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O desafio das redes

MS investe na implementação de redes prioritárias de atenção à  saúde, coordenadas e ordenadas pela atenção básica
Maíra Mathias - EPSJV/Fiocruz | 19/05/2011 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Durante o mês de março, a atual gestão do Ministério da Saúde (MS) deu os primeiros passos para a estruturação do que vem sendo chamado de redes prioritárias de atenção, principal aposta do ministro Alexandre Padilha para atingir a meta proposta em seu discurso de posse, quando colocou no centro das ações do órgão a garantia do acesso aos serviços com qualidade e no tempo adequado às necessidades da população. Com o lançamento, no dia 22, do Programa de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo do Útero e de Mama e, no dia 28, da Rede Cegonha, os brasileiros foram apresentados a duas das quatro linhas de cuidado identificadas como prioridade ainda na campanha presidencial da então candidata Dilma Rousseff.

“Por compromissos de governo, nós elegemos como prioridade a rede de atenção à urgência e emergência; a rede de saúde mental, incluindo o cuidado à dependência química em álcool e outras drogas, principalmente o crack; a rede de assistência à mulher e à criança, com ênfase na assistência pré-natal e pós-natal; e a rede de atenção oncológica, que começa dentro do espectro da atenção integral à saúde da mulher, mas também vem no sentido de mudar a lógica de atenção ao conjunto dos cânceres nos vários territórios do país, incluindo a cobertura de vazios assistenciais”, afirma Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde do MS. Para além de incentivar a estruturação de linhas específicas de cuidado, Helvécio explica que o objetivo principal da pasta é fazer com que essas redes sejam  coerentes em e entre si. “Hoje no Brasil existem 500 regiões de saúde razoavelmente demarcadas. A ideia é articular com clareza os papéis de cada ponto de atenção na rede, desde a unidade básica até o hospital, e estabelecer um fluxo entre eles”. Você deve estar se perguntando como se dá essa liga que une um ponto ao outro. O secretário da SAS responde: “A partir do acompanhamento permanente da vida dos usuários vinculados à atenção básica, que precisa ser cada vez mais qualificada para se portar como centro coordenador”. Ainda sim, para entender a estratégia do Ministério da Saúde é preciso voltar lá atrás e começar por uma pergunta ainda mais simples: por que apostar em redes?

Por que redes?

“Nós vamos fazer redes porque é o único arranjo organizacional que responde aos desafios de saúde das nossas populações”. A afirmativa é de Renato Tasca, coordenador da unidade técnica de Serviços de Saúde da representação brasileira da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), que explica que a estratégia das redes é uma tentativa atual para se enfrentar alguns dos desafios que surgiram nas últimas décadas graças ao modelo de desenvolvimento hegemônico na maior parte das nações. “Quando a coerência entre a situação de saúde e o sistema de saúde se rompe, instala-se uma crise. Hoje, nós temos uma situação de saúde do século 21 sendo respondida por um sistema do século 20”.

Isso porque os sistemas de saúde foram organizados para atender às condições agudas, vigentes no século passado. “Quando os serviços de saúde surgiram no mundo, ainda vigoravam as doenças agudas e o hospital tinha um papel central. As pessoas adoeciam  principalmente por infecções causadas por vírus, bactérias, pela falta de higiene e de vacinas. Hoje, cerca de dois terços dos casos são condições crônicas, que requerem um outro tipo de atendimento”, diz Tasca. Um bom exemplo do descompasso é bastante próximo da realidade dos brasileiros. Segundo a última pesquisa Vigitel divulgada pelo Ministério da Saúde em abril, 48% dos adultos do país estão acima do peso adequado e, destes, 15% são obesos. Há cinco anos, quando a pesquisa começou a ser feita, essa proporção era,  respectivamente, de 42% e 11%. Mas, no que isso influi no sistema de saúde? “É sabido que há significante inter-relação entre diferentes condições crônicas: a obesidade aumenta o risco de desenvolver diabetes que, por sua vez, aumenta a chance de complicações como ataque cardíaco, AVC, cegueira e disfunção renal”.

