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Dois espaços de disputa

Conferência Nacional Popular de Educação (Conape) e Conferência Nacional de Educação (Conae), marcadas para abril e novembro de 2018, respectivamente, revelam visões distintas acerca da política de educação do país
Katia Machado - EPSJV/Fiocruz | 09/11/2017 12h39 - Atualizado em 01/07/2022 09h45
Foto: Contee/Alan Francisco de Carvalho

As datas e as composições estão definidas. No fim de agosto, o Fórum Nacional de Educação (FNE) anunciou seus novos membros  e definiu o calendário das etapas municipais, estaduais e da 3ª Conferência Nacional de Educação (Conae), que devem ocorrer, respectivamente, até o fim de 2017, até julho de 2018 e em novembro de 2018.  Maria Ester Galvão, do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCEE), eleita coordenadora do FNE para um mandato de quatro anos, substituiu Heleno Araújo, que assumiu a coordenação do Fórum Nacional de Educação Popular (FNPE), criado em maio deste ano quando mais de 20 entidades saíram do FNE, entre elas a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da qual Heleno é presidente.

Os motivos da debandada coletiva do FNE e constituição de um novo espaço, formalizada na ocasião em manifesto entregue à Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado , foram uma Portaria (577/17) e um Decreto (de 26 de abril deste ano) do MEC que, juntos, interferiram na composição do FNE e alteraram o calendário da 3ª Conae, que aconteceria no primeiro semestre de 2018.  “O decreto passou por cima do pleno do FNE, que reunido nos dias 28 e 29 de março deliberou pelo calendário da Conae, que seria até abril de 2018, bem como de todos os encaminhamentos necessários para execução da etapa nacional”, lembra Heleno.

De acordo com o coordenador do FNPE, à frente desse espaço junto com outros dois representantes de instituições retiradas do FNE – Jose Celestino Lourenço, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e Andrea Golveia, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) –, o Decreto do MEC “jogou” as conferências estaduais para o fim de 2018 e não determinou de imediato a data para a etapa nacional. “Ao fazer isso, o MEC estava deixando claro que a sua intenção era a de não garantir a realização da Conae antes das eleições presidenciais que acontecem no próximo ano”, critica. 

Já a Portaria  577/17, segundo ele,  desconfigurou a composição do FNE. “Das 42 entidades da sociedade civil, o Ministério só deixou 18, aumentando ainda sua participação ao indicar pessoas do Conselho Nacional de Educação, da Comissão de Educação da Câmara e da Comissão de Educação do Senado, aliadas com o discurso ‘golpista’ do governo”, denuncia.

Maria Ester faz outra análise desse contexto. Por e-mail, ela afirmou que não houve interferência do MEC na composição do Fórum, tampouco em relação às mudanças de datas das conferências. “Houve, sim, uma ruptura entre os anseios de algumas das instituições que compunham o FNE e o que era possível realizar no início de 2017”, avalia, dizendo também que a entidade que ela representa decidiu manter-se no FNE por acreditar que a educação “deve ser política de Estado, e não de governo”. “Algumas entidades, na impossibilidade de manter uma interlocução diplomática com o MEC, optaram por sair do FNE e constituíram o FNPE. É claro que este processo resultou na necessidade de recomposição do FNE, cujo funcionamento é previsto em lei”, diz.

Ela defende também a alteração do calendário das conferências municipais, estaduais e da própria Conae em 2018: “Tudo foi decidida pela plenária do FNE, sem qualquer interferência do MEC. O FNE teve duas reuniões, sendo a primeira no dia 24 de agosto, quando fui eleita coordenadora, e a segunda, no dia 9 de outubro, quando aprovamos o documento-referência, definimos os critérios para repasse da verba para a realização das conferências estaduais e definição e escolha de delegados, dentre outros encaminhamentos que estavam pendentes”.

