o mercado viu uma estratégia potente, com agenda de promoção de saúde sendo destacada no setor privado porque gera muito lucro”.   Em sua avaliação, Liu argumentou que foi proposital incluir tais mudanças em um momento de austeridade. “A riqueza dessa política não pode ser modificada de uma hora para outra. Mas há um intenso movimento de desuniversalização, desresgulamentação – aumento da precarização dos trabalhadores, os planos de saúde acessíveis, e desestatização. Se compararmos o Pnab de 2011 e 2017, não encontraremos nada sobre cobertura e acesso universal como direito de todos”, lamentou Liu.

Durante sua fala, Liu também apresentou uma denúncia quanto a diminuição do número de agentes comunitários de saúde. “Estão demitindo muito agentes, mas quando a gente entra no Cadastro Nacional de Especialidades não conseguimos identificar queda. Isso porque quando a pessoa deixa de ser agente ela não vai procurar emprego com a mesma função, então o nome permanece no sistema e os municípios continuam recebendo por esse profissional e a população fica sem acompanhamento. Mas isso faz parte de um jogo econômico”, explicou.

Por fim, Liu mencionou que a agenda de 2018 é a revogação da EC 95, que significa o desmonte da Atenção Básica e do SUS. “Não é apenas Lula livre. Temos que tomar muito cuidado com todos que vamos eleger, além de fazer um grande movimento de preparação para 16º Conferência Nacional de Saúde em 2019”.

Política descontextualizada

“Achamos que a democracia já estava consolidada no país, mas tivemos essa trágica evidência de que um golpe político e institucional jogou tudo isso por terra para desnacionalizar o país e transformar em uma colônia a serviço do capital estrangeiro e dos lacaios que se colocam aqui”, resumiu o dirigente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor titular do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Luiz Augusto Facchini.

Facchini afirmou que “estamos acostumados a usar nossa inteligência popular, acadêmica e científica para identificar os avanços do SUS, mas agora teremos que nos unir para avaliar os danos que estão colocados para nosso povo”. Para ele é necessário identificar as sutilezas nas “maldades” que estão submetidas na Pnab. “Como imaginar que nós vamos avançar no SUS se nós temos um discurso do secretário de governos que diz que o SUS deverá ser pago? Se ficarmos apenas olhando as normas e leis, vamos entrar em uma armadilha insolúvel”, questionou.

Também lembrou que na preparação do Abrascão, ocorrida em março, já se discutia os danos da EC 95 para o período de 20 anos. “Naquela oportunidade eu já dizia que perceberíamos os efeitos rapidamente. Quando ainda estávamos fazendo um vislumbre sobre a imunização, as coberturas vacinais já estavam defasadas, com um número enorme de município com menos de 50% de cobertura para de vacinas consolidadas como sarampo. Estamos vivendo a tragédia. O fim da Saúde da Família está expressa nessa Pnab, mas isso é de difícil de identificação nos textos, mas basta olhar pra onde vai o dinheiro. Essa é a evidência”, explicou e ainda acrescentou: “Esse é o resultado lastimável da mudança de um governo por meio de um golpe, que acarreta a mudança dos personagens responsáveis por toda cadeia de processos no SUS. É por isso que a cobertura vacinal cai de uma maneira dramática, com a demora de compra de insumos e distribuição, no serviço os profissionais não estão mais ativos e a geladeira quebrou. Temos dramas de maneira micro e macro de avanços que tínhamos alçando mesmo na Ditadura Militar. Quem rasgou a Constituição de 88 não tem nenhuma capacidade de implantar uma política de interesse popular”, finalizou.