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Comissão aprova MP que cria Médicos pelo Brasil

Projeto irá funcionar em paralelo ao Mais Médicos, e cerca de 2 mil cubanos que permaneceram no Brasil após a ruptura do convênio em novembro de 2018 poderão voltar ao programa
Julia Neves - EPSJV/Fiocruz | 27/09/2019 12h31 - Atualizado em 01/07/2022 09h43

A comissão especial mista da Medida Provisória 890/2019 – que institui o Programa Médicos pelo Brasil no âmbito da atenção primária à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) – aprovou por unanimidade, no dia 25 de setembro, o relatório do senador Confúcio Moura (MDB-RO). Em reunião marcada por divergências entre senadores e deputados, apenas dois pontos do texto destacados para votação foram aprovados – outros oito destaques foram rejeitados. O texto seguirá agora para apreciação dos plenários da Câmara dos Deputados e, posteriormente, do Senado Federal. A expectativa do governo é que a medida seja aprovada até novembro deste ano.

As emendas de número nove, do deputado Luiz Antonio Teixeira (Progressistas-RJ), e 98, de teor idêntico, do deputado Hiran Gonçalves (Progressistas-RR), que foram aprovadas pela comissão, estabelecem o retorno do pagamento de gratificação aos servidores da saúde em função do desempenho individual e do alcance de metas, medida considerada de “justiça aos médicos federais”. O segundo destaque aprovado se referiu à emenda do deputado e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP), que permite aos estados, isoladamente ou em consórcios, executar diretamente o Projeto Médicos pelo Brasil dentro do Programa Mais Médicos – criado em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff –, podendo firmar acordos inclusive com organismos internacionais e instituições de educação superior estrangeiras. “A nossa proposta de emenda que foi aceita fará com que estados possam contratar médicos dos Mais Médicos caso o outro programa não supra as necessidades de atendimento”, afirmou Padilha em vídeo postado por ele em sua conta no Twitter.

Entre os destaques rejeitados estavam a alteração do regime jurídico da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) para fundação pública federal; a vedação à Adaps de prestar serviço de atenção primária através de terceirização; a legislação sobre o Revalida e a realização do exame exclusivamente em faculdades públicas; o estabelecimento de prazo de até cinco anos para criação de carreira pública de Estado para médicos; o incentivo a programas de residência médica e o regulamento para avaliação desses programas.

Texto base é aprovado por unanimidade

O parecer de Confúcio Moura recebeu 366 emendas, das quais o senador acatou 133. Um dos pontos mais polêmicos foi a inclusão de uma regra “excepcional e transitória” para a admissão de médicos cubanos pelo Ministério da Saúde como intercambistas, sem intermediários, “até que o novo modelo equalize o provimento de médicos nas localidades carentes”. Assim, os cerca de dois mil cubanos remanescentes do Mais Médicos que permaneceram no Brasil após a ruptura do convênio em novembro de 2018 poderão voltar ao programa por um período de dois anos, com o mesmo salário dos brasileiros. Pela proposta inicial do Executivo, o grupo receberia apenas um auxílio, semelhante ao que recebe um médico residente.  Além disso, eles poderão fazer a prova para validação do diploma de médico obtido no exterior, o Revalida, por até quatro vezes.

Para o sanitarista Vinícius Ximenes, médico de família e comunidade e integrante da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP), diante de um “cenário de instabilidades”, manter o Mais Médicos em paralelo ao Médicos pelo Brasil é muito interessante. “Isso mostra o imenso nível de satisfação de prefeitos, secretários de saúde, que ascendem a muitos parlamentares da própria base do governo, que reconhecem a qualidade dos médicos cubanos que trabalharam no país”, aponta.

