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Comunidade na avaliação e controle do SUS

Controle social fará parte das discussões da 14º CNS
Raquel Torres - EPSJV/Fiocruz | 29/11/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A Conferência Nacional de Saúde é uma das instâncias formais de participação popular na avaliação e formulação de propostas para o Sistema Único de Saúde (SUS). E o tema ‘Participação da comunidade e controle social’ é justamente um dos três sub-eixos que vão orientar as discussões neste ano (para saber mais sobre o assunto, leia a reportagem de capa da Poli nº 17).

Foi em uma Conferência – a 8ª – que outros espaços de controle social foram estabelecidos como essenciais para o funcionamento do SUS, que ainda nem existia: esses espaços são os conselhos de saúde, órgãos deliberativos organizados tanto no âmbito municipal como no estadual e nacional . Em 1990, a lei nº 8.142 institucionalizou os conselhos como instâncias de controle social. Mais de 20 anos depois, os desafios para o seu funcionamento adequado ainda são muitos.

O professor Leonardo Avritzer, do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que, do ponto de vista normativo, o controle social na saúde é bem estruturado. “Mas quando examinamos um pouco mais detalhadamente os conselhos, vemos que há variações e fragilidades, especialmente entre os conselhos municipais”, observa.

De acordo com ele, algumas características podem influenciar o bom funcionamento dos conselhos. “O tamanho da cidade é um deles. Geralmente, os conselhos são mais organizados nas maiores. Também é importante a organização da própria sociedade civil, que varia de lugar para lugar, independentemente do tamanho. Além disso, em muitos casos, as administrações municipais interferem muito nos conselhos desses entes federativos”, enumera.

Atribuições

Os conselhos têm basicamente duas funções, de acordo com a lei nº 8.142: atuar “na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros”.

De acordo com Leonardo, hoje, o controle é a principal função dos conselhos, principalmente em relação ao financiamento. “O Brasil tem um Fundo Nacional de Saúde que transfere dinheiro para os demais entes federados, e a prestação de contas disso tem que ser aprovada pelos conselhos”, diz o pesquisador. Ele observa também que, por conta disso, os governantes acabam tendo forte interesse na organização dessas instâncias.  “Há conselhos que se reúnem apenas duas vezes por ano, justamente apenas para aprovar contas. Isso demonstra que eles praticamente são instrumentalizados pelos governantes”, critica.

Participação da comunidade?

Pela lei, os conselhos devem ser compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, com um peso bem significativo para esses últimos: cada conselho deve ter 50% de usuários, 25% de trabalhadores e 25% de gestores e prestadores de serviços. Mas Leonardo diz que, na prática, o acesso da comunidade ao conselho varia, principalmente nos municípios. “Em Salvador, até 2004 o Conselho Municipal era tinha sua formação elaborada pela arquidiocese local e pela organização comercial. Isso retirava quase todas as prerrogativas de as pessoas poderem participar de fato”, exemplifica.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresenta dados inquietantes em relação à composição dos conselhos municipais de saúde. Na última Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), em 2009, os conselhos de 195 municípios não eram paritários, como determina a legislação. E, entre os que eram paritários, 12,1% não eram deliberativos, ou seja, não tomavam as decisões propriamente, o que também contraria a lei. Além disso, em 63 municípios o conselho não havia se reunido nenhuma vez no último ano. A boa notícia é que quase todas as cidades têm conselhos: apenas 148 dos mais de cinco mil municípios brasileiros declararam não ter.

Leonardo afirma que mesmo este último dado, mais animador, pode não corresponder exatamente à realidade. “Estou convencido, pela experiência de nossas pesquisas [no Projeto Democracia Participativa, na UFMG], de que esse número está equivocado. Isso porque o IBGE acaba aferindo apenas se existem conselhos se reunindo duas vezes ao ano. Isso não consegue distinguir cidades onde o conselho realmente funciona daquelas onde o prefeito o organiza com pessoas do seu próprio conhecimento para rodar uma ata semestralmente. Se fizermos um estudo usando essa diferença, vamos ver que há menos conselhos do que mostram as pesquisas”, diz.

Apesar das dificuldades, Leonardo acredita que há alguns avanços. “Nos últimos anos houve um fortalecimento dos conselhos nacionais. Os ministros têm participado mais dos conselhos, eles estão mais deliberativos e muitas decisões importantes têm passado por eles. Além disso, o controle do financiamento, ainda que com alguns defeitos, também está mais fortalecido. E há conquistas em áreas específicas. A saúde indígena melhorou, e é uma reivindicação antiga de um conjunto de atores importantes e que aparecia nas discussões dos conselhos. Começou também uma discussão mais avançada sobre equidade por parte do poder público, e isso também começou nos conselhos”, exemplifica.

Leia mais sobre a 14ª Conferência Nacional de Saúde aqui.