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Autonomia universitária em risco

Censura imposta a universidades públicas e pesquisadores coloca em risco direito consagrado na Constituição de 1988 e a produção do conhecimento e da ciência para a defesa da vida
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 02/03/2018 16h43 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

O psicofarmacologista Elisaldo Carlini, considerado o maior especialista em entorpecentes do Brasil, é intimado a depor por apologia às drogas. Em 21 de fevereiro, o pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que estuda os efeitos medicinais da maconha há 50 anos, prestou depoimento à polícia de São Paulo. Na mesma data, o Ministério da Educação (MEC) anuncia que vai acionar a Advocacia-Geral da União (AGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF) contra a disciplina "O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, ofertada pelo professor da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel, no curso de graduação em Ciência Política do Instituto de Ciência Política da UnB. Em 18 de novembro do ano passado, Fernando Carneiro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará, é notificado por meio de uma interpelação judicial movida pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec). Ele foi questionado e instado a prestar esclarecimentos sobre os dados apresentados — produzidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — em audiência pública sobre os agrotóxicos e seus efeitos sobre a saúde e o ambiente, realizada em 2015 e convocada pelo Ministério Público em Fortaleza. Dentre as várias solicitações da Faec, está a que orienta o pesquisador a evitar chamar os agrotóxicos de “veneno” e passar a chamá-los de “defensivos agrícolas”. Três casos emblemáticos que colocam em xeque o princípio constitucional da autonomia universitária, consagrado na Constituição de 1988, com o artigo 207: “As universidades gozarão de autonomia didático científico, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), a historiadora Virgínia Fontes lembra que o direito em questão implica que as universidade são autônomas em relação às igrejas, aos governos e ao mercado. “No caso brasileiro, a autonomia universitária é frequentemente burlada quando recursos públicos vão para os setores privados, empresas dão o direcionamento dentro das universidades ou quando igrejas impõem suas intenções”, alerta, ponderando ainda que autonomia universitária não significa que professores e pesquisadores não tenham posições políticas e teóricas, por vezes, divergentes. “Portanto, em todos os casos mencionados se trata de um ataque a uma garantia constitucional”, garante. E acrescenta: “É uma censura jurídica a alguns pesquisadores por razões políticas”. 

A censura à pesquisa, segundo Virgínia, não é uma novidade da atualidade, ainda que se perceba um recrudescimento do problema. “Esta se faz sobre todas as áreas mais críticas há algum tempo, sobre procedimentos cujas práticas científicas foram claramente definidas. Já vi alguns pareceres de projetos e bolsas de pesquisas negados por pareceritas da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] porque apresentavam ideias marxistas”, revela.

Segundo a historiadora, a maior marca da censura é o fato de ela vir de grupos que não debatem intelectual e cientificamente os processos. “Preferem a judicialização, não enfrentam os debates científico e político —  o debate aberto”, sentencia, lembrando nesse contexto o Programa Escola sem Partido, ou apenas Escola sem Partido. O movimento político, criado em 2004 no Brasil e divulgado em todo o país pelo advogado Miguel Nagib, afirma representar pais e estudantes contrários ao que chamam de "doutrinação ideológica" nas escolas. “Se não é para desqualificar a universidade pública, certamente é para atemorizá-la e silenciá-la”, analisa Virgínia Fontes.

Legal e necessária

Estudioso e crítico do Programa Escola Sem Partido, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando Penna reforça que a autonomia universitária se faz necessária justamente para que garanta de forma independente a produção de pesquisas sobre temas que, muitas vezes, incomodam grupos conservadores. “A autonomia implica justamente a possibilidade de fazer pesquisas sem intervenção de poderes externos”, observa. Ele destaca o caso do professor Luis Felipe Miguel para esclarecer que a disciplina não se tratou de uma “invenção de sua cabeça”. “Quando o professor vai criar uma disciplina, ele tem que passar por um colegiado interno da universidade, pelos seus pares, que são especialistas também no tema, na disciplina, na ciência — e, neste caso, na ciência política. Ou seja, existem controles internos na universidade que garantem que essa autonomia não será abusada”, explica.

