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Juventude imunizada é desafio

Taxa de vacinação cai proporcionalmente com o aumento da idade. Jovens são a parcela menos protegida no Brasil
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 06/09/2021 15h05 - Atualizado em 01/07/2022 09h41

Marina-Poblet - Prefeitura de Belo HorizonteO hit da vacina Coronavac, do MC Fioti, ‘Bum bum Tam tam’ foi sucesso entre os mais jovens  e ajudou, de forma espontânea, a popularizar e promover o imunizante para essa faixa etária. O próprio cantor declarou que sua música, que não foi feita de forma intencional, ajudou a unir o “funk à ciência”. Desse desdobramento, houve clipe na porta do Instituto Butantan como forma de homenagem aos trabalhadores da saúde, filtros no Instagram e milhares de novas reproduções da música em aplicativos. A Fundação Oswaldo Cruz também não ficou para trás e lançou a campanha ‘Se liga no Corona!’ direcionada aos moradores de periferias, em especial, os jovens. Entre as peças de divulgação, estão imagens para redes sociais como whatsapp e Instagram e até podcast. Por fim, no mês de agosto, o projeto Vacina Maré, também da Fiocruz, vacinou cerca de 31 mil pessoas do maior complexo de favelas do Rio de Janeiro, incluindo também o público jovem, que ainda não havia sido imunizado no restante do município. Entre os objetivos, estava avaliar como a vacina se comporta nessa faixa etária. Apesar de mais de seis meses de início da vacinação, somente em agosto, as primeiras cidades começaram a imunizar jovens contra a Covid-19. Até o fechamento desta reportagem, pelo menos 15 capitais já estavam nessa situação, entre elas Macapá, São Paulo, Manaus, Rio de Janeiro, Recife, Brasília e Porto Alegre.

Como se decide a fila da vacina

Na maioria dos países que estão com a vacinação em curso, como no Brasil, o calendário vacinal de combate à Covid-19 foi decidido priorizando-se aquelas pessoas que corriam mais risco de vida. Por isso os idosos e profissionais de saúde, estes por serem expostos diretamente ao vírus, foram os primeiros a tomar a vacina. No entanto, há exceções. Na Indonésia, por exemplo, o primeiro público-alvo foram os trabalhadores mais jovens, com idade entre 18 e 59 anos. A justificativa do presidente, segundo anunciado à imprensa à época, era que a economia não podia parar e, por isso, era preciso vacinar o quanto antes a população em idade produtiva. Também as pesquisas para a produção de uma nova vacina, historicamente, decidem por quais grupos populacionais devem começar os testes considerando o risco que a doença provoca em cada faixa etária. É o que explica Flavia Bravo, uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Imunização (Sbim),  justificando a opção da maioria dos países de iniciar os estudos e, por consequência, a vacinação de combate à Covid-19, pela população mais idosa. “Tudo depende do risco por faixa etária. Na realidade, quando você estuda uma vacina, quando verifica se há necessidade de proteção de uma população, você tem que saber a epidemiologia. Vou dar um exemplo: a doença pneumocócica não é de risco para o jovem saudável. Ele até tem pneumonia, na maioria das vezes viral, mas que não chega a representar risco de morte nem de internação. Se você está desenvolvendo uma vacina pneumocócica, está desenvolvendo para quem precisa. Quando começa os estudos clínicos, que são estudos caros, que tem que envolver cruzamento de pessoas, você direciona para aquela população-alvo”, detalha.

O professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP) e integrante da comissão de epidemiologia da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) José Cássio de Moraes destaca ainda uma particularidade no caso da decisão sobre a Covid-19. De acordo com ele, os estudos sobre vacina até o momento não foram idealizados para diminuição da transmissão e sim para a redução da gravidade dos casos. “Estudos de redução de transmissão estão sendo feitos agora, baseados na aplicação em massa da vacina em países como Israel, Inglaterra e Estados Unidos. Inicialmente, ela foi testada para evitar casos graves, hospitalização, UTI [unidade de terapia intensiva] etc. Para isso, a recomendação era principalmente para os grupos que tinham maior gravidade da doença na época da circulação das variantes. Portanto, começou pelos idosos e agora está regredindo a sua faixa etária para, de acordo com esse objetivo, reduzir o número de hospitalização e reduzir, então, as mortes”, explica. 

