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Leitos exclusivos para Covid19

Desde o mês de março, portarias do Ministério da Saúde estabelecem que sejam criados leitos exclusivos para o tratamento de pacientes com Covid 19. Após dois meses, a quantidade e o nível de ocupação desses e dos demais leitos não estão claros
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 28/05/2020 10h59 - Atualizado em 01/07/2022 09h42

O número de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em todo território nacional nunca foi tão debatido amplamente pela sociedade como atualmente por conta da pandemia. Apesar de um problema antigo, a desigualdade e a falta de estrutura para novas unidades  ficaram ainda mais latentes dentro do contexto atual. Estima-se, de acordo com o Painel de Leitos e Insumos do Ministério da Saúde, que existem atualmente 34.318 leitos de Tratamento Intensivo em todo país, sendo 18.564 do Sistema Único de Saúde e 15.757  da iniciativa privada.

Desde o mês de março, a Portaria nº 414  do Ministério da Saúde  autorizou a habilitação de leitos de UTI Adulto e Pediátrico para atendimento exclusivo dos pacientes de Covid-19. Para caracterizar essa especificidade, a portaria  n° 237, também do mês de março, incluiu na tabela de habilitações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), o código 26.12 para UTI  Adulto - Covid-19 e o código 26.13  para UTI Pediátrica - Covid-19, estabelecendo,  assim, normas e especificidades de cadastro desses leitos. Atualmente, de acordo com o CNES, há um total de 13.989 leitos exclusivos, sendo 3.693 do SUS e 10.296 particulares. No caso dos leitos pediátricos, somam-se 702, sendo 117 e 585, respectivamente. No entanto, o Painel de Leitos e Insumos informa que apenas 6.459 leitos gerais estão habilitados para o atendimento.

O pedido de habilitação para o custeio dos leitos Covid-19 é feito pelas secretarias estaduais ou municipais de saúde, que garantem a estrutura  física necessária para o seu funcionamento. Como indica o site do Ministério da Saúde, o órgão, por sua vez, garante o repasse de recursos destinados à manutenção dos serviços. No início de abril, o Ministério da Saúde publicou ainda a Portaria nº 568, que dobrou o valor do custo diário dos leitos privados UTI Adulto e Pediátrico de R$ 800 para R$ 1,6 mil, em caráter excepcional, exclusivamente para o atendimento dos pacientes com coronavírus.

Para a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e vice-presidente da Abrasco Bernadete Perez Coelho, apesar dos grandes esforços de gestores para correr contra o tempo para a criação de leitos exclusivos, existem outros problemas que não ajudam a revelar a real situação do sistema de saúde atual em relação aos leitos.  “Os números expostos, os dados, a falta de números da fila de espera, tudo isso ainda é obscuro e dificulta a tomada de decisão. Não temos clareza real e atual sobre os leitos todos no Brasil. Temos registros no DataSUS somados às habilitações de novos leitos por parte do Ministério da Saúde, mas não temos informações completas da iniciativa privada nem da demanda”, aponta.

Reserva de leitos

Nenhuma das portarias estabelece a quantidade ou percentual mínimo dos leitos destinados à Covid dentro de cada unidade de saúde com UTIs. No entanto, a partir de notas e prestações de contas divulgadas por governos estaduais, é possível perceber, a partir de um cálculo feito pela redação, que a taxa de ocupação média chega a 80% de leitos totais, não só os exclusivos a Covid. Para exemplificar,:  podemos pegar o caso do Espírito Santo que tem uma taxa de leitos ocupados de 78,57%, 385 do total de 490 UTIs do estado. No entanto, se pegarmos a taxa de leito habilitados para a Covid, de acordo com o painel do Ministério da Saúde, contam-se apenas 88 leitos. A taxa de leitos dedicados ao atendimento da Covid chega apenas a 22% do número total de demanda por leitos de Covid 19 atual no estado.

De acordo com Bernadete Perez Coelho, apesar da existência de leitos exclusivos, a divisão não é estabelecida de forma simples. “As doenças não pararam de acontecer e é necessário continuar dando atendimento a casos graves. O que se tem feito para não colocar pacientes com outras doenças em risco é separar hospitais. Hoje temos hospitais com atendimento exclusivos para Covid e outros para doenças como câncer e pediátricos”, explica. A especialista lembra ainda dos números de leitos totais disponíveis. “De acordo com a  Organização Mundial de Saúde, são necessários em tempos de pandemia um a três leitos de UTI adulta por 10 mil habitantes. A média nacional, a partir de dados do DataSUS atualizados em fevereiro deste ano, é de 1,52 leitos e 5,89 não SUS SUS por 10 mil habitantes em todo o território nacional. Se pegarmos por estados, Pernambuco, por exemplo, tem 0,79 leitos SUS para 4,86 leitos privados; já o Paraná - considerado com melhores condições -, tem 1,07 leitos SUS e 2,77 privados. O Amapá, por sua vez, considerado com piores condições, tem 0,14 leitos SUS e 5,23 privados. Essa avaliações servem para vermos as disparidades e as iniquidades nacionais e regionais”, afirma Bernadete. Vale lembrar que esse cálculo não leva em conta os hospitais de campanha que começaram a ser entregues em abril.

