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Metamorfoses no mundo do trabalho

Mudanças e desafios para o mundo do trabalho foi tema de mesa no Simpósio Internacional Trabalho e Educação na Saúde no pré-Abrascão
Portal EPSJV - EPSJV/Fiocruz | 25/07/2018 11h42 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

As metamorfoses no mundo do trabalho foram tema de uma das mesas do 2º Simpósio Internacional Trabalho e Educação na Saúde, que fez parte das atividades preliminares do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão), no dia 24 de julho, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Coordenado pela professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Mônica Vieira, o debate reuniu as professoras Ana Paula Marques, da Universidade do Minho/Portugal, e Márcia Teixeira, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz). “Buscamos colocar, no centro do debate, os dilemas e dificuldades do mundo do trabalho. Tentamos entender por que, durante muito tempo, foi difícil dizer claramente que quem trabalha com o SUS também sofre os constrangimentos do mundo do trabalho. A sociedade demorou a falar isso de uma forma mais aberta”, ressaltou Mônica.

Ana Paula discutiu as transformações político-organizacionais comuns aos países do Sul da Europa, com destaque para Portugal, e suas consequências nas relações de trabalho, levando em consideração o “olhar” dos profissionais da saúde. Segundo ela, há uma desvalorização da força de trabalho e uma descaracterização do mundo do trabalho como consequência do ajustamento estrutural à crise econômico-financeira global. Ana Paula citou algumas características fundamentais da Indústria 4.0, a chamada Quarta Revolução Industrial, que aponta para a introdução de novas tecnologias que poderiam substituir a mão de obra humana. “Teremos futuros digitalizados, acelerados e desiguais. A Indústria 4.0 reúne dimensões como a onipresença dos sistemas de informação, a desmaterialização de processos e o grande volume de informações”, apontou Ana Paula, que acrescentou que com isso, teremos profissões extintas: “Com a Indústria 4.0, profissões com know how imenso serão expostas às mudanças em suas configurações. A destruição do trabalho será sem precedentes”.

Ana Paula alertou ainda para a possibilidade de um futuro ainda mais desigual: enquanto atualmente 55% da população vive em cidades, essa proporção subirá 2/3 da sociedade em 2050. “Isso trará um acentuado envelhecimento demográfico, doenças crônicas e multipatológicas e enormes desigualdades sociais e territoriais”, afirmou.

Sobre os sistemas de saúde dos países do Sul da Europa, Ana Paula afirmou que o público nunca foi assumidamente público, porque há pagamento de taxas moderadas nos serviços de saúde. “Em Portugal, nosso Sistema de Saúde foi instaurado em 1980 com um mix entre o público e privado e permanece assim desde então”, caracterizou a professora, que apontou também uma tendência de desqualificação do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e de privatização na saúde, que seria explicada pela recuperação da crise econômica.

Através de depoimentos de profissionais da saúde dos países do Sul Europeu, Ana Paula observou uma tendência de desregulação e desvalorização das relações de trabalho. “No caso de Portugal, apesar da melhoria dos indicadores de saúde, a agenda governamental conflita com a missão de um SNS universal a serviço da saúde portuguesa. Reduções salariais, congelamento de carreira, instabilidade contratual, desmotivação profissional, intensificação do ritmo de trabalho e desqualificação dos serviços são alguns dos sinais não visíveis de desregulação e desvalorização estrutural da força de trabalho”, alarmou.

Márcia Teixeira, da ENSP/Fiocruz,falou do mercado de trabalho em Saúde no Brasil e das mudanças “disruptivas”, ou seja, produtos ou serviços que criam um novo mercado e desestabilizam os concorrentes que antes o dominavam. A professora destacou que as empresas da Indústria 4.0 estão implementando um modelo, uma nova forma de se relacionar no mundo do trabalho. De acordo com Márcia, essa nova forma se dá pela economia do compartilhamento, a ‘Uberização’, que amplia a agenda de desregulação e causa uma maior externalização dos empregados, que segundo ela, passam a realizar suas tarefas sob demanda. “Não há mais empregado, é autônomo. A ideia começa com uma lógica de complementação de salário, mas, na atual conjuntura do estado do Rio de Janeiro, as pessoas estão usando essa forma como a única possível de sustento”, definiu.

A professora alertou para o fato de a ‘Uberização’ ter chegado ao setor saúde. Ela deu o exemplo da Inglaterra, onde no próximo ano, os profissionais de enfermagem trabalharão por aplicativos de celular. “Tem plantão em tal hospital, então o enfermeiro vai lá, faz e irá receber pelo que trabalhou”, explicou. No Brasil, segundo Márcia, algumas empresas da saúde já estão adotando esse sistema com médicos que podem ser solicitados por ‘Apps’. “Só em São Paulo, o Docway, que é um ‘App’ pelo qual o paciente marca a consulta e o profissional vai até ele, já tem 270 especialistas. Com um valor alto de consulta, aparentemente trabalhar assim parece ser atraente, mas até que ponto essa forma de organização do trabalho implica mudanças disruptivas no nosso mercado de trabalho em saúde? De que forma esse trabalho está sendo regulamentado?”, questionou.

Como propostas no plano institucional, Márcia sugeriu que sejam criados dispositivos legais para evitar que esse modelo de contratualização e fomento não utilize a busca pela economicidade e flexibilidade na oferta de serviços de saúde, por meio da redução dos direitos trabalhistas. “É importante também que, nos processos de qualificação para o trabalho, sejam introduzidos conteúdos que ampliem o conhecimento dos trabalhadores sobre organização, as relações e regras do mercado de trabalho com as quais os trabalhadores irão se defrontar”, finalizou.

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