De acordo com Renato, a doença aguda tem dois desdobramentos possíveis: a morte do doente ou sua completa cura. “Mas diabetes e hipertensão, doenças crônicas, não têm cura, mas sim controle”, lembra Tasca. Ainda segundo ele, essas doenças significam cuidados de  longo prazo. “Se o diabético segue uma dieta adequada, toma os medicamentos e mantém o peso abaixo de um certo padrão, vai reduzir ao mínimo as chances de complicações, como pé diabético, perda da visão, etc. Mas, ao contrário, se não existem esses cuidados, a doença vai acabar com ele e também com o sistema de saúde porque ele vai internar por um pé diabético, depois de seis meses vai ser internado de novo ao fazer um problema cardiovascular e assim por diante”. “O país mudou, mas continua com aquele modelo de vinte anos atrás. Quando chegamos nos estados percebemos que se o cidadão tem um problema agudo ele é resolvido, mesmo que demore. Mas quando é um quadro crônico não”, concorda Maria José Evangelista, assessora técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Ela lembra que o quadro brasileiro é complexo. Hoje, as tendências das causas de óbito no país corroboram um processo de transição epidemiológica, que combina o impacto do crescimento das doenças crônicas com aumento de eventos agudos causados pela violência e  s
acidentes, principalmente de trânsito. Tudo isso contribui para a configuração do que vem sendo chamado de tripla carga de doenças, já que ainda não superamos algumas doenças infecciosas e parasitárias – como tuberculose e malária –, e seguimos acumulando causas externas e condições crônicas. Além disso, o Brasil, a exemplo de outros países, também vive uma transição demográfica, com um rápido envelhecimento de sua população.

Maria José explica ainda que as condições crônicas devem ser entendidas em um contexto ampliado. “Por exemplo, o pré-natal é considerado uma condição crônica. A atenção à criança e ao idoso também, porque são fases da vida em que se necessita de cuidados  contínuos. O desafio é dar uma guinada no atual modelo, que só privilegia condições agudas e demanda espontânea, para um que dê conta das crônicas também”. 

Na opinião de Renato Tasca, apesar do subfinanciamento do Sistema Único de Saúde que impede sua consolidação efetiva – o gasto público em saúde dentro do total do gasto na área é de 41% no Brasil, enquanto que nos países com sistemas de saúde públicos universais esse percentual é superior a 70%, como na Espanha (71%), na Alemanha (76%) e no Reino Unido (81%), só para ficar em alguns exemplos – a saída não é pura e simplesmente gastar mais. “Se só dinheiro revolvesse o problema, os Estados Unidos teria o melhor sistema de saúde do mundo. Infelizmente é um país no qual entre 20 e 40 milhões de pessoas estão desprovidas, sem acesso”. Tanto para Renato quando para Maria José a passagem de um modelo fragmentado para um integrado tem como chave a constituição de redes a partir do fortalecimento da atenção primária em saúde.  

APS: ordenadora e coordenadora

“A APS é quem assume a responsabilidade sanitária pela população de um dado território. A equipe da unidade básica de saúde adscreve essa clientela, verificando quantos homens e mulheres, quantos idosos, adultos, adolescentes e crianças, quantas grávidas, quantos hipertensos, diabéticos e por aí vai”, explica Tasca, completando: “Só a APS dispõe dos instrumentos necessários para a prevenção e a promoção da saúde, ou seja, pode contribuir para que a pessoa que já enfartou não enfarte de novo ou promover uma adesão tal que faça com que a pessoa que tem o risco não enfarte”. 