Moraes acrescenta ainda que agora os estudos de campo estão avaliando o comportamento da vacina para a redução de casos. “A gente já percebe que tem uma efetividade na [redução da] transmissão. Ela vai reduzir, e, em consequência, dar uma certa proteção para os indivíduos não se infectarem”, analisa. O professor lembra também que o Brasil teve experiências distintas, por exemplo, no caso do combate à H1N1. Em 2010, explica Moraes, quando surgiu a pandemia da doença, os jovens ainda não tinham sido expostos ao vírus, diferentemente dos idosos, que já estavam protegidos, por meio de vacina e por infecções anteriores. “Então, o que se fez? Vacinou-se prioritariamente os jovens. Depois você vacinou os idosos também. É isso que tem que se analisar para tomar a melhor decisão. O importante é sempre avaliar a cada caso o objetivo de acordo com a epidemiologia. A partir daí, priorizam-se os grupos”, explica. E completa: “A indicação tem que se basear nesses critérios, não pode ser uma avaliação política, no sentido minúsculo da palavra, querendo atingir objetivos que as vacinas hoje disponíveis não se propuseram a alcançar”.

Neste ano, a estratégia contra o vírus Influenza foi a mesma.  A primeira etapa da campanha, de acordo com site do Ministério da Saúde, contemplou profissionais de saúde, povos indígenas, gestantes, puérperas e crianças de seis meses a seis anos de idade, englobando, portanto, uma população mais jovem. Os idosos a partir de 60 anos e os professores foram vacinados numa segunda etapa.
 

Quais vacinas de combate à Covid-19 são direcionadas aos jovens?

Desde o início da pandemia, em março de 2020, diversos esforços em todo o mundo foram realizados para o desenvolvimento acelerado de vacinas seguras e eficazes contra a Covid-19. Segundo dados da plataforma ‘COVID-19 Open Living Evidence Synthesis to Inform Decision’, acessados em agosto deste ano, 428 vacinas estavam em desenvolvimento, 95 delas já na fase 3 dos ensaios clínicos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, há 22 vacinas contra a Covid-19 aprovadas para uso por pelo menos uma Autoridade Regulatória Nacional, mas apenas seis estão aprovadas e incluídas na Lista de Uso Emergencial da OMS: a Pfizer/BioNTech, AstraZeneca/Oxford, Janssen, Moderna, CoronaVac e o imunizante da empresa Sinopharm. Do total de vacinas em desenvolvimento, 43 incluíram nos estudos clínicos pessoas com menos de 18 anos. Dessas, 12 se encontram na fase 3 dos ensaios clínicos.

De acordo com José Cássio Moraes, as seis vacinas hoje aprovadas estão liberadas para maiores de 18 anos. “Para os menores, de 12 a 17 anos, nós temos a Pfizer, que já está liberada para essa faixa etária”, informa. Na segunda quinzena de agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) rejeitou o pedido do Instituto Butantan para o uso da vacina Coronavac em crianças e adolescentes de 3 a 17 anos. As  cidades de Rio Branco, Manaus, São Luís, Campo Grande , Rio de Janeiro e Boa Vista, até o momento em que esta reportagem foi finalizada, passaram  a vacinar crianças e adolescentes. Já outras cidades começaram a vacinar adolescentes com comorbidades, como é o caso de São Paulo e Porto Alegre. 