Conape 2018

Para manter a mobilização em torno dos compromissos com a educação democrática e para todos e a defesa do Plano Nacional de Educação (PNE), bem como da necessidade de monitoramento das metas e a análise crítica das medidas que têm inviabilizado a efetivação do Plano, em especial, a aprovação da Emenda Constitucional 95/16, que estabeleceu um teto de 20 anos para os gastos públicos federais “inviabilizando a consagração plena de todos os direitos sociais, especialmente a educação”, como escrevem as entidades do FNPE, o novo Fórum decidiu convocar a Conferência Nacional Popular de Educação (Conape 2018). Segundo o documento de convocatória do encontro, as etapas municipais e/ou intermunicipais da conferência acontecem até o fim deste ano. Já as conferências estaduais serão realizadas até março e a etapa nacional ocorre de 26 a 28 de abril de 2018, em Belo Horizonte (MG).

Heleno revela que o FNPE, atualmente com 34 entidades, vem buscando garantir as etapas municipais e já conseguiu mobilizar 25 estados para a realização das etapas estaduais da Conape, com exceção apenas de Acre e Roraima. “É importante ficar claro que o golpe foi dado no FNE, então a disputa que estamos fazendo é com o governo federal”, afirma. De acordo com ele, as etapas acontecerão graças ao apoio da sociedade civil que "deve organizar o debate", bem como dos gestores municipais e estaduais. “Os governos estaduais ou municipais que queiram participar, serão bem-vindos. A etapa nacional, por exemplo, será realizada em Belo Horizonte porque o Fórum Estadual de Educação de Minas Gerais está dando pleno apoio”, esclarece.

No site do FNPE, em 3 de novembro, a CNTE publicou carta aberta reinteirando seu compromisso com a realização da Conape 2018 e de suas etapas preliminares, a serem organizadas pelos Fóruns Populares de Educação espalhados pelo Brasil. Como presidente da Confederação, Heleno realçou que está “mantida a conjuntura em função da qual entidades preocupadas com a defesa e promoção do direito à educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todo cidadão e para toda cidadã decidiram se retirar coletivamente do FNE e organizar a Conape”.

Ele reconhece conflitos de interesses entre os espaços de debate, especialmente ao observar o calendário da Conae 2018. “O FNE e o MEC anunciaram o calendário em setembro e só apresentaram o documento-referência da Conae em 9 de outubro. E este documento é o mesmo que nós aprovamos em 29 de março, seguindo com informações contraditórias”, diz. Segundo Heleno, no texto de apresentação deste documento é informado, por exemplo, que a etapa nacional será realizada no primeiro semestre de 2018, em “total demonstração que nem cuidado tiveram de corrigir as datas da conferência”. Além disso, acrescenta, “o FNE está enviando informes aos fóruns estaduais de educação, dizendo que há recursos reduzidos para as etapas estaduais e que não contribuirão com as etapas municipais”.

O coordenador do FNPE revela ainda que o documento com as orientações para a realização de todas as etapas da Conae não foi publicado até hoje, assim como o regimento da conferência. “O que nós estamos entendendo desse movimento é que eles estão tentando confundir a representação dos fóruns estaduais para não se envolverem na Conape. Em contraposição, estamos mobilizando as nossas entidades, reafirmando que desta Conae ‘golpista’ não participaremos e buscando recursos para a realização da Conape em abril”, conclui.

Conae 2018

Maria Ester Galvão argumenta que o compromisso do FNE é "simplesmente" realizar a 3ª Conae em novembro de 2018, “com a participação intensa da sociedade civil para a consecução de suas atribuições previstas na norma que o criou, especialmente as previstas no Plano Nacional de Educação e em seu Regimento Interno”. Segundo ela, trata-se de um esforço coletivo coordenado pelos fóruns estaduais e municipais de educação e de todos os órgãos e entidades que compõem o FNE para mobilizar municípios e estados a discutir o documento-referência da Conae, "em um processo de avaliação, aprimoramento e proposição para a melhoria da Política Nacional de Educação".

A coordenadora do FNE entende que a Conae 2018 deve ter como base todas as contribuições produzidas em todas as etapas e conferências livres. “Não nos furtaremos a analisar as contribuições que nos chegarem, contanto que versem sobre educação e seus propósitos”, sublinha.  Para Maria Ester, as duas conferências são espaços de discussão de documentos similares, com leituras diferentes sobre a maneira de se contribuir para a melhoria da educação no país. “Pode ser uma experiência rica se tivermos uma postura assertiva, respeitosa e nos ativermos aos objetivos maiores que ensejaram a nossa criação. Os fóruns de educação são espaços privilegiados para o debate produtivo em prol da educação”, afirma.