“Se nós não tivermos uma atenção básica de qualidade, que seja eficaz, com prioridade para a promoção e prevenção, estaremos sobrecarregando os demais níveis de atenção como UPAS [Unidades de Pronto-Atendimento 24 horas] e hospitais. Com isso, o sistema se torna ineficiente e ainda mais oneroso”, pondera Rodrigo Lacerda, assessor técnico do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Para exercer seu papel na rede, a atenção básica deve dispor de condições para planejar os demais níveis de atenção a partir da identificação das necessidades de saúde da população, como, por exemplo, quando um usuário adscrito no território precisa fazer uma cirurgia
eletiva ou um exame diagnóstico. 

Renato lembra que uma parte dos desafios para o fortalecimento da atenção básica passam por soluções tecnológicas, mas não só. “Da perspectiva operacional, o maior desafio é fortalecer os chamados sistemas de suporte da atenção básica – logísticos e os de apoio (veja o quadro abaixo). Ao mesmo tempo, a dificuldade é fazer com que a equipe trabalhe na lógica do prontuário eletrônico. Se o trabalhador não sabe classificar o risco e usar os sistemas de alerta que avisam quando o paciente tem que acessar algum serviço fora do escopo da atenção primária, o cuidado não se dá”.

No entanto, o pesquisador da Opas ressalta que o Brasil está no caminho certo ao investir na Estratégia de Saúde da Família como modelo de atenção básica. “No específico do SUS, a Saúde da Família gerou enormes benefícios para a sociedade brasileira, salvando crianças da morte prematura, por exemplo. E tudo isso aconteceu em 15 anos. O PSF demonstra muito claramente como, em pouco tempo, se pôde obter resultados altamente expressivos com evidências científicas sólidas”, diz.

Maria José lembra que, além dessas questões, as equipes de atenção básica enfrentam obstáculos que ultrapassam sua esfera de atuação e estão no âmbito da gestão e organização regional dos serviços. “Ainda temos muita fragilidade quando, por exemplo, o município  precisa enviar o paciente para um serviço mais complexo de apoio diagnóstico. Muitos continuam enviando a população para as capitais, quando isso poderia ser organizado no âmbito da região – e precisamos lembrar que as redes atuam na lógica regional –, então essa é outra fragilidade”, aponta. O assessor do Conasems concorda: “A construção da rede de atenção envolve uma articulação intermunicipal e, às vezes, interestadual e isso a gente ainda tem dificuldade de organizar”. 

Maria José lembra que, para o sistema se organizar por região, uma condição fundamental é a coordenação exercida pelas secretarias estaduais de saúde, inclusive com investimentos e recursos. “Com a municipalização, de uma hora pra outra as responsabilidades,
principalmente da atenção primária, passaram a ser do município e os estados não se responsabilizaram. Hoje, a gente entende que isso foi um equívoco: é inegável o papel do estado na coordenação dos sistemas e na regionalização. Se o sistema é solidário, os entes e os gestores têm que pactuar e trabalhar por região de saúde”.

Segundo a assessora técnica do Conass, para que esse planejamento ocorra é essencial que instrumentos como o Plano Diretor de Regionalização (PDR) sejam fortalecidos por meio da atuação dos Colegiados de Gestão Regional (CGRs), que funcionam como espaços de pactuação de municípios de uma mesma região de saúde. “Para implantar a rede é fundamental que esse plano seja atual e atenda o fluxo das pessoas. Além disso, a gente percebe que os municípios pequenos às vezes querem ter tudo, quando o objetivo é que a região se organize e aumente sua capacidade de ofertar serviços”.

Para auxiliar esse processo, Maria José conta que o Conass elaborou dois tipos de oficinas para os estados: de redes e de planificação da atenção primária. “A planificação da APS é entendida como um processo de planejamento da atenção à saúde que leva em  consideração todas as suas etapas, estabelece os objetivos a serem atingidos, mas igualmente faz a previsão das diversas etapas do financiamento e das ações necessárias para o seu alcance e, eventualmente, a descrição da estrutura dos organismos a serem criados em vistas desta realização”.