Como é feito o estudo

As vacinas que serão aplicadas nos jovens são as mesmas que foram desenvolvidas para uso em adultos, informa a coordenadora da Unidade de Família, Gênero e Curso de Vida do escritório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da OMS no Brasil, Lely Guzmán. “Nesse caso, o que muda é o desenho de estudo, que é adaptado para incluir crianças e adolescentes. As crianças e adolescentes, assim como os adultos, receberão a intervenção – vacina ou placebo – e serão acompanhadas por um período para avaliação dos desfechos de interesse, sejam eles clínicos ou laboratoriais”, explica. De acordo com Guzmán, a priorização desse grupo para vacinação depende, principalmente, de dois fatores: a epidemiologia da doença e a disponibilidade de vacinas. O primeiro aspecto leva em consideração as características clínicas e epidemiológicas de manifestação da doença na população, incluindo a identificação de grupos que apresentam maior morbimortalidade.

“À medida que a vacinação avança e os grupos de maior risco são imunizados, espera-se observar uma redução progressiva da morbimortalidade da doença. Com isso, outros grupos passam a ser prioritários, como jovens, adolescentes e crianças. Quando as vacinas contra a Covid-19 forem disponibilizadas para pessoas menores de 18 anos, deve-se priorizar, inicialmente, aquelas que possuem comorbidades e maior risco de morbimortalidade. Isso porque ainda há escassez de vacinas mundialmente. Depois, quando os grupos prioritários estiverem vacinados, os demais poderão ser incluídos no processo de vacinação conforme a disponibilidade de doses”, explica Lely Guzmán.

Caminhos possíveis

Flávia Bravo indica ainda que esse problema não é particular do Brasil. “A vacinação dos adolescentes e jovens é um problema mundial. Para você arrastar um adolescente para médico é a coisa mais difícil do mundo, para tomar injeção, então, é muito pior. Tanto ao redor do mundo quanto, especificamente, aqui no Brasil, a gente já vê queda de cobertura quanto mais a criança cresce. E isso é mais importante ainda em relação aos adolescentes”, explica e acrescenta: “No Brasil hoje, na minha opinião, falta comunicação, falta uma estratégia mais inteligente ou mais pensada com foco no adolescente. Não adianta ameaçar com o risco da doença, o jovem funciona de modo modular, com sua turma, portanto, devemos voltar a pensar estratégias para formar a consciência deles, com debate nas escolas. E nós temos experiência com isso. Precisamos retomar essa mobilização”, sugere.

Em 2007, os Ministério da Saúde e da Educação (MEC) criaram o Programa Saúde na Escola (PSE). Instituído em 2012, o programa propõe abordar com estudantes diversos assuntos como alimentação saudável, combate ao Aedes aegypti, práticas corporais e saúde ocular. Sua última edição, em 2019, tematizou justamente a imunização, com intuito de aumentar a cobertura vacinal no país.

O professor José Cássio Moraes concorda com a diretora da Sociedade Brasileira de Imunização e aponta que a questão se resume a uma cisão entre educação e saúde. “As duas deveriam trabalhar juntas. O jovem deve ter a capacidade de compreender a importância de ter saúde. Essa falta de sintonia entre a educação e a saúde, como se fossem coisas independentes em relação à saúde física e mental do jovem, dificulta um pouco esse processo de vacinação”, aponta. E reflete: “Como você não tem na escola um processo de educação do jovem e da família, falta uma campanha organizada e direcionada, além de uma articulação entre Ministério da Saúde com governos estaduais e municipais em relação à vacinação dos jovens”. Ele completa: “É difícil o adolescente ir a um centro de saúde, quem vai a um centro de saúde é grávida, idoso e criança pequena para vacinação. Diante disso, devemos avaliar se o centro de saúde é o melhor local para vacinar essa faixa etária. Nós podemos utilizar as escolas para vaciná-los, porque eles estão na escola. Então, esse processo exige uma integração melhor da área de educação com área da saúde, exige uma maior capacidade de divulgação da importância dessas vacinas por parte dos governos nos três níveis, para que você possa gerar uma motivação para que as pessoas possam se convencer da importância da vacina”, sugere.

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