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Educação e Saúde no Brasil sem Miséria

Programa prometetambém mais acesso aos serviços públicos. Entretanto, pesquisadores avaliam quenão se garante direitos à  saúde e educação
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 17/05/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

O programa Brasil sem Miséria, lançado recentemente pela presidente Dilma Roussef, quer garantir melhores condições de vida para as pessoas extremamente pobres. Para fazer isso, propõe, entre outras medidas, ampliar o acesso aos serviços públicos. A saúde e a educação são duas das frentes apresentadas no programa como objeto de ações. A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Ialê Falleiros explica por que a saúde e a educação são sempre consideradas importantes em programas como o Brasil sem Miséria. "A importância dada à educação tem a ver com o novo estágio do capitalismo, no qual se diz que as pessoas precisam estar tecnicamente preparadas para assumir postos e ocupar lugares. Sempre houve uma preocupação muito grande em direcionar a educação para que ela também produzisse esses homens colaboradores do capitalismo. E na saúde, o setor privado cada vez mais quer inclusive colaborar nessa proposta de ampliação da atenção primária, de difusão de espaços de bem estar, de lazer, e vem pensando como ampliar mercados inclusive nesses nichos e como lucrar também com isso", analisa.

Para a também professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz Marcela Pronko, o programa teria outro sentido se buscasse garantir o direito humano à saúde, educação, entre outros. "Um dos objetivos do programa é facilitar o acesso aos serviços, mas essas pessoas têm direito à saúde e à educação, não pode ser só o acesso aos serviços de saúde e de educação. A questão do Estado garantidor de direitos desapareceu da retórica, dos debates, da prática cotidiana, desapareceu como questão", afirma. Marcela pondera que, no entanto, mesmo se a garantia de direitos estivesse apontada no programa, quando se observa os montantes de recursos e a forma como estão previstas as ofertas de educação e saúde, se percebe que o objetivo não é combater a desigualdade.  "É claro que é bom porque as pessoas podem sair da pobreza extrema, mas as desigualdades vão continuar, talvez sejam um pouquinho menos gritantes, mas elas são inerentes a esse modelo econômico", destaca.

Saúde

Várias ações do Ministério da Saúde que já estão em curso, como os programas Brasil sorridente e a Rede Cegonha, farão parte da estratégia do Brasil sem Miséria. O Ministério da Saúde afirma que serão ampliadas as Unidades Básicas de Saúde e o atendimento em saúde bucal, bem como haverá expansão das ações em saneamento básico, com melhorias sanitárias domiciliares, saneamento em áreas quilombolas, rurais e indígenas e a perfuração de 150 poços artesianos. De acordo com a pasta, serão potencializados ainda a prevenção e tratamento da tuberculose, hanseníase, tracoma, esquistossomose, helmintíase e malária, algumas das chamadas doenças negligenciadas.

Para Ialê, é importante que as ações aconteçam e não se pode negar que as pessoas que passarão a ser atendidas e até então não eram, sentirão melhorias. Entretanto, o programa não toca nos problemas principais. "É um projeto que não visa mexer na estrutura. E
a estrutura tem uma interferência direta na saúde das pessoas. É ela que produz o aumento das causas de morte nas grandes cidades, seja pela violência, pela hipertensão, e mais recentemente pela depressão. São fatores que são produzidos por essas relações mais amplas que se dão dentro da lógica capitalista", problematiza.

A professora identifica ainda que na base da criação do Brasil sem Miséria está a ideia de que todas as pessoas, independentemente da classe a que pertencem, estão do mesmo lado na defesa dos interesses da população, quando na verdade, os interesses são conflitantes."Todo o país vai sair lucrando, pois cada pessoa que sai da miséria é um novo produtor, um novo consumidor e, antes de tudo, um novo brasileiro disposto a construir um novo Brasil, mais justo e mais humano", diz a apresentação do programa. De acordo com a presidente Dilma, que falou sobre o Brasil sem Miséria no Café com a presidente do ultimo dia 13 de junho, os empresários serão parceiros do programa. A presidente cita as redes de supermercado que se comprometeram a contratar pessoas que recebem o bolsa família.

Educação

A propaganda do Brasil sem Miséria elaborada pelo governo federal diz que "a meta é inserir os beneficiários do Bolsa Família no mercado de trabalho através de cursos de formação sintonizados com a vocação econômica de cada região". De acordo com o governo federal, programas já existentes como o Brasil Alfabetizado também farão parte da estratégia de redução da pobreza extrema. As ações de capacitação de pessoas de 8 a 65 anos serão ofertadas no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec) e do Programa Nacional de Inclusão dos Jovens (ProJovem) (Conheça o especial sobre o tema). Para Marcela Pronko, as escolhas na área de educação evidenciam que o programa aposta equivocadamente que o problema estrutural do acesso à educação e ao trabalho é
individual. "O programa parte de uma lógica de individualização da pobreza, como se a pobreza fosse o resultado de uma falta de oportunidade de caráter individual.Então, oferecendo ao indivíduo algumas oportunidades, essa pobreza extrema poderia ser superada. Esse é o pressuposto que está por trás do programa como um todo e particularmente na parte educacional", avalia. "Assim, a responsabilidade pela inserção ou não no mercado de trabalho fica por conta de cada um, ou seja, se você aproveitar os cursos que são oferecidos, talvez
você se insira; se não aproveitar, continuará sendo parte dessa estatística de pobreza extrema. Não se considera que o Brasil, mesmo sendo a 7ª economia mundial, tenha os maiores índices de desigualdade. Quando você individualiza o problema, ele perde esse caráter estrutural, e, portanto, fica sendo perversamente uma solução fictícia", opina. 

Marcela reforça que, para manter o modelo de desenvolvimento atual e o Brasil na 7ª posição da economia mundial, é necessário manter um exército de reserva, ou seja, um grande número de trabalhadores desempregados. Para ela, a desigualdade é inerente a esse modelo e o programa Brasil sem Miséria não questiona isso. "Ela (a desigualdade) não é um efeito indesejado. Mas então, por que esse programa está colocado? Porque a miséria extrema é escandalosa e potencialmente perigosa. Então, é uma forma de aliviar na pior parte da ferida, mas a ferida não será curada porque é inerente ao modelo de desenvolvimento que o Brasil aderiu", define.

A professora complementa afirmando que uma educação de qualidade permitiria uma outra leitura do mundo que, por sua vez, poderia colocar em risco as escolhas atuais e históricas do governo brasileiro. "Uma educação integrada, sistemática, longa, que inclua todos, ofereceria a todos a possibilidade de construir leituras de mundo que vão além do senso comum que está colocado como natural. Permitiria questionar o modelo econômico que se baseia na desigualdade", conclui.

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