A Frente pela Vida – formada no início da pandemia de Covid-19, em 2020, reunindo várias entidades do movimento sanitário – emitiu nota questionando o Programa Cuida Mais Brasil, lançado pelo governo federal no início de janeiro. A Frente manifestou preocupação com os rumos da Estratégia Saúde da Família a partir do programa, por meio do qual o governo federal pretende investir, no primeiro ano, R$ 194 milhões na ampliação do número de médicos pediatras e ginecologistas-obstetras juntos às equipes de Saúde da Família e de Atenção Primária.
Segundo matéria publicada no site do Ministério da Saúde sobre o Cuida Mais Brasil, atualmente existem 5,7 mil pediatras e 5,3 mil ginecologistas-obstetras atuando na Atenção Primária, “sem incentivo federal”. “Com o programa, a estimativa do Ministério da Saúde é que o número de pediatras aumente para cerca de 8 mil profissionais e 7 mil ginecologistas-obstetras atuando na APS em todo país”, afirma a reportagem, completando que o Cuida Mais Brasil busca “fortalecer o cuidado materno-infantil e a atuação dos médicos pediatras e ginecologistas-obstetras; aumentar a capacidade da Atenção Primária para resolver os problemas de saúde; ampliar profissionais médicos apoiando as equipes; apoiar e complementar as equipes da APS na condução de condições crônicas, ciclos da vida e condições epidemiológicas prioritárias para o SUS”.
Assinada por entidades como o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e Rede Unida, entre outras, a nota da Frente pela Vida ressalta que a participação de pediatras e ginecologistas na Estratégia de Saúde da Família pode ser realizada através dos Núcleos Ampliados de Saúde da Família, os Nasf, por meio dos quais seria possível incorporar 7 mil pediatras e ginecologistas-obstetras ao Sistema Único de Saúde (SUS). “É importante ressaltar que não nos opomos a presença das especialidades médicas em questão em arranjos em que apoiam as equipes de saúde da família no cuidado às pessoas, na lógica de matriciamento em saúde ou cuidado compartilhado. Já era possível a presença de gineco-obstetras e pediatras nas equipes dos NASF, sendo que o Governo Federal justamente extinguiu o financiamento específico para estes Núcleos em 2019”, lembra a nota, fazendo referência ao modelo de financiamento federal para a Atenção Primária criado naquele ano e chamado de Previne Brasil. (Leia mais sobre isso aqui). “Entendemos que o fortalecimento e a qualificação progressiva da ESF e do NASF (ao contrário do desmonte que tem sido apontado nos últimos anos) é a melhor forma de expandir a APS, sem fragmentação do cuidado”, continua o texto.
Desmonte da ESF
O desmonte da Estratégia de Saúde da Família vem sendo denunciado pelo movimento sanitário desde pelo menos 2017, quando o governo federal, ainda na gestão de Ricardo Barros a frente do Ministério da Saúde, durante o governo de Michel Temer, aprovou a nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), que entre outras medidas acabou com o incentivo financeiro do governo federal para a formação de Equipes de Saúde da Família pelos municípios, além de reduzir, de quatro para um, o número mínimo de agentes comunitários de saúde (ACS) em cada equipe, bem como prever equipes sem a presença dos ACS, considerados peças fundamentais para a Estratégia de Saúde da Família uma vez que são eles que vão a casa das pessoas e permitem um olhar sobre os determinantes sociais de saúde. Para a Frente pela Vida, o Cuida Mais Brasil representa mais um passo de uma guinada em direção a um modelo biomédico de atenção primária, mais focado em procedimentos e na figura do médico, em que as pessoas é que se deslocam até as unidades quando precisam de cuidados de saúde. “Consideramos um grande equívoco que, mais uma vez, políticas do Governo Federal tendem a reforçar o paradigma biomédico no âmbito da APS, desconsiderando a sua complexidade do cuidado, não respondendo às demandas apresentadas em um cenário onde cada vez mais pessoas estão em situação de vulnerabilidade”, critica a nota da Frente que destaca que a Estratégia de Saúde da Família é um modelo “comprovadamente exitoso de APS em nosso país e que tem demonstrado melhorias fundamentais em relação aos indicadores de saúde, inclusive àqueles relacionados à saúde das crianças e adolescentes, como também à saúde da mulher e da gestação, como pode ser exemplificado em diversos estudos de relevância nacional e internacional”. Estudos que, de acordo com a Frente, vêm demonstrando, desde a década de 1960, que médicos especialistas em Atenção Primária à Saúde, chamados de Médicos de Família e Comunidade, obtêm melhores resultados de saúde do que vários especialistas atendendo a uma mesma pessoa. “Médicas e Médicos de Família e Comunidade qualificados, com trabalho em equipe, com o apoio da SBMFC e de políticas abrangentes de investimento na qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil conseguiram nos últimos anos reduzir a mortalidade infantil, reduzir o número de internações hospitalares e ampliar a cobertura do acesso à saúde, inclusive nas partes mais distantes dos grandes centros, mais carentes de recursos em geral. Estes resultados são observados também em estados e grandes cidades que investiram na Estratégia Saúde da Família e na formação e fixação de médicas e médicos de família e comunidade”, destaca a nota, completando em seguida: “A comparação com o modelo anterior, muito parecido com o proposto pelo programa apresentado hoje pelo MS, mostra a superioridade da Estratégia Saúde da Família com especialistas em APS bem formados. Ao invés de reavivar políticas e modelos ultrapassados, é preciso reafirmar o modelo Estratégia Saúde da Família como sendo mais custo-efetivo, de eficácia demonstrada, com maior impacto inclusive na redução de internações hospitalares por condições sensíveis à atenção primária”.
O Ministério da Saúde não respondeu à solicitação de entrevista enviada pela reportagem do Portal EPSJV/Fiocruz.