Penna observa ainda que, se o Instituto de Ciência Política da UnB concordou com a ementa da disciplina, isso quer dizer que ela tem fundamento. “Portanto, pode-se defender a tese que se tratou de golpe o ano de 2016”, assegura, referindo-se à legitimidade científica do uso do termo “golpe” para a descrição do conteúdo a ser abordado. Segundo o professor, a universidade é também espaço para apresentação de diferentes teses, “desde que elas tenham fundamento acadêmico”, ressalta. É o que explica, em nota, a UnB: “a proposta de criação de disciplinas, bem como suas respectivas ementas, é de responsabilidade das unidades acadêmicas, que têm autonomia para propor e aprovar conteúdos, em seus órgãos colegiados”. A disciplina, segundo a universidade, é facultativa e não integra a grade obrigatória de nenhum curso. A UnB finalizou seu posicionamento reiterando “seu compromisso com a liberdade de expressão e opinião — valores fundamentais para as universidades que são espaços, por excelência, para o debate de ideias em um Estado democrático”.

Para Virgínia, proibir a interpretação que a disciplina traz significa, minimamente, que “quem deu o golpe não admite que se debata o que foi feito”. Não há de fato uma homogeneidade em relação ao tema. Mas isso, segundo a professora, não implica deixar de estudar se houve ou não um golpe em 2016, quando a presidente da República Dilma Rousseff sofreu um impeachment, assumindo em seu lugar seu vice à época, Michel Temer. “Eu não vejo nenhum problema que um professor coloque em debate a questão do golpe, porque historicamente foi um golpe. Como não se pode discutir se foi ou não um golpe, quando cerca de 50 milhões de votos foram simplesmente desconsiderados por um parlamento que todos sabem que é corrompido?”, resume, lembrando que o acompanhamento de disciplinas de escolas e universidades e intervenções em seus conteúdos foram práticas do período da ditadura empresarial militar.

Em seu perfil pessoal no Facebook, o professor Miguel defendeu que "o conteúdo da disciplina não é diferente daquilo que tem sido discutido por muitos colegas interessados em compreender o Brasil atual". O acadêmico informou que tem discutido as razões do "golpe" com estudantes e colegas dentro da universidade e com a sociedade civil, o que pretende continuar fazendo: "Não vou, no entanto, justificar escolhas acadêmicas diante de Mendonça Filho [ministro da Educação] ou de seus assessores, que não têm qualificação para fazer tal exigência", escreveu, confirmando que tem razões "muito sólidas para sustentar que a ruptura ocorrida no Brasil em 2016 se classifica como golpe".

A reportagem do Portal EPSJV  enviou ao MEC  questionamentos relativos ao fato de a pasta ter acionado a AGU, o TCU, a CGU e o MPF contra a disciplina ofertada pelo professor da UnB Luis Felipe Miguel, buscando discutir se a universidade teria autonomia para  abordar a temática e os motivos pelos quais a pasta tomou essa atitude. O Ministério,  no entanto, não quis responder às questões, e enviou por meio de sua Assessoria de Imprensa uma nota na qual denuncia “uma tentativa do PT de criar uma cortina de fumaça para intimidar uma apuração democrática sobre a probidade do uso dos recursos públicos neste caso”. O Portal EPSJV perguntou ainda se o MEC acompanha o plano de curso de todas as disciplinas universitárias do país, se esse também é seu papel e como a pasta tomou conhecimento dessa disciplina em particular. Além disso, quis saber da opinião do Ministério em relação à ideia de que espaços escolares têm sido usados para “doutrinação ideológica”, defendida, por exemplo, pelo Escola Sem Partido. Por fim, questionou como o MEC entende a questão da autonomia universitária.  Abaixo, segue a íntegra da nota encaminhada pelo MEC, atualizada pelo ministro da educação, José Mendonça Bezerra Filho, em 27 de fevereiro:

“A representação junto ao Comitê de Ética da Presidência da República contra o fato de o ministro da Educação, Mendonça Filho, solicitar a órgãos de controle uma apuração sobre possível uso da máquina pública na Universidade de Brasília para doutrinação política e ideológica mostra a inversão de valores típica do modo petista de operar. Essa denúncia deixa clara a tentativa do PT de criar uma cortina de fumaça para intimidar uma apuração democrática sobre a probidade do uso dos recursos públicos neste caso. O ministro da Educação está cumprindo o papel constitucional de solicitar apuração do bom uso de recursos públicos, sob pena de, se não fizer, responder por omissão.