Marco normativo

Desde 30 de dezembro do ano passado, o país dispõe de um instrumento normativo que estabelece diretrizes para a organização das redes de atenção. E é a partir das diretrizes dadas pela portaria nº 4.279 que o Ministério da Saúde lançou, em 10 de março, o Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade de Rede de Saúde (QualiSUS-Rede). Com recursos de R$ 1,1 bilhão – R$ 700 milhões são financiados pelo MS e o restante pelo Banco Mundial (BIRD) –, o QualiSUS-Rede tem a missão de implantar 15 redes regionais e temáticas de atenção à saúde até 2015, quando termina a primeira fase do projeto. Até 2020, estão previstos investimentos de R$ 2,3 bilhões.

Serão 10 experiências em regiões metropolitanas e cinco em regiões diversas, que o Ministério da Saúde pretende que sejam: amazônica, semi-árido, interestadual (na divisa de dois estados); internacional (na divisa de algum estado com uma fronteira internacional) e agropecuária com atividade intensiva. 

De acordo com o diretor do Departamento de Economia da Saúde e Desenvolvimento da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (DESD/SE), Adail Rollo, a implantação de redes em regiões tão diferentes denota desafios específicos. “Estamos nos referindo a regiões que
abrigam entre 500 mil a cinco milhões de habitantes. Daí a necessidade de buscarmos sinergia e o compromisso de todos os entes envolvidos nesse projeto. Precisamos estabelecer uma contratualização no âmbito da região de saúde, pois hoje temos o fornecimento e a distribuição de recursos técnicos, de alto custo e com concentração desigual. Temos que avançar nos arranjos organizacionais para elevar o desempenho e fortalecer processo de regionalização”, afirma.

Adail explica que o QualiSUS-Rede guarda interface com as redes prioritárias enunciadas por Helvécio no início da matéria. “O alinhamento entre as linhas de cuidado, vistas como prioritárias para o governo, e os subprojetos a serem desenvolvidos nas regiões de saúde
selecionadas certamente ocorrerá. Até porque é no município sede das regiões metropolitanas que se concentra a maior parte dos serviços de diagnóstico, leitos hospitalares, equipes de profissionais, conhecimento e tecnologia, portanto, os objetivos são comuns”.

Segundo o diretor do DESD, o projeto envolve também uma gestão eficiente da educação em saúde, como prevê a portaria nº 4.279. Nesse sentido, no campo da educação profissional de nível médio em saúde, um dos critérios de escolha das regiões, que ainda não estão definidas, é se o município tem ou não pactuado cursos do Programa de Formação de Profissionais de Nível Médio para a Saúde (Profaps), conforme informa Clarice Ferraz, coordenadora-geral de Ações Técnicas em Educação da Saúde do Departamento de Gestão da Educação na Saúde da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (Deges/SGTES) e membro do comitê de implantação do QualiSUS-Rede. 

Formação para redes

Sigisfredo Luis Brenelli, diretor do Deges, explica que de nada adianta implantar redes se não houver profissionais qualificados para essa atuação. “Nesse sentido, o SUS deve ser visto como cenário de ensino-aprendizagem e o aparelho formador deve se voltar para as
necessidades expressas pelo Sistema. Um exemplo disso são as Escolas Técnicas do SUS”.

Algumas experiências no âmbito da RET-SUS ilustram o significado dessa ‘formação para a rede’. Uma delas vem da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) que desde 2008 qualifica enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem para o Projeto de Valorização da Enfermagem da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Resultado da demanda dos próprios trabalhadores, a ação já alcançou mais de mil profissionais com o curso de qualificação em Urgência e Emergência para a Rede Assistencial Básica de Saúde.