Para a integrante do Observatório de Política e Gestão Hospitalar e doutora em saúde pública Juliana Machado, o isolamento social é fator crucial também para a discussão dos leitos porque contribui não só para a redução do contágio como para ocupação de leitos com urgências e emergências. “Outro fator importante de se levar em consideração é  a disponibilidade de leitos para a  realização de cirurgias e atendimentos eletivos, por conta da da mudança de orientação desses cuidados. Se eu tenho uma cirurgia que pode esperar, a orientação é que não seja realizada”, explica e complementa: “Na rede privada isso é mais drástico porque,  a partir das orientações da ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar],  as operadoras não estão autorizando esse tipo de procedimento. Antes as operadoras tinham um prazo de autorização do procedimento ou de resposta. Com a pandemia, esse prazo foi suspenso. O que tem acontecido são mais cirurgias de urgência e emergência, as eletivas estão praticamente suspensas. Isso tanto no público quanto no privado. Com isso, a ocupação de leitos para outras doenças caiu tanto na proporção quanto no volume”, analisa.

“Na prática a gente não sabe bem o que está acontecendo em relação à ocupação. É uma informação que todo mundo quer. É uma informação de ouro”.

Juliana lembra ainda que, em tese,  o caminho inverso não é possível. Se, em uma situação hipotética, os leitos exclusivos de Covid-19 estiverem desocupados, pacientes com outras doenças não podem ocupá-los devido a sua especificidade. “A orientação sanitária é de que leitos destinados à Covid não sejam usados por outros pacientes. Mas na prática assistencial isso pode ser alterado. Teoricamente, esses leitos específicos de Covid deveriam estar numa ala separada. Então, mesmo que faça parte da mesma UTI, é necessário que se faça algum tipo de separação. Todo esse detalhamento está citado nas normas específicas para a criação desses leitos”, fundamenta e reflete: “Na prática a gente não sabe bem o que está acontecendo em relação à ocupação. É uma informação que todo mundo quer. É uma informação de ouro”.

 

 

Como se faz a conta

O número de leitos disponíveis totais e para a Covid-19  é calculado a partir do CNES, um sistema de informação sobre todos os estabelecimentos de saúde no país, públicos e privados. É a partir das informações disponíveis que são tomadas decisões, feito o planejamento e publicizaçao para toda a sociedade da disponibilidade de serviços, força de trabalho e capacidade instalada dos estabelecimentos de saúde e territórios. A portaria 1.646/2016, que instituiu o CNES, esclarece, em seu artigo 4°, que o cadastramento e a manutenção dos dados cadastrais são obrigatórios “para que todo e qualquer estabelecimento de saúde possa funcionar em território nacional, devendo preceder aos licenciamentos necessários ao exercício de suas atividades, bem como às suas renovações”. Para realizar um cadastro de UTI, por exemplo, é preciso seguir normas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e receber uma habilitação do Ministério da Saúde.

“Para receber financiamento do SUS, o leito de UTI precisa estar habilitado. A partir dos novos códigos criados em março, podemos consultar especificamente os leitos disponíveis para Covid, tanto adultos quanto pediátricos”, explica Juliana, que acrescenta: “Mas os pacientes com esse diagnóstico não necessariamente estarão somente nesses leitos. Podem utilizar outros leitos clínicos, cirúrgicos ou UTI adulto comum, dependendo da necessidade e de eles estarem aptos para receber os pacientes”.

Já o controle da ocupação desses leitos passa por mecanismos que estão sendo desenvolvido ao longo da pandemia. Até o momento, apontam as especialistas, a informação mais precisa é o consolidado do painel disponibilizado pelo Ministério da Saúde. “A maior fonte é o Sistema Notifica do Ministério da Saúde,  que já é usado para disponibilizar casos e está sendo implementado para a ocupação. A partir dele, gera-se a informação para o painel de insumos e leitos. Então, todos os hospitais que atendem por meio do SUS têm a obrigação de informar a ocupação. Isso ainda está em negociação com a rede privada porque, apesar de a portaria falar de todas os estabelecimentos do Brasil, ela deixa brechas. Por enquanto, o que a gente tem da rede privada é um levantamento que foi feito com operadoras de rede verticalizada  e publicado no site da ANS, mas são dados gerais. Não tem muito detalhe. Para os demais, isso ainda está em discussão por meio de um formulário a ser preenchido ou o mesmo sistema do SUS que é o notifica”, explica Juliana. 

Como também pode ser visto na reportagem ‘Público e privado: contradições na estratégia de combate à pandemia' publicada pelo Portal EPSJV/Fiocruz, as informações sobre leitos privados ainda é uma incógnita. A própria Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) informou que a taxa de ocupação de leitos seria 90% por meio de um “levantamento pontual” feito especificamente com 14 hospitais do Rio de Janeiro. Como informa a matéria, o texto não apresenta informação sobre nenhuma outra cidade ou estado.

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