Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Censo Escolar aponta crescimento das matrículas no ensino médio integrado em 2020

Modalidade apresentou um crescimento de 10% no número de matrículas em relação a 2019, na contramão das modalidades concomitante e subsequente, que apresentaram redução de matrículas no período
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 04/02/2021 18h28 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

O número de matrículas no ensino médio integrado à educação profissional apresentou um crescimento de 10,5% em 2020 em relação ao ano anterior. Esse foi um dos dados presentes no Censo Escolar 2020, divulgado na sexta-feira passada (29/01) pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (Inep/MEC). O Censo traz dados coletados até março de 2020 – e não até maio, como de costume – por conta da pandemia do novo coronavírus, e registrou 688.689 matrículas realizadas em cursos de educação profissional integrados ao ensino médio, contra 623.178 em 2019. De acordo com os dados divulgados pelo censo, o ensino médio integrado vem em uma trajetória de crescimento desde pelo menos 2016, quando foram registradas 531.843 matrículas. Em relação a 2020, um crescimento de 29,5% nessa modalidade.

O crescimento no total de matrículas na educação profissional em 2020 foi basicamente puxado pela modalidade integrada, uma vez que as modalidades concomitante e subsequente ao ensino médio apresentaram um decréscimo de matrículas no último ano: em 2020 foram realizadas 936.547 matrículas em cursos subsequentes – que são a maioria das matrículas na educação profissional – contra 962.825 em 2019; já os cursos concomitantes caíram de 252.221 em 2019 para 236.320 em 2020. Do total de 1.936.094 matrículas na educação profissional em 2020, 41.7% foram realizadas nas redes estaduais, 38% na rede privada e 18,6% na rede federal.

Segundo a professora e coordenadora do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Monica Ribeiro essa é uma “tendência importante” que os últimos censos escolares vêm apontando. “O que a gente vem notando de 2016 para cá é a ampliação do acesso à rede federal, com um crescimento do ensino médio integrado”, diz Monica. Ela destaca que a participação da rede federal nas matrículas realizadas no ensino médio passou de 1,3% em 2015 para 3,1% em 2020. “Parece pouco, mas pra uma rede federal que tinha apenas os Cefets [Centro Federal de Educação Tecnológica], e hoje nós temos mais de 600 unidades de institutos federais espalhadas pelo Brasil, é bastante considerável a ampliação”, ressalta.

Ela afirma que esse é um ponto positivo dado o grau de capilarização que tem hoje a rede federal pelo território nacional. “Em termos de educação profissional, a rede federal é a única que tem se interiorizado. Ou seja, também na zona rural, nós temos tido ampliação do acesso ao ensino médio graças ao esforço da rede federal”, celebra. De acordo com o Censo Escolar 2020, a rede federal é a que apresenta maior proporção de matrículas realizadas na zona rural, com 14%. Na rede estadual, esse percentual é de 5%, enquanto na rede privada é de apenas 1,2%. “A gente espera que mesmo no atual governo essa tendência não sofra prejuízo, e que a gente continue mantendo o crescimento da oferta de educação profissional, principalmente a integrada, também na rede federal”, torce Monica. E completa: “Mas  com a Emenda Constitucional do Teto de Gastos e a diminuição dos recursos públicos para a educação, o governo federal pode parar de investir na ampliação do acesso ao ensino médio integrado nos institutos federais. Essa é uma tendência que nos preocupa”.


Queda nas matrículas no ensino médio

 

Rompendo uma tendência de queda que vinha pelo menos desde 2016, o total de matrículas registradas no ensino médio em 2020 apresentou um crescimento sutil em relação a 2019, de 1,1%: foram 7,55 milhões de matrículas registradas pelo Censo Escolar 2020 contra 7,46 milhões no ano anterior. Em 2016 esse número foi de 8,133 milhões. De acordo com a professora da UFPR, a tendência de queda no número de matrículas no ensino médio vem desde 2004. “A gente termina o século 20 com cerca de 3,5 milhões de matrículas no ensino médio, e a partir daí temos um crescimento significativo, chegando a 9 milhões em 2004. Dali em diante vemos um decréscimo todos os anos. Mas onde ela decresce? Na faixa etária acima dos 18 anos”, explica Monica, que em 2019 publicou um artigo sobre o tema: ‘Ampliação da obrigatoriedade escolar no Brasil: o que aconteceu com o Ensino Médio?’. “Para a faixa etária que se tornou obrigatória em 2009, com a Emenda Constitucional 59, de 15 a 17 anos, a matrícula cresce em todas as unidades da federação. E as regiões Norte e Nordeste são onde mais cresce a matrícula na faixa etária obrigatória. Isso tem a ver com maior equilíbrio que o país foi fazendo de acesso ao ensino fundamental a partir de 1971, quando o ensino fundamental foi tornado obrigatório. Ao ponto que em 1991, 20 anos depois, a gente começa a ter um alargamento do acesso ao ensino médio. As redes estaduais passam a receber um contingente de jovens que jamais tiveram ao ensino de segundo grau, e o Brasil faz uma enorme inclusão educacional”, destaca.