A consulta aos órgãos de controle visa apurar possível prática de improbidade administrativa por parte dos responsáveis pela criação da disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, no curso de Ciência Política da UnB, sem base científica e por fazer possível proselitismo político e ideológico do PT e do lulismo. A disciplina, em seu conteúdo, apresenta indicativos claros de uso da estrutura acadêmica, custeada por todos os brasileiros, para benefício político e ideológico de determinado segmento partidário em pleno ano eleitoral, algo que pode desrespeitar o artigo 206 da Constituição Federal, que estabelece, em seu inciso III, sobre o direito de aprender dos estudantes respeitando o pluralismo de ideias.

O ministro Mendonça Filho reafirma o respeito à autonomia universitária, à liberdade de cátedra e à UnB ou qualquer outra universidade brasileira. Assim como também reafirma a crença de que a universidade pública deve ser um ambiente plural, democrático e onde o recurso público seja usado com probidade. E lamenta que o drama da educação brasileira com indicadores como o da Avaliação Nacional de Alfabetização que mostra que 54% das crianças brasileiras terminam o terceiro ano do fundamental sem estarem alfabetizadas adequadamente não mobilize esses setores das universidades federais preocupados exclusivamente com a doutrinação ideológica”.
 

Oxigênio da pesquisa

O professor e pesquisador da EPSJV e engenheiro civil sanitarista, Alexandre Pessoa — processado no ano de 2011, em conjunto com o pesquisador e atual diretor da Escola de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), Hermano Castro, pela ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), por denunciar os graves impactos socioambientais que um dos maiores empreendimentos privados da América Latina casou à região de Santa Cruz, Itaguaí e demais áreas pertencentes à Bacia Hidrográfica da Baía de Sepetiba, localizadas na Zona Oeste do Rio de Janeiro —, lembra que falar de autonomia acadêmica das instituições de ensino é pensar suas várias dimensões: cientifica, filosófica, epistemológica, política, econômica e organizacional. “O debate da autonomia tem um elemento de centralidade das instituições de pesquisa, porque ela é o oxigênio da pesquisa”, aponta. Segundo ele, o conhecimento científico parte da necessidade da construção do novo e, para isso, precisa da criticidade, do debate e, portanto, de autonomia.

Ele também observa uma agudização da censura à pesquisa na atualidade. “O constrangimento e a censura se apresentam de várias formas diferentes, como por vezes por meio de cortes orçamentários”, diz. O pesquisador avalia que o problema se intensifica com o avanço do conservadorismo, apoiado por grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), surgido em 2014. “Ou mesmo provocado pelo próprio poder público na sua escala federal, a exemplo da intervenção do MEC na UnB por conta da disciplina proposta pelo professor Luis Felipe Miguel”, reforça. 

Alexandre explica que o direito à comunicação dos trabalhadores das instituições de ensino superior e de pesquisa está para além do direito à liberdade de expressão. “A autonomia acadêmica está relacionada com a postura de ser socialmente responsável, porque ela tem o dever de abordar temas relacionados aos direitos socioambientais, bem como contribuir para políticas públicas de vigilância, de controle, de monitoramento, de supervisão que não cabem ao setor privado”, diz, elucidando que o campo da saúde pública, por exemplo, tem a obrigação de dar respostas às demandas sociais. Demandas, segundo o pesquisador, que ora surgem do território, ora do próprio poder público. “A Fiocruz, enquanto instituição de ensino e pesquisa vinculada ao Ministério da Saúde sempre atendeu às necessidades vindas de cima para baixo, dos poderes públicos, e também de baixo para cima, demandadas pelos territórios, pelas populações vulnerabilizadas. E, quando vêm de baixo pra cima, por exemplo, dos atingidos por grande empreendimentos, muitas dessas demandas passam a se tornar políticas públicas”, esclarece. Um retrato disso, conta Alexandre, é a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. De acordo com ele, essa iniciativa veio de uma demanda da agricultura familiar e do movimento agroecológico, que sempre questionaram os riscos que o uso dos agrotóxicos traz. "O próprio SUS veio de um grande processo de articulação envolvendo academia e movimentos sociais que resultaram na compreensão da saúde como direito de todos e dever de Estado", acrescenta com mais um exemplo de demanda vinda de baixo para cima.
 

