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O jovem também quer ciência

Pesquisa divulgada pela Fiocruz conclui que os jovens entre 15 e 24 anos têm interesse na ciência, mas enfrentam dificuldades para acessar o conhecimento científico. Programa desenvolvido na Fundação há mais de 30 anos e coordenado pela EPSJV é exemplo de iniciativa que os aproxima do cotidiano de produção da ciência no país
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 28/06/2019 14h23 - Atualizado em 01/07/2022 09h44
Aluna apresenta trabalho durante a Jornada de Vocação Científica na EPSJV Foto: Maycon Gomes

A maioria dos jovens brasileiros tem interesse em ciência e tecnologia e acredita que o governo precisa aumentar os investimentos na área, mas desconhece a produção científica realizada no país. Essas foram algumas das conclusões da primeira pesquisa que investigou a percepção da juventude sobre ciência e na tecnologia. Os resultados,  animadores e preocupantes ao mesmo tempo, foram divulgados na última segunda-feira (24) no Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O survey, ou pesquisa de opinião, ouviu 2.206 jovens entre 15 e 24 anos de todas as regiões do Brasil. As entrevistas foram feitas em domicílio, entre março e abril deste ano, pelo instituto Polis Pesquisa, e o estudo é uma iniciativa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), que reúne pesquisadores de 20 instituições, entre elas a Fiocruz. 

Os resultados mostram que 67% dos jovens têm interesse em ciência e tecnologia. Para 69% dos entrevistados, a ciência traz muitos benefícios para a humanidade, percentual mais de quatro vezes maior do que o daqueles que responderam que a ciência traz muitos riscos (15,9%).

Além disso, os cientistas de universidades ou institutos de pesquisa públicos foram identificados como uma das fontes de informação mais confiáveis entre os jovens, atrás de professores e médicos.

A grande maioria dos entrevistados, 84%, classificou a profissão de cientista como atrativa, ainda que difícil de alcançar. E a despeito do contexto de crise econômica, 60% dos jovens defenderam que os investimentos do governo brasileiro em ciência e tecnologia devem ser ampliados. Outros 34% concordaram que, em um momento de crise, os investimentos devem ser, no mínimo, mantidos. “Os resultados seguem as tendências de estudos que temos feito nacionalmente desde 2005. Percebemos que os brasileiros, de uma maneira geral, apoiam a ciência, têm confiança no cientista, no professor. No caso dos jovens é interessante porque no imaginário social prevalece a ideia de que eles não têm interesse por estes temas. E o que a gente percebeu é que eles expressam um interesse bastante alto na ciência e na tecnologia, inclusive superior a temas como esportes”, destaca a coordenadora do instituto responsável pelo estudo e pesquisadora do Museu da Vida, vinculado à Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Luisa Massarani.

Programas e vídeos sobre ciência, na TV e online, são a forma mais utilizada pelos jovens para acessar conteúdos sobre o tema. Na internet, as fontes mais citadas foram o Google, seguido do Youtube, do WhatsApp, do Facebook e do Instagram. Luisa destaca que o estudo envolveu também uma etapa qualitativa, com entrevistas e grupos de discussão com 43 jovens do Rio de Janeiro e de Belém do Pará, com o objetivo de aprofundar algumas das questões levantadas pelo survey.

Nessas conversas, os jovens expressaram bastante a angústia com relação à dificuldade em identificar as chamadas fake news, ou notícias falsas, que eles sabem que circulam em peso nos meios de comunicação e nas redes sociais . “Eles reconhecem que as fontes mais usadas por eles para acessar informações, como Facebook e WhatsApp, estão os principais difusores de notícias falsas. E sentem-se muito inseguros, perderam um pouco o chão do que acreditar, do que é confiável”, aponta Luisa. Para a pesquisadora da Fiocruz, os resultados sinalizam o desafio de pensar novas formas de fazer divulgação científica por meio dos canais que os jovens mais utilizam. “Temos a responsabilidade de gerar materiais usando estratégias que sejam interessantes para essa faixa etária”, pontua.

Outra conclusão do estudo é a baixa participação dos jovens em atividades científico-culturais mais tradicionais. Apenas 6% declararam ter visitado um museu ou centro de ciência e tecnologia no ano anterior. Os principais motivos alegados foram a não existência de um espaço como esse em seus locais de moradia (26%) e a falta de tempo (17%). Bibliotecas, jardins botânicos, parques ambientais, palestras, feiras e olimpíadas de ciência ou matemática estão entre os principais espaços acessados pelos jovens. Mas, de acordo com a pesquisa, as porcentagens são muito baixas quando comparadas com as de outros países.