Consequência disso, de acordo com a professora da UFPR, foi a redução da distorção idade/série nessa etapa, que ainda assim permanece em patamares altos: segundo o censo, ela foi de 26,2% em 2020, permanecendo inalterada em relação a 2019. “Ainda que a gente tenha essa distorção idade/série no ensino médio, ou seja, mais pessoas fora da faixa etária de 15 a 17 anos estão fazendo ensino médio, isso é muito menor do que era antes. Nós tínhamos muito mais gente no ensino médio, inclusive noturno, que eram trabalhadores de 18 anos ou mais, essa era uma realidade muito mais presente”, pontua. Mesmo com a ampliação do acesso ao ensino médio, porém, Monica ressalta que o país não foi capaz de cumprir a meta estipulada pela Emenda Constitucional 59 de matricular 100% dos jovens de 4 a 17 anos até 2016. “Mesmo com esse crescimento todo, o Brasil ainda tem mais de um milhão de estudantes de 15 a 17 totalmente fora da escola”, diz Monica.


Como anda o PNE?

A professora da Universidade de Brasília (UnB) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Catarina Almeida Santos, destaca ainda que os indicadores do censo revelam a estagnação das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), que em 2021 entra no seu sétimo ano de vigência. O Plano Nacional da Educação, em que pese seus limites, tem um processo muito articulado. As metas são muitas, e o não cumprimento de uma meta impacta no cumprimento de todas as outras. E nós não cumprimos nenhuma objetivamente. Estamos no sétimo ano do plano, e se a gente tivesse implementado minimamente as metas intermediárias, a realidade da escola brasileira seria outra”, afirma Catarina, destacando que não as matrículas decresceram em 2020 na educação básica como um todo, não apenas no ensino médio. “Conseguimos aprovar no PNE a questão do custo aluno-qualidade, que estabelece um percentual mínimo de investimento na educação que, caso já tivesse sido implementado, a realidade da escola seria outra. Teríamos aumento nas matrículas, teríamos praticamente resolvido a questão da distorção idade-série, não teríamos tantos professores ainda atuando sem terem a formação na área em que atuam”, aposta. De acordo com o censo 2020, por exemplo, a formação dos professores permanece sendo um sério gargalo para a qualidade da educação básica. No ensino médio, por exemplo, apenas 36% das turmas de sociologia são ministradas por professores com a formação adequada; na disciplina de língua estrangeira, o percentual é um pouco maior: 41,4%; na física, os professores com formação na área são responsáveis por pouco menos da metade das turmas: 49,6%. O melhor percentual é registrado na disciplina de língua portuguesa, em que 83,8% das turmas são ministradas por professores formados na área.

Para Monica Ribeiro, os números do censo escolar 2020 sinalizam que a maioria das metas do PNE – cuja vigência vai até 2024 – não serão cumpridas. “A meta do ensino médio pra 2024 era incluir 85% das pessoas de 15 a 17 no ensino médio. Nós estamos longe disso ainda. Nós não chegamos a 70% ainda. Como em três anos nós vamos chegar a 85%? Nós não vamos cumprir a meta”, lamenta Monica. O mesmo se dá para as metas referentes à educação profissional: a meta 11, que almeja triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, sendo pelo menos 50% na rede pública, e a meta 10, que fala em oferecer no mínimo 25% das matrículas de educação de jovens e adultos na forma integrada à educação profissional. “Ainda que tenha havido um crescimento da educação profissional nos últimos anos, ainda é muito tímido diante do que foi colocado no PNE”, diz a professora da UFPR.


Impactos da pandemia

Catarina lembra ainda de um outro dado trazido pelo censo escolar que, em meio à pandemia do novo coronavírus, contribuiu para escancarar as desigualdades educacionais no país, que foi a questão da disponibilidade de recursos tecnológicos nas escolas, como acesso à internet, por exemplo. Nas redes estaduais, que concentram mais de 80% das matrículas no ensino médio, por exemplo, 27,1% das escolas não possuem acesso à internet para ensino e aprendizagem, e 20,7% não possuem computadores de mesa disponíveis para os alunos. No ensino fundamental, concentrado principalmente nas redes municipais, responsáveis por 68% das matrículas nessa etapa, o cenário é pior: apenas 33,7% das escolas municipais possuem internet para ensino e aprendizagem, e 38,3% possui computadores de mesa para os alunos. “Isso significa que os estudantes continuam sem ter acesso aos equipamentos que em 2020 teriam sido essenciais para o ensino remoto. E mais que isso, os nossos estudantes e os nossos professores não estão habituados a utilizar esses equipamentos no processo de ensino e aprendizagem”, pontua a dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Monica Ribeiro se diz preocupada com o impacto da pandemia sobre os indicadores educacionais brasileiros. “A gente já tem dados preliminares coletados por outros institutos de pesquisa mostrando que o percentual de acesso às aulas remotas foi pequeno. Com certeza houve uma maior desistência no ano de 2020, sobretudo, das populações periféricas, mais pobres, de regiões que não têm acesso à internet. Nós vamos precisar verificar se houve uma rematrícula dessas pessoas em 2021, se elas voltaram para a escola ou não”, assinala a professora da UFPR, que acrescenta ainda que, para além do que os números do próximo censo escolar devem mostrar, há também a preocupação com a qualidade do ensino que foi oferecido no contexto das aulas remotas. “Aqui no Paraná, por exemplo, houve a manutenção da oferta de forma remota, mas a gente sabe que houve aprovação em massa, que não houve qualidade para aquilo que se esperaria, especialmente no ensino médio, de quem está concluindo a educação básica. Lamentavelmente, houve um prejuízo, principalmente para quem está na escola pública”, lamenta.