O que permite isso agora?

Pautas como aborto, drogas e questões ambientais têm sido constantemente atacadas por movimentos conservadores, atestam os pesquisadores. “Isso se deve em grande medida ao fato de termos uma grande mídia — na verdade, um monopólio midiático — que não produz o contraditório”, observa Virgínia. O que impulsiona esse cenário de censura às instituições de ensino e pesquisa é também, segundo a pesquisadora, a propaganda de governo, “usada de maneira completamente unilateral e falsificadora”, seguida de elementos da ditadura empresarial militar que ainda se fazem presentes depois da Constituição de 88.
O mesmo observa Penna, destacando a forma como foram noticiadas as manifestações antes do impeachment da Dilma. “Eu até guardei as capas dos jornais. Quando se falava sobre as manifestações a favor ao impeachment, onde as pessoas iam com camisa da CBF, aqueles apareciam como os brasileiros. Já quando eram manifestações contra o impeachment, eram manifestantes, militantes do PT, contribuindo para uma polarização bastante nociva”, exemplifica.

Chama atenção nesse contexto o caso do pesquisador Carlini, hoje com 88 anos. O professor emérito da Unifesp e diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) é um dos pioneiros no Brasil na pesquisa sobre o efeito da maconha no organismo humano, tema ao qual se dedica há 50 anos. Nas décadas de 1970 e 1980, liderou na Unifesp um grupo de pesquisa que, junto a outros estudos internacionais, possibilitou o desenvolvimento de medicamentos à base de Cannabis sativa, utilizados em vários países para tratamento de epilepsia e esclerose múltipla, por exemplo.  “Bom, por tudo isso não parece que eu seja um criminoso, né? Mas ontem eu fui prestar declarações à polícia por apologia ao crime. (…) Fiz a declaração, não tenho medo nenhum, mas me dá pena, fico sentido que o Brasil esteja nessa situação. Não sou eu que não mereço, é a ciência brasileira que não merece, porque tem outros que estão em igualdade comigo. É um trabalho seríssimo”, sentenciou Carlini em entrevista ao site Nocaute, de Fernando Moraes.

Ele contou ter sido condecorado duas vezes pelo presidente da República. “Nas duas vezes foi uma recepção de honra, no Palácio do Planalto, e FHC [Fernando Henrique Cardoso] me entregou pessoalmente uma condecoração Grande Cavaleiro da Ordem do Rio Branco, especial do Itamaraty, a outra foi um medalhão científico. Duas universidades me deram título de doutor honoris causa, o Ministério da Justiça me deu o título de pesquisador emérito e a Unifesp, de professor honorário. Bom, isso tudo não me faz parecer um criminoso. Mas ontem prestei declarações na delegacia de polícia por apologia ao crime. Um juiz qualquer, não sei quem. A lei brasileira diz exatamente isso. É crime quem propagandeia, produz, fuma. Eu cometo então realmente um crime que não era seguido, né? Mas me pegaram e agora tenho que responder. Não culpo muito o juiz e o delegado que fizeram isso, não. Porque, na realidade, se eu fosse um juiz ou um delegado, 100% fiel às leis, e realmente não olhasse o legal e o legítimo, só o que vale é a lei, o legal, eles tinham que me pega”, criticou, na mesma entrevista.