As entrevistas foram feitas em domicílio, entre março e abril deste ano, pelo instituto Polis Pesquisa, com apoio das fundações de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) e de Minas Gerais (Fapemig) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Jeferson Mendonça


Desconhecimento e desinformação preocupam

Além da desigualdade no acesso ao conhecimento, a pesquisa identificou problemas ligados à desinformação entre os jovens brasileiros, revelando o descompasso entre seu interesse pela ciência e o grau de apropriação. Apenas 5% dos entrevistados conseguiram lembrar o nome de algum cientista brasileiro (o mais citado foi o atual ministro da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicação, Marcos Pontes). E somente 12% foram capazes de citar uma instituição que faça pesquisa científica no Brasil. “É gritante o percentual dos que disseram que não lembram, mas é possível que, na verdade, as pessoas acabem lembrando no decorrer de uma conversa, o que aconteceu nos grupos que participaram da etapa qualitativa. Acredito que os jovens brasileiros ainda não estão correlacionando que a pesquisa científica brasileira é feita principalmente nas universidades públicas, que eles conhecem”, pondera Luisa.

Os pesquisadores do INCT-CPCT também aplicaram questões para avaliar o conhecimento dos jovens sobre questões básicas de ciência. E os resultados apontam para a pouca familiaridade deles com os temas propostos. Só 40% dos entrevistados afirmaram corretamente que os antibióticos não matam vírus, por exemplo. “É uma questão bem relevante porque a resistência antimicrobiana está crescendo no mundo, é um problema grave de saúde pública”, assinala Luisa, fazendo menção a um processo que, embora natural, vem aumentando nos últimos anos devido, em parte, ao uso indiscriminado de medicamentos que combatem vírus, bactérias fungos e outros micro-organismos em humanos e na criação de animais.

Também foram feitas perguntas sobre temas controversos, em que evidências científicas têm sido questionadas por determinados grupos sociais: 54% dos jovens concordaram, parcial ou totalmente, com a afirmação de que os cientistas estão exagerando sobre os efeitos das mudanças climáticas. E 40% deles discordaram em parte ou totalmente da afirmação de que os seres humanos evoluíram ao longo do tempo e descendem de outros animais. Além disso, 25% disseram concordar em parte ou totalmente que vacinar crianças pode ser perigoso. “Precisa aprofundar melhor, com grupos de discussão, e tentar entender as razões disso. Esses resultados dão uma ‘fotografia’, agora precisamos interpretar  e formular maneiras de enfrentar o problema”, pontua Luisa, para quem os dados levantados pela pesquisa têm potencial de contribuir na construção de programas e políticas públicas voltadas para a divulgação da ciência entre os jovens, bem como fomentar a ampliação de iniciativas que já existem nesse sentido.


Contexto geral

Na semana passada foi divulgada outra pesquisa que trouxe mais dados sobre como os brasileiros, de todas as idades, enxergam a ciência, com destaque para a saúde. Divulgado na quarta-feira (19/06) na revista Science, o Wellcome Global Monitor 2018 ouviu 140 mil pessoas de 140 países para saber o que elas pensam sobre ciência e saúde. O levantamento identificou que 69% dos brasileiros afirmam que gostariam de saber mais sobre ciência, mas apenas 20% haviam procurado por informações científicas nos 30 dias anteriores à entrevista. O percentual é um pouco maior quando a pergunta enfoca a saúde: 80% dos brasileiros responderam que gostariam de saber mais sobre medicina, doenças e saúde. E 39% responderam que procuraram informações sobre isso nos 30 dias anteriores. Os cientistas brasileiros são uma fonte confiável para 59% dos entrevistados. Os cientistas que trabalham em universidades têm um percentual de confiança maior: 67%. Nos médicos e enfermeiros, o índice de confiança é de 72%.

A maioria dos brasileiros também acredita que a ciência e a tecnologia trazem benefícios: 79% dos entrevistados responderam que acreditam que as áreas contribuem para melhorar a vida das próximas gerações. Entretanto, quando perguntados sobre os benefícios concretos da ciência para a maioria da população, 38% responderam que ela atinge muito poucas pessoas, mesma porcentagem dos que responderam que a ciência não traz benefícios em suas vidas especificamente. Além disso, 42% dos brasileiros acreditam que a ciência e a tecnologia podem ser responsáveis por reduzir o número de empregos disponíveis nos próximos cinco anos.

A pesquisa também levantou dados sobre a percepção de temas importantes hoje do ponto de vista da saúde, como a vacinação: 97% dos entrevistados disseram concordar, parcial ou totalmente, com a afirmação de que vacinar crianças é importante; 80% afirmaram acreditar que as vacinas são seguras, mesmo percentual dos que responderam que elas são eficazes.

Por fim, os participantes da pesquisa também foram questionados sobre o que pensam acerca da relação entre religião e ciência.  A grande maioria dos respondentes, 75%, afirmou que em caso de conflito entre a ciência e suas crenças religiosas, eles tendem a acreditar nos ensinamentos religiosos. E 47% deles responderam que a ciência já entrou em conflito com suas crenças religiosas.

