Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Austeridade e a precarização da saúde

Efeitos da política de austeridade sobre o SUS e a saúde foram foco de mesa-redonda no primeiro dia do Abrascão
Portal EPSJV - EPSJV/Fiocruz | 27/07/2018 17h44 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

“Política de austeridade, injustiça social e precarização da saúde” foi o tema de uma mesa-redonda realizada na tarde de quinta-feira (26/07) durante o Abrascão, reunindo os pesquisadores Isabela Soares, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), Fabíola Sulpino Vieira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Carlos Octávio Ocké-Reis, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres). O objetivo do debate foi discutir os efeitos desta política sobre o financiamento das políticas sociais no Brasil.

Isabela Soares, que coordenou a mesa, destacou que vários estudos acadêmicos sobre as políticas de austeridade que vem sendo implementadas em inúmeros países desde a crise de 2008 têm significado perdas comuns a todos eles. Aumento do desemprego, da desigualdade, diminuição do gasto público com políticas sociais, redução das horas de funcionamento e das horas de trabalho nos serviços de saúde, adoção de taxas adicionais para utilização dos serviços, restrição do acesso à saúde e piora da saúde mental foram alguns dos efeitos destacados pela pesquisadora da Ensp/Fiocruz. “No Brasil o que vemos é não só um aumento das doenças crônicas e infectocontagiosas, mas também o retorno de doenças já erradicadas”, disse Isabela, destacando ainda que no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo, a adoção de políticas de austeridade tende a ser ainda mais nefasta. “Qual é a saída? Em primeiro lugar é preciso olhar a conjuntura que temos, com a pressão do Banco Mundial para adoção de propostas como a ‘cobertura universal de saúde’, que apregoa um aumento do financiamento público e privado para a aquisição de seguros privados, e não para sistemas universais com integralidade. No Brasil essa proposta vem por meio dos planos privados acessíveis, mais baratos, para aumentar a parcela da população com acesso a planos e desresponsabilizar o Estado para com o SUS. Nosso papel aqui no congresso é analisar o que está sendo proposto, resistir, mas também formular e propor. Para isso precisamos de militância de base em todos os lugares, precisamos construir um projeto de sociedade que nos una”, reivindicou Isabela.


Austeridade para quem?

A pesquisadora do Ipea Fabíola Sulpino Vieira destacou que da maneira como vem sendo utilizada pelos governos neoliberais, a austeridade é “somente para um lado”: o dos trabalhadores. “A austeridade dos neoliberais prega a moderação dos salários e da oferta de bens e serviços públicos, em razão de cortes de despesas ou reformas estruturais. Mas não se faz moderação sobre os lucros do capital, não se fala em tributar o capital”, criticou Fabíola. O auge da austeridade no Brasil, a aprovação da Emenda Constitucional 95, é um exemplo disso, segundo a pesquisadora, uma vez que ela congelou o valor que pode ser gasto pela União com políticas públicas como saúde, educação, transporte e moradia, mas não fez o mesmo com as chamadas despesas financeiras da União, ou seja, o pagamento dos juros e amortização da dívida pública. “Antes da EC 95, quando a arrecadação aumentava, o orçamento da saúde também aumentava, estava vinculado. Agora não. Com o congelamento, eventualmente a economia vai voltar a crescer, o PIB vai crescer, mas as despesas com saúde não. Quanto maior for o crescimento do PIB, menor vai ser a participação da despesa com saúde em relação ao PIB”, explicou Fabíola. Segundo projeções do Ipea, a EC 95 deve significar uma queda no percentual do PIB aplicado com despesas primárias, ou seja, com políticas públicas, de 18% atualmente para 12% em 2036. “A austeridade agrava o problema da crise econômica, porque em um momento em que as pessoas estão precisando de políticas públicas em geral o governo corta. Existem evidências em países que optaram por conter essa sana de cortar, mantendo proteção social, conseguiram reverter crise em um prazo mais curto”, destacou Fabíola.


Para economista, saúde tem centralidade no debate eleitoral

Carlos Octávio Ocké-Reis, presidente da Abres, ressaltou ser “fundamental”, em uma conjuntura difícil para o “campo democrático popular e socialista”, traçar uma “tática eleitoral com a qual possamos derrotar os golpistas, os neoliberais e os fascistas”. Aplaudido, Carlos Octávio leu, em seguida, um artigo escrito por ele e pelo economista e consultor da Comissão de Financiamento e Orçamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Francisco Funcia no qual eles discutem os efeitos concretos em 2016 e 2017 da política de austeridade no Brasil. “A aplicação dessa política de austeridade assume contornos dramáticos, ameaçando a saúde como direito social. Ela acaba penalizando as classes médias e populares, justamente os setores sociais que mais precisam do SUS. Nesse quadro é preciso defender o orçamento da Seguridade Social, ampliar o financiamento da saúde pública e alargar a capacidade regulatória sobre o mercado dos serviços de saúde, contribuindo para a consolidação dos pressupostos constitucionais do SUS”, reivindicou Carlos. Para o economista, a saída para a estagnação econômica passa pela revogação da EC 95 e pela implantação de uma reforma tributária. “É preciso mudar a composição da carga tributária, desonerando as classes populares e médias, penalizadas por uma carga que incide sobre o trabalho e sobre a produção, à medida que não se tributa alta renda, especialmente a financeira, e o patrimônio de acordo com os princípios da equidade e da progressividade”, destacou. No entanto, o economista ressaltou a dificuldade de que isso se concretize no curto prazo, mesmo considerando o que chamou de uma “vitória eleitoral”. “Dado o grau de acirramento da luta de classes existiriam provavelmente sérios obstáculos no Congresso Nacional para, primeiro, aprovar a reforma tributária progressiva; segundo, realizar a auditoria da dívida pública brasileira, interna e externa, federal, estaduais e municipais; terceiro, reverter paulatinamente os gastos tributários em saúde, que atingiram segundo dados oficiais do IPEA e da Receita Federal 32,3 bilhões em 2015; quarto, federalizar em novas bases a dívida de estados e municípios; e quinto, recriar a CPMF”, propôs o presidente da Abres, ressaltando em seguida: “Mesmo que ganhemos o governo haverá dificuldade de implementar esses projetos que são fundamentais no médio prazo para reconstituição do fundo público e por sua vez ampliar os gastos sociais e os investimentos públicos”.  Ocké-Reis ressaltou que a saúde é um dos principais problemas apontados pela população em pesquisas de opinião, e que priorizá-la fortalecerá o campo progressista na disputa eleitoral. “O SUS reduz a desigualdade em contraponto à política de austeridade fiscal. A política de saúde é intensiva em força de trabalho, favorecendo a retomada do crescimento e a produtividade do trabalho, em novo ciclo de desenvolvimento social, abrindo caminho a outra projeto nacional de desenvolvimento transitando para uma sociedade mais igualitária. Esse caminho nos permitirá acumular força para disputar a hegemonia contra a direita, mas será sem dúvida nenhuma necessário organizar e mobilizar a população e esse encontro histórico da Abrasco cumpre um papel central nesse sentido”, opinou.