Vale citar que, enquanto esta matéria era produzida, o Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad), vinculado ao Ministério da Justiça, aprovou uma resolução polêmica (veja aqui), que troca ‘redução de danos’ por ‘abstinência’ como eixo do tratamento aos usuários prejudiciais. Embora não tenha força de lei, isso deve levar a uma reorientação da Política Nacional sobre Drogas. A proposta veio do ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, e é questionada por integrantes do  próprio Conselho. “Significa um retrocesso de mais de 20 anos. Reforça o uso da abstinência como única possibilidade de tratamento, desconsiderando o que apregoa a reforma psiquiátrica, que é o recurso à redução de danos", disse à Agência Brasil a conselheira Fabíola Xavier, que votou contra.
 

Defesa da autonomia

Alexandre Pessoa menciona uma diferença na defesa da autonomia universitária quando se fala de ciências naturais e biológicas e ciências humanas e sociais. Ele examina que, tradicionalmente, o constrangimento a instituições e pesquisadores sempre se fez presente nas ciências sociais. “O conflito faz parte da necessidade de compreensão da dinâmica social, e as ciências sociais, obviamente, trabalham com isso”, justifica. O pesquisador da EPSJV considera, porém, um agravamento do problema, uma vez que a censura agora também se faz bastante presente nas ciências naturais e biológicas.

Para Alexandre, na medida em que as empresas ampliam seu poder econômico, mais interferências o Estado sofre de todas as formas, na vigilância, na elaboração das políticas públicas, na flexibilização da legislação ambiental e trabalhista ou nas parcerias público-privadas, direcionando as pesquisas segundo interesses ideológicos e econômicos. “Não existe a separação do interesse ideológico do interesse econômico. O que qualifica o ideológico é a capacidade de gerar instrumento de poder e de interferência nos processos”, defende.

Na análise de Penna, o discurso conservador em destaque tenta desqualificar o pensamento progressista e científico como se ele fosse ideológico, na tentativa de impedir pesquisas que afetem interesses econômicos. “O ataque à universidade fortalece os dois interesses, tanto o ideológico quanto o econômico”, garante.

Para as instituições de ensino superior e pesquisa, a censura e a intimidação de pesquisadores têm configurado um ataque não apenas ao direito da autonomia universitária, mas também uma afronta à produção do conhecimento e ao direito de produzir ciência para a defesa da vida. Em nota pública contra a censura de pesquisadores, tratando do caso do pesquisador Fernando Carneiro, a Fiocruz destacou que, enquanto instituição do Ministério da Saúde, tem se pautado por meio de atividades de pesquisa, ensino, cooperação e serviços sobre a temática dos agrotóxicos, incluindo o atendimento ambulatorial, o monitoramento de resíduos em água e alimentos ao longo de sua história e a comunicação em saúde. “A investigação dos impactos socioambientais e sanitários decorrentes do uso dos agrotóxicos é uma das principais linhas de pesquisa desenvolvidas por diversas unidades técnico-científicas da Fiocruz”, escreveu (veja aqui a íntegra da nota).

A Presidência da Fiocruz manifestou também solidariedade ao pesquisador Elisaldo Carlini, repudiando a tentativa de criminalizar suas atividades acadêmicas. “A Fiocruz endossa a manifestação pública conjunta da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que afirma: ‘acusar o Dr. Carlini de apologia às drogas equivale a criminalizar a inteligência e o conhecimento técnico-científico’. Hoje, mais que nunca, em contraponto a práticas que buscam o retrocesso, é necessário posicionar-se pelo direito de se produzir ciência para a defesa da vida”, escreveu a Fundação (veja aqui a íntegra da nota).

O mesmo fez a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), publicando duas notas, uma em solidariedade ao professor Elisaldo Carlini (veja aqui a íntegra do documento) e outra sobre autonomia universitária e a interferência do MEC (veja aqui). “A indevida interferência do Ministério da Educação no curso da UnB ‘O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil’ fere a autonomia da universidade e seu compromisso com a liberdade de expressão e opinião. Consideramos esta interferência indevida, censura instituições de ensino e pesquisa que devem ter a liberdade de investigar e discutir todo e qualquer tema”, resume a Abrasco.