 “O curso proporciona uma visão da organização da rede, tratando do conceito de urgência e revisando quais são as políticas de urgência vigentes hoje, tanto a nível nacional quanto na esfera municipal”, afirma Raquel Cardoso, referência técnica da formação pela ESP-MG. O curso tem dois módulos para os enfermeiros, com 20 horas o primeiro e 40 horas o segundo e é estruturado em um módulo de 30 horas para auxiliares e técnicos.

O casamento entre a formação e o público-alvo foi promovido com o objetivo de garantir uma maior resolutividade aos casos agudos que chegam aos postos municipais. “Percebeu-se que a atenção básica também atende a urgência. Não são só as UPAs e os hospitais que recebem esse tipo de demanda. Nesse sentido, para além de uma carga teórica, o curso tem um momento prático”. 

Nos laboratórios da unidade Geraldo Campos Valadão, espaços localizados na sede da ESP-MG equipados com aparelhos e bonecos para a prática segura, os alunos entram em contato com temas específicos, como
reanimação cardio-pulmonar em adultos e crianças e avaliações iniciais do trauma. “Nós sabemos que às vezes a unidade básica não tem condições estruturais para resolver o caso, mas o profissional que detém o
conhecimento em urgência é capaz de qualificar o atendimento daquele usuário que procurou o posto antes dele ser encaminhado para uma unidade específica”. 

A integração entre unidades básicas e unidades fixas de urgência também é pauta do curso, que promove uma visita dos enfermeiros em fase de qualificação até as Unidades de Pronto-Atendimento. “Depois da quarta aula eles vão para as Unidades de Pronto-Atendimento que são referência territorial fazer um reconhecimento. Lá eles conhecem todo o fluxo da unidade para entender por onde o usuário passa quando é encaminhado pela unidade básica para a UPA”.

É também a partir da necessidade de fazer com que duas áreas se integrem para qualificar as ações da atenção básica em consonância com uma demanda do SUS que o município do Rio de Janeiro passou a investir na
formação de agentes de vigilância em saúde em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) desde o ano passado. 

“A portaria 1.007 do MS [publicada em 4 de maio de 2010], determinou a incorporação desses agentes na atenção básica à saúde. A portaria incentiva, inclusive, que eles integrem as equipes da Estratégia de Saúde da Família. A formação desse trabalhador, nesse sentido, se tornou estratégica para a gestão municipal, para que, de fato, haja uma mudança na forma de trabalhar e cuidar da vida das pessoas”, afirma o subsecretário de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, Daniel Soranz. A ideia é que o processo de trabalho dos agentes seja dividido em 10 turnos, com seis visitas domiciliares, dois turnos de ações educativas, um turno para reunião com a equipe da ESF e um turno para ações de bloqueio.

Mauro Gomes, coordenador do projeto pela EPSJV, dá exemplos de como o agente de vigilância em saúde pode atuar de maneira apartada e o que isso pode acarretar: “Na ESF, o território é dividido em microáreas onde o agente comunitário de saúde fica responsável por um certo conjunto de famílias. Em seu processo de trabalho, ele deve ficar atento ao processo saúde-doença que ocorre no grupo familiar, mas não necessariamente observa se no entorno daquele domicílio existem criadouros de mosquito de dengue, por exemplo, enquanto que o agente de vigilância em saúde tem um olhar para o entorno, seu objeto de trabalho é o ambiente. Ás vezes ele não observa que há uma pessoa com quadro suspeito de tuberculose e, mesmo que isso aconteça, não sabe o que fazer com aquela informação porque foge do seu objeto de trabalho”.

A ideia é que o agente em vigilância, inserido em uma equipe ampliada, tem mais possibilidades de fazer, junto com os outros profissionais, a gestão do território. Com carga horária de 400 horas, o curso deve qualificar os cerca de 2.280 agentes do município divididos em 47
turmas. Estruturado em sete módulos, com momentos presenciais, aulas intra-módulos e estudos dirigidos, um dos destaques do curso é a realização de um trabalho de campo, que é orientado por tutores. 