Pioneirismo na iniciação científica

Uma iniciativa voltada para aproximar os jovens entre 14 e 18 anos da ciência vem sendo desenvolvida pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) há mais de 30 anos. Desde 1986, para ser mais exato, marco da criação do Programa de Vocação Científica (Provoc), experiência pioneira de iniciação científica no ensino médio coordenado pela Escola até hoje. Todos os anos, o programa seleciona alunos de escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro para acompanhar e contribuir com o trabalho de pesquisadores da Fiocruz. “Essa é uma preocupação importante que a Fundação e a EPSJV têm há mais de 30 anos, acerca da necessidade de trazer os jovens para vivenciar o cotidiano do trabalho científico. Esperamos que, ao participarem do Provoc, esses estudantes consigam desmistificar um pouco a visão que têm da figura do cientista e da própria produção do conhecimento, do que significa fazer ciência e ser um pesquisador”, avalia Cristiane Braga, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz e coordenadora do Provoc.

De lá para cá, participaram do programa 2.004 estudantes do ensino médio e 1.075 pesquisadores. Atualmente, a rede conveniada ao Provoc conta com instituições públicas cariocas, como as unidades do Colégio Pedro II e os colégios de aplicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAP/UERJ) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAP/UFRJ). Também integram essa rede escolas privadas, como os colégios Bennett, o CEAT e o São Vicente, além de ONGS que atuam nas comunidades da Maré e de Manguinhos. “O programa alarga a base social de recrutamento na ciência. Os jovens que são de famílias de cientistas têm um conhecimento da atividade científica que outros não têm. O Provoc e programas similares permitem alargar a margem social através da qual você pode conhecer a atividade científica e, possivelmente, se profissionalizar cientificamente”, destaca Rosa Neves, professora-pesquisadora da EPSJV/Fiocruz e coordenadora do Laboratório de Iniciação Científica na Educação Básica (LIC-Provoc).

O Programa é dividido em duas etapas. A, primeira, de iniciação, tem duração de um ano. É quando os alunos se familiarizam com as principais técnicas e objetos de pesquisa de ciência e tecnologia em saúde. Ao final de 12 meses, os alunos produzem um relatório escrito e fazem uma apresentação oral para apresentar o trabalho que desenvolveram aos candidatos a ingressar no Provoc durante a Jornada de Vocação Científica promovida pela EPSJV/Fiocruz. Na etapa denominada 'avançado', com duração de dois anos, o jovem experimenta o passo a passo do desenvolvimento de um projeto de pesquisa tendo como guia um orientador. Dos mais de dois mil estudantes que passaram pelo Provoc desde 1986, 699 realizaram concluíram esse percurso.  “Na primeira etapa, a ideia é que os alunos venham uma vez por semana, para acompanhar os experimentos ou a pesquisa que é realizada. Eles vão vai a campo, à biblioteca, realizam entrevistas, fazem leituras”, explica Cristiane Braga.


Divisor de águas

Foi através de relatos de colegas que participaram do programa que Thiago Cordeiro Pereira soube do Provoc, ainda no 9º ano do ensino fundamental no Colégio Pedro II, no Engenho Novo. Atualmente cursando a graduação em Biologia na Universidade Federal Fluminense (UFF), Thiago ingressou no programa em 2016. Lá, contribuiu com a pesquisa de uma doutoranda do Laboratório de Helmintos Parasitas de Vertebrados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), sob orientação da pesquisadora Rosângela Rodrigues. “Eu sempre quis fazer Biologia, mas o que eu tinha de referência na área eram os professores da escola onde minha mãe dá aula de História e uma vizinha que é bióloga. Então eu não tinha muito parâmetro de tudo o que a área abrangia fora da sala de aula. Eu sabia que queria fazer Biologia, mas não queria ser professor”, diz Thiago, que seguiu também para a etapa avançada do Provoc. Através do programa, ele pôde apresentar o trabalho que desenvolveu na Fiocruz no 1º Simpósio de Medicina Tropical e Doenças Negligenciadas da UFRJ, em 2018. “Eu e outros alunos nos apresentamos juntamente com mestres e doutores. Tivemos essa oportunidade incrível de desenvolver nosso potencial e de mostrar que o jovem também pode fazer ciência”, destaca Thiago, para quem a participação no programa foi um “divisor de águas”. “A ideia de um cientista sempre parece extremamente distante, mas quando você passa pelo Provoc dá para ver que esse pode ser seu futuro se você quiser. Torna-se um mundo acessível”, afirma.


Descentralização e ampliação

Desde sua criação, o modelo do Provoc foi expandido para unidades da Fiocruz fora do Rio de Janeiro, especificamente o Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco) em 1997, o Instituto René Rachou (Fiocruz Minas Gerais), em 1998, e o Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia), em 1999. O modelo também foi ampliado para além da saúde, com a criação de programas similares em instituições como os CAPs da UERJ e da UFRJ, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), entre outras. Desde 2011, os estudantes de escolas públicas selecionados para o Provoc recebem uma bolsa de pesquisa através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (Pibic-EM) do CNPq.

“A gente tem conseguido manter as bolsas dos alunos das escolas públicas, mas o atual contexto, de cortes no orçamento de todos os lados, pode limitar a ampliação do programa. A realidade é que muitos jovens precisam dessa bolsa, principalmente para fazer o deslocamento. Temos alunos que vêm de Duque de Caxias, de Realengo, de Niterói, locais distantes da Fiocruz”, pontua Cristiane Braga.