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Ensino técnico como segunda opção

Programa lançado na primeira semana de agosto coloca ensino técnico como opção para a prova do Enem.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 21/08/2013 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Lançado pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante, na primeira semana de agosto deste ano, o Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec) permite que instituições públicas e privadas de ensino superior e educação tecnológica ofereçam vagas de cursos técnicos para candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que não alcançaram nota para cursar o ensino superior. O programa engloba cerca de 240 mil vagas, em 117 cursos e 561 instituições diferentes em todo o território nacional. Os estudantes que tenham concluído o ensino médio em escolas públicas ou em instituições privadas na condição de bolsista integral terão direito a 80% das vagas.

O incentivo à educação profissional e tecnológica já vem sendo tratado como um dos carros-chefes do Ministério da Educação que, desde o lançamento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), em 2011, vem a cada dia ampliando as formas de inserção de alunos nessa modalidade. As instituições que participarão do Sisutec são as já cadastradas no Pronatec, como informa o site do programa.

O professor da Faculdade da Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Gaudêncio Frigotto, aponta como um dos problemas do Sisutec a falsa oportunidade de igualdade a todos do território nacional: “São políticas que estão dentro de uma lógica de que o Estado brasileiro não oferece o ensino médio, médio técnico e superior em quantidade e qualidade suficientes. Não são medidas de igualdade e sim de equidade. Na verdade, o que o governo busca abstratamente oferecer com o Sisutec são chances iguais aos que moram no interior do Acre ou nas mais longínquas cidades dos pampas do Rio Grande do Sul. Digo abstratamente, porque a mobilidade de um aluno que não seja um aluno de classe média no sentido sociológico, e não no de consumo, é muito difícil. Como o aluno vai ter mobilidade se ele passar do Rio de Janeiro para o Acre? Isso só seria possível se houvesse uma bolsa ou incentivos para esses alunos”, explica.

Estímulo ao ensino técnico: de que forma?

Como já apontado aqui no site e na Revista Poli em diversas matérias anteriores, os recursos federais do Pronate têm sido utilizados diretamente pelo Sistema S, instituições privadas de ensino superior e de ensino médio profissional e tecnológico, além das instituições públicas, como os Institutos Federais de Educação Profissional Tecnológica (Ifets). Este financiamento está assegurado no projeto de lei ordinária 12.816/13 , que no mês de junho de 2013 tramitou em caráter emergencial. Este projeto de lei tinha, entre outras críticas, a ampliação do programa para que instituições privadas de ensino superior criem cursos técnicos, além de uma maior autonomia para que o sistema S crie cursos técnicos, amplie vagas e unidades de ensino. O Sisutec se soma a essa estratégia quando garante vagas a estudantes que tinham como objetivo o ensino superior. Foram inscritas 383 mil pessoas no programa. Gaudêncio ressalta que o problema é o ensino técnico ser tratado dessa forma: “Este caráter de segundo plano que dão ao ensino tecnológico pelo programa é como se você estivesse dando moeda de troca de menor valor, é dar algo que o estudante não escolheu. Isso é tratar com enorme preconceito o trabalho técnico e o manual”, explica e indaga: “E para quem são essas vagas? O jovem foco desse programa é o de classe média baixa ou popular”, explica.

Essa lógica de incentivo não é em vão nem pontual.  O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Leher, vem defendendo há algum tempo que este tipo de formação serve para responder às necessidades do mercado, para a formação do que ele chama de ‘exército industrial de reserva ’. ”Esses programas que focam justamente no público jovem, que já não tinha mais esperança de ser um trabalhador assalariado, acaba por educá-los como força de trabalho potencial. Não importa tanto se ele tem a formação mais densa ou mais sistematizada, o importante é que ele busque um emprego com a formação que conseguiu, assim, aumenta a demanda por emprego, a concorrência por uma vaga e os empresários passam a baixar os salários", analisa. E completa: "Nos últimos dez anos, de acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a força de trabalho no Brasil cresceu na ordem de 20%. Isso significa que, em termos médios, o salário subiu no Brasil. E isso acende uma luz vermelha no empresariado. Estamos tendo uma pressão maior do trabalhador ao aumento salarial, mas em que isso resulta? Em colocar mais trabalhadores disponíveis para que essa massa em busca de emprego force a mão de obra para baixo. Não é que exista falta de força de trabalho, como alardeiam, mas é que essa força está exigindo um salário maior. O empresariado tem como ponto de emergência massificar a formação profissional aligeirada e garantir o exército industrial de reserva", conclui o professor na matéria ‘Formação em massa ’ publicada no site da EPSJV.  

Financiamento do ensino privado

Gaudêncio destaca ainda que outras formas de incentivo ao ensino técnico junto à iniciativa privada estão em andamento. “O Ministério da Educação firmou um convênio com o Todos pela Educação que formou um grupo de investidores sociais para que eles, através da Undime, influenciem a educação básica e média. Eles estão disputando o método e a forma de dar a educação básica; além disso, outras ações como o Ensino Médio Inovador, com o Instituto Unibanco, e o Telecurso, das Organizações Globo, para alunos com defasagem do ensino médio, também foram firmadas”, lembra e acrescenta: “Essas medidas são uma transferência não só de fundo público, mas do projeto educacional, da concepção educativa. Hoje estamos transferindo recursos públicos para que o mercado privado ganhe dinheiro e dê a orientação teórica, ideológica e política da educação. Essa é mais uma medida que mostra que o Estado está abdicando de sua face pública na educação para ser gerido pelo ideário do empresariado privado”, explica Gaudêncio.

Para Gaudêncio, esse tipo de iniciativa segue a lógica da precarização. “Existe uma fórmula que o professor Saviani aponta que é: improvisação + fragmentação + adiamento = péssima qualidade. É isso que estamos vivendo hoje. O governo perdeu o projeto educacional e quem manda na filosofia e angaria a grande fatia do fundo público em todas essas medidas é o empresariado da educação, o Sistema S”, conclui.