“No Proformar, é proposto como eixo integrador no processo de formação o desenvolvimento de um trabalho de campo Ao longo do curso, a partir das referências dadas pelos vários módulos, ele faz uma seleção de um ou alguns problemas prioritários e faz um plano de ação para enfrentar o problema”, explica Mauro. Os trabalhos serão selecionados em uma mostra que terá três etapas – local, regional e municipal – e, ao final do processo, os melhores trabalhos serão financiados pelo município para que sejam implementados de fato.

Rede Cegonha

Lançada em Belo Horizonte, tem como meta atender a todas as gestantes do país – hoje são aproximadamente 3,2 milhões e, destas, mais de dois milhões já são assistidas exclusivamente pelo SUS. A ideia é que o programa garanta assistência, desde a confirmação da gravidez, passando por, no mínimo, seis consultas durante o pré-natal, até o parto e, depois, durante os dois primeiros anos de vida do bebê. Também prevê a qualificação dos profissionais de saúde, tanto na atenção primária quanto em serviços de urgências obstétricas.

Com recursos anunciados de R$ 9,397 bilhões até 2014, o programa funciona por adesão de estados e municípios. Embora a meta seja levar as ações anunciadas a todo o país, inicialmente, o cronograma de implantação priorizou a Amazônia Legal e o Nordeste, que detêm os maiores índices de mortalidade materna e infantil, e as regiões metropolitanas, que têm maior concentração de gestantes.

De acordo com o ministro Alexandre Padilha, os recursos serão investidos “em toda a rede de serviços, que devem assumir o cuidado à gestante e à criança, desde a unidade básica de saúde, passando pelos serviços de apoio diagnóstico até o parto nos leitos maternos do SUS”. Novas estruturas, como Casas da Gestante e do Bebê, que dará acolhimento e assistência às gestantes de risco, e Centros de Parto Normal, também estão previstas.

Rede Oncológica 

O Programa de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo do Útero e de Mama, lançado em Manaus, faz parte da Política Nacional de Atenção Oncológica, que deve receber investimentos de R$ 4,5 bilhões até 2014. Os recursos estão divididos em quatro segmentos, sendo que o maior montante – R$ 3,2 bilhões – será destinado à ampliação e fortalecimento da rede oncológica. A linha de cuidado voltada para o câncer de mama deve receber R$ 867,3 milhões, a de útero R$ 382,4 milhões e R$ 24 milhões estão direcionados para ações de informação à população.

De acordo com o MS, o câncer de mama é o que mais causa mortes entre a população feminina. Por isso, o objetivo é garantir a ampliação do acesso aos exames de rastreamento do câncer para o público-alvo, mulheres com idade entre 50 e 69 anos, beneficiando 3,8 milhões anualmente. A meta é reduzir a janela entre o diagnóstico e tratamento para, no máximo, 60 dias.

Para prevenir e combater a incidência de câncer de colo de útero, quarta modalidade de câncer que mais mata as mulheres, o MS propõe uma série de ações, com ênfase na mudança no modelo de financiamento dos exames citopatológicos e no aumento do controle de qualidade desses exames, passando pela própria ampliação da rede especializada e também pela capacitação e qualificação profissional para a execução das ações de rastreamento. Além disso, prevê linhas de financiamento para estruturação de laboratórios de citopatologia nas regiões Norte e Nordeste, em parceria com os respectivos estados. 

Rede de Urgência e Emergência

Tem como norte a Política Nacional de Atenção às Urgências, lançada em 2006, e propõe que “a atenção às urgências deve fluir em todos os níveis do SUS, organizando a assistência desde as Unidades Básicas, Equipes de Saúde da Família até os cuidados pós-hospitalares na convalescença, recuperação e reabilitação”.

