Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Medo da tortura ainda é grande entre os brasileiros

Pesquisa da Anistia Internacional feita em 21 países apontou que 80% dos brasileiros temem ser torturados caso detidos pela polícia.
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 22/05/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Quatro em cada cinco brasileiros temem ser torturados caso sejam detidos pelas autoridades do país. Essa é uma das conclusões de pesquisa divulgada na semana passada como parte da campanha ‘Stop Torture’, lançada pela organização não governamental Anistia Internacional como forma de chamar a atenção para a atualidade deste problema. Em meio a um contexto em que o país volta a discutir a validade da lei que anistiou militares que torturaram e mataram dissidentes políticos durante a ditadura, os resultados da pesquisa apontam que, quase três décadas após a reabertura democrática, a percepção de que a tortura é uma prática cotidiana no país ainda é forte entre os brasileiros. Reforçam isso os casos recentes de pessoas torturadas por agentes do Estado, como o do pedreiro Amarildo Souza Lima, no Rio de Janeiro.

A pesquisa ouviu 21 mil pessoas em 21 países entre dezembro de 2013 e abril de 2014 e colocou o Brasil em primeiro lugar no ranking de países onde a população mais teme ser torturada por agentes do Estado. Segundo o levantamento, 80% dos entrevistados no Brasil afirmaram não se sentir seguros de que não seriam torturados casso fossem presos. Em segundo lugar ficou o México, com 64%, seguido pelo Quênia, com 66%. No outro extremo, 15% dos britânicos, 16% dos australianos e 21% dos canadenses afirmaram temer a tortura. Na média dos países ouvidos pela pesquisa – que incluiu ainda países como México, Paquistão, Nigéria, Estados Unidos, Coreia do Sul, Argentina e Chile - essa proporção foi de 44%. A pesquisa também apontou que pouco mais de um terço (36%) dos entrevistados em todos os países responderam que a tortura é necessária e aceitável em alguns casos para obter informações que possam proteger o público. No Brasil, 19% das pessoas afirmaram ter esse ponto de vista. Na China e na Índia, esse percentual foi de 74%, seguido pelo Quênia, com 66%. Os números contrastam com outros dados presentes na pesquisa encomendada pela Anistia Internacional, que concluiu também que a grande maioria das pessoas acredita que o uso da tortura é sempre imoral e que deve haver leis internacionais claras contra essa prática: no Brasil, esse percentual foi de 83%, semelhante à média global, que foi de 82%.

No título do relatório que acompanha a pesquisa, La Tortura en 2014: 30 años de promesas incumplidas , a Anistia Internacional faz referência à assinatura da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, assinada em 1984 no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a entidade, a convenção, hoje subscrita por 155 países, trouxe avanços na área, ao estabelecer uma série de medidas para prevenir, punir quem a pratica e garantir reparação às vítimas da tortura. O Brasil assinou a convenção no ano de 1991, e seis anos depois foi aprovada a lei 9.455, que define o crime de tortura como o ato de “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”, ou “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. As penas para os crimes previstos na lei vão de dois a oito anos de prisão.

No entanto, a Anistia Internacional alerta que, entre janeiro de 2009 e maio de 2013, documentou inúmeros casos de tortura cometida por agentes do Estado em 141 países. No Brasil, afirma o relatório, o número de denúncias de abuso policial envolvendo as manifestações de rua e incursões militares nas favelas vem aumentando no contexto da preparação brasileira para a Copa do Mundo. A Anistia cita o caso do pedreiro Amarildo Souza Lima, torturado e morto por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro, cujas investigações implicaram 25 policiais militares, incluindo o comandante da UPP na época, que aguardam julgamento pelos crimes de tortura, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. Entretanto, a Anistia Internacional alerta que são raros os casos de torturadores condenados por seus crimes, uma vez que a tortura é, em geral, subnotificada. Isso porque a grande maioria das vítimas são pessoas pobres sob as quais recaem suspeitas de terem cometido crimes, e que acabam não apresentando queixas por medo de retaliações ou por não terem recursos financeiros para fazê-lo. Mesmo quando o fazem, afirma o relatório, os governos tendem a investir mais esforços em negar ou acobertar a tortura do que na investigação das denúncias.