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Atenção básica em perigo

Demissões de funcionários, atrasos de salários e falta de medicamentos na rede de saúde do município do Rio de Janeiro apontam para um cenário de desmonte da Atenção Básica e da Saúde Mental no país
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 16/11/2017 16h13 - Atualizado em 01/07/2022 09h45
Foto: Mariana Nogueira/EPSJV

Funcionários do SUS que atuam em unidades de saúde da rede municipal do Rio de Janeiro, administradas por organizações sociais (OSs), denunciam atrasos de salários e sucateamento dos serviços. As 176 unidades da capital gerenciadas por OSs, que representam 53% da rede municipal, sofrem com a falta de insumos e medicamentos básicos, como dipirona e antibióticos. “Além disso, já são 174 demissões nas redes de Atenção Básica e Saúde Mental do Rio de Janeiro, sem falar no corte de R$ 547 milhões no orçamento da Saúde”, diz Arthur Lobo, psicólogo, sanitarista e integrante do movimento ‘Nenhum Serviço a Menos’ e da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde. Ele revela que as demissões atingiram especialmente odontólogos e técnicos em saúde bucal, enfermeiros e técnicos da área, psiquiatras, psicólogos e agentes comunitários de saúde. “A Rede de Saúde Mental do Rio vive situação ainda pior: os serviços funcionam em unidades alugadas e os trabalhadores têm vínculos precários,  a maioria é contratada por convênios”, acrescenta o médico de família e comunidade Carlos Vasconcellos, integrante da Associação de Medicina de Família e Comunidades do Estado do Rio de Janeiro (ANFaC-RJ). Segundo ele, o sucateamento do serviço e das instalações de centros de saúde e de acolhimentos de pacientes que sofrem de problemas mentais é anterior a esse cenário de atrasos de pagamentos e demissões.

Preceptor do Curso Técnico em Agente Comunitário de Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), o psicólogo da rede municipal de Saúde do Rio de Janeiro João Vinícius observa que o desmonte da rede de saúde da capital fluminense faz parte de uma conjuntura nacional, que vem à tona com a proposta de revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), aprovada no dia 31 de outubro deste ano. “O Rio faz parte de um cenário macro de ataque às políticas públicas e ao SUS”, ressalta, anunciando ainda que várias categorias entraram em greve no município contra as medidas tomadas pelo governo de Marcelo Crivella, entre elas enfermeiros e técnicos em enfermagem, médicos de família, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas e, mais recentemente, agentes comunitários de saúde.
 

Privado x Público

Para João, por trás de tudo isso está o interesse em fortalecer o mercado e reduzir o papel do Estado, favorecendo especialmente o Projeto de Plano de Saúde Acessível, anunciado em setembro deste ano pelo ministro da Saúde, Ricardo Barros. Sob a justificativa de ampliar ao máximo a cobertura de planos de saúde à população, “para que esta responsabilidade de financiamento da saúde seja dividida”, como defendeu Barros, os planos de saúde populares aguardam conclusão de análise técnica da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre a flexibilização da regulamentação de planos de saúde no país para então começarem a ser vendidos. “Observa-se aqui no Rio um alinhamento político do prefeito Crivella, que é do PRB, partido que compõe a base do governo, fazendo com que os serviços públicos tomem um lugar cada vez mais complementar, em ataque aos princípios de universalidade e integralidade do SUS”, salienta.

Na avaliação de Carlos, o município do Rio favorece o setor privado de saúde em detrimento do público ao também “abrir mão” de recolher imposto das grandes empresas do setor de Saúde Suplementar. “A Unimed Rio, por exemplo, é uma das cinco maiores devedoras de ISS do Rio de Janeiro, e são empresas que a gente sabe que contribuíram com a eleição do prefeito Crivella”, denuncia.

Em nota enviada por e-mail, a assessoria de comunicação (Ascom) da Secretaria de Saúde do Rio (SMS-RJ) esclareceu que a Prefeitura está empenhada em regularizar a situação das unidades de saúde da rede municipal, incluindo o pagamento dos salários em atraso dos funcionários. “No dia 24 de outubro, o prefeito Marcelo Crivella recebeu os representantes das nove organizações sociais que administram unidades de saúde e solicitou levantamento dos recursos necessários para a quitação das folhas de pagamento”, informa.

Segundo a SMS-RJ, a liberação dos valores acordados foi publicada pela Secretaria de Fazenda no Diário Oficial, no dia 30 de outubro de 2017, e os procedimentos administrativos para o pagamento às OSs foram imediatamente iniciados. “Ao todo, R$ 36,4 milhões foram repassados para fins de regularização dos salários em atraso nas unidades, conforme valor informado pelos representantes das OSs”, diz a nota, esclarecendo ainda que também foi aberto um crédito suplementar em torno de R$ 25 mil, por meio do decreto 43.903, publicado no dia 23 de outubro de 2017, para a compra de insumos e medicamentos. “É importante lembrar que, desde o início da gestão, a Prefeitura vem sinalizando que o governo anterior deixou um déficit nas contas do município. Somente na Saúde, a dívida deixada era de R$ 266 milhões, com fornecedores e também com organizações sociais. A Prefeitura precisou fazer esforços para ajustar o orçamento a essa realidade financeira. Esses ajustes precisaram ser feitos em todos os órgãos da administração municipal, incluindo a Secretaria Municipal de Saúde, que está sofrendo com R$ 542 milhões contingenciados”, justifica.

A nota diz ainda que, para o ano de 2018, a Secretaria de Fazenda já sinalizou que espera um aumento da arrecadação e, por isso, o orçamento da Saúde foi recomposto com R$ 553 milhões. “Uma mensagem já foi enviada à Câmara Municipal com essa recomposição do orçamento da Saúde para 2018”, afirma.

Arthur acredita que parte disso se deve à articulação dos trabalhadores da saúde. “Estamos observando o reaparecimento de movimentos de massa dentro da saúde que estavam paralisados por discursos de que o SUS estaria garantido se tivéssemos bons gestores e profissionais comprometidos”, salienta. Carlos observa que o caos na Saúde do Rio gerou uma grande mobilização com foco nas comunidades mais pobres. “As pessoas agora só precisam entender que não é apenas por um serviço suspenso que devemos nos mobilizar, pois se trata aqui de um problema maior, que atinge o SUS como um todo, que há por trás interesses econômicos maiores”, alerta e acrescenta: “Vale citar que pelos menos em 32 pontos da cidade foram realizados, entre os dias 10 e 13 de novembro, protestos contra a crise na saúde municipal do Rio de Janeiro”.