Além de investimentos nas centrais de regulação, propõe estruturas de atenção fixas e móveis. O governo federal assumiu o compromisso de construir 500 Unidades de Pronto Atendimento 24 Horas (UPAs). No que se refere a estruturas móveis, o investimento tem sido na disseminação do Serviço de Atendimento Móvel às Urgências (Samu).

Rede de Saúde Mental

O fortalecimento da rede de saúde mental tem como carro-chefe a atenção à dependência de álcool e outras drogas, com ênfase no tratamento dos usuários de crack. O MS tem dado demonstrações de que pretende investir na ampliação dos Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24 horas (Caps-AD). 

Em setembro do ano passado, a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) – vinculada à Presidência da República – deu início a uma pesquisa que vai traçar o perfil e a quantidade de usuários de crack no país. Serão analisados os 26 estados brasileiros, o Distrito Federal e as nove regiões metropolitanas. Além disso, será realizado um levantamento da situação de disseminação da droga nas cidades de médio e pequeno porte e na zona rural. A pesquisa, que deve ser divulgada no segundo semestre, vai servir de base para o MS desenhar ações mais específicas para o enfrentamento do problema.

Estratégia de Saúde da Família

De acordo com o secretário de Atenção à Saúde, Helvécio Magalhães, o fortalecimento da ESF continua sendo prioridade. “Nós não abrimos mão e consideramos que são inflexíveis os princípios da atenção básica que vem sendo construída nos últimos anos no país com resultados absolutamente relevantes, visíveis, mensuráveis, reconhecidos inclusive internacionalmente, que têm como carro-chefe a Estratégia de Saúde da Família”. 

Helvécio adianta o que vem sendo encarado como um “salto de qualidade” na implantação da atenção básica no país. “O salto se dará por meio de dois movimentos: primeiro sem abrir mão dos princípios de qualidade, de vinculação, de responsabilidade, de autoridade sanitária territorial, de contato com a comunidade, de foco na família e nos ambientes coletivos, reconhecer que nós temos vários outros formatos, diversas formas de organização da atenção básica no Brasil. Claro que com o grande predomínio e muito positivo da Saúde da Família. Nós não vamos incentivar nenhum outro formato, mas reconhecer e exigir que todos os formatos guardem coerência com os princípios da Saúde da Família no que têm de muito positivo”. 

De acordo com o secretário, o segundo movimento será a implantação de um sistema de avaliação de equipes, unidades de saúde e municípios. “Achamos que está na hora – pelo crescimento quantitativo verificado, hoje são 32 mil equipes com cobertura de 100 milhões de brasileiros – de um movimento profundo de qualificação desse processo. Estamos finalizando os acertos com estados e municípios para um processo ousado, muito avançado, de certificação de qualidade da atenção básica. E temos certeza de que onde o ESF está implantado em seus princípios plenos essa certificação se dará quase que naturalmente porque tem qualidade”. 

Ainda de acordo com Helvécio, o processo se dará por adesão dentro de princípios de certificação internacionais, com auto-avaliação, visitas locais de vistoria, pactuação de metas de qualidade e premiação pelos resultados. “Vamos premiar quem está alcançando as metas e apoiar quem não está alcançando. Passamos, a partir de agora, a não dar aumentos lineares financeiros, mas vinculados a critérios de qualidade e ressaltando que no centro dessa avaliação estará a satisfação do usuário, além de resultados concretos, de indicadores de melhoria do pré-natal, do controle de doenças crônicas, de doenças negligenciadas”. 

ESF – Transformada em Política Nacional em 2006, é a principal estratégia do governo federal para reorientar o modelo de atenção à saúde. A proposta é a seguinte: equipes multidisciplinares devem atender às famílias de determinado território de acordo com as especificidades locais. As estatísticas do MS mostram que a cada 10% de aumento da cobertura da Saúde da Família há diminuição de 4,6% da mortalidade infantil e que nos municípios com equipes, essa redução é 20% maior do que daqueles que não possuem.

Reportagem publicada na revista RET-SUS nº 43