O Revalida, por sua vez, foi mantido nos termos originais da MP. O exame, que não é aplicado desde 2017, será realizado semestralmente, com provas escrita e de habilidades clínicas. A novidade neste caso é que o texto amplia a participação de faculdades particulares bem avaliadas pelo Ministério da Educação, que poderão participar da seleção. Até hoje, a legislação só permitia que o exame fosse aplicado por universidades públicas. Com o fim dessa restrição, mais de 100 instituições estarão aptas para aplicar o Revalida. A aplicação será acompanhada pelo Conselho Federal de Medicina (CRM), que garantirá a uniformidade das avaliações entre as instituições públicas e privadas.

Agência é criada

Outro ponto bastante discutido do relatório por seu “viés potencialmente privatizante”, segundo análise de Vinícius, foi a criação da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde . No texto-base, esta agência está “submetida a regime jurídico de direito privado” – estruturando-se como um Serviço Social Autônomo (SSA).

A Adaps ficará encarregada do recrutamento dos profissionais do Médicos pelo Brasil, do termo de adesão, das atividades de ensino e pesquisa, além da avaliação dos resultados obtidos no processo do programa. “Consideramos potencialmente como uma tentativa de ‘INAMPsação’ da APS Brasileira, abrindo a possibilidade de compra de serviços privados para prestação assistencial no âmbito da APS no SUS, fora os outros problemas deste tipo de ente gerencial, como os conflitos de interesse e insegurança jurídica que poderão cercar gestores, como prefeitos e secretários municipais de saúde”, nota Vinícius.

Os profissionais serão admitidos depois de passarem por um processo seletivo composto por prova escrita. O candidato selecionado que não tiver especialização em medicina da família deverá passar por um curso sobre o tema nos primeiros dois anos, recebendo uma bolsa-formação com valor superior ao da residência médica. 

Essa proposta de criação de uma agência, segundo o médico-sanitarista, não se configura nem como uma Carreira de Estado para Médicos, o que segundo ele, era almejado pelas entidades médicas, e nem com potencial de se falar em outra modelagem de carreira, “visto que a contratação por uma entidade do terceiro setor não configura este tipo de arranjo mais ajustado de gestão do trabalho”. “Será na verdade mais um tipo de contratação em larga escala de médicos terceirizados. Apesar de se propor a ter seleção pública para o ingresso, é um tipo de contratação diferente, por exemplo, do modus operandi das empresas estatais. Estas sim têm um tipo de carreira, e contratam com maiores salvaguardas para os seus trabalhadores regidos pela CLT, que podem ser considerados funcionários públicos”, ressalta.

No relatório, Confúcio Moura também acrescentou ao conselho da Adaps um representante da Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e outro do Ministério da Saúde, e incluiu as comunidades remanescentes de quilombos entre os alvos preferenciais do programa, seguindo os mesmos critérios das comunidades ribeirinhas e dos distritos sanitários especiais indígenas (Dsei) já contemplados no texto original.

Mais médicos

Conforme matéria publicada no Portal EPSJV em 23 de agosto, o programa Mais Médicos trouxe ao país, de 2013 a 2018, cerca de 20 mil médicos cubanos através de um convênio firmado com o governo daquele país e intermediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). À época, os cubanos foram dispensados da exigência do Revalida, o que provocou críticas de entidades representativas da corporação médica, como a Associação Médica Brasileira. Esse ponto foi contestado em ações apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelas entidades médicas. No final de 2017, no entanto, o STF autorizou a dispensa de diploma revalidado de estrangeiros no caso do Mais Médicos.

No final de 2018, ainda no governo Michel Temer, no entanto, o governo cubano optou por romper unilateralmente o convênio firmado com o Brasil, dando como justificativa o teor de declarações do então presidente eleito. Durante sua campanha, Jair Bolsonaro alegou que expulsaria do país os médicos cubanos que não tivessem o Revalida. Por conta disso, deixaram o país cerca de 8,5 mil médicos cubanos que, na ocasião, estavam vinculados ao Mais Médicos – mais da metade da força de trabalho do programa. A interrupção provocou desassistência, principalmente em municípios de menor porte e em áreas de difícil acesso, como os Distritos Sanitários Especiais Indígenas e comunidades ribeirinhas.