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Parecer do CNE e a volta às aulas

Ainda a ser homologado, documento traz orientações pedagógicas, de calendário letivo e precauções a serem tomadas pela comunidade escolar. Enquanto isso, 12 estados já publicaram data de retorno às aulas presenciais
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 23/07/2020 14h39 - Atualizado em 01/07/2022 09h42
Agência Brasil

Aprovado por unanimidade, o parecer 11/2020 sobre ‘Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia’, do Conselho Nacional de Educação (CNE) pode ser homologado ainda nesta semana. O texto se propõe a apoiar a tomada de decisões para o retorno às aulas presenciais, oferece diretrizes que orientam o planejamento dos calendários e dos protocolos específicos dos estabelecimentos de ensino - definidos pelas autoridades locais e regionais -, e recomenda ações de cunho organizacional e pedagógico que podem ser desenvolvidas pelos sistemas de ensino e pelas redes públicas e privadas. Ao ser homologado, o documento serviria como base para que estados e municipais pudessem pensar seu plano de retorno. No entanto, muitos estados já divulgaram seus calendários escolares.

O Mapa de Retorno das Atividades Educacionais presenciais em escolas privadas no Brasil elaborado pela Federação Nacional de Escolas Particulares (FENEP) traz diariamente quais estados já indicaram datas para o retorno. De acordo com o mapa consultado no dia da publicação desta matéria (23/7), o Amazonas é foi o primeiro estado a voltar às atividades presenciais. Com datas já anunciadas estão os estados ou municípios do Acre, Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Estudo publicado no dia 20 de julho pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde, da Fundação Oswaldo Cruz (Icict/Fiocruz),  indica que a volta às aulas pode representar um perigo a mais para cerca de 9,3 milhões de brasileiros (4,4% da população total) que são idosos ou adultos (com 18 anos ou mais) com problemas crônicos de saúde e que pertencem a grupos de risco de Covid-19. Isso porque essa parcela da população vive junto a crianças e adolescentes em idade escolar. Essa estimativa foi calculada a partir da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS 2013), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com o Laboratório de Informação em Saúde (LIS) da Fiocruz.

Sobre o parecer

O parecer tenta dar resposta aos 56,3 milhões de estudantes que, por conta da pandemia, estão fora da escola desde março, segundo dados do Censo Escolar de 2019 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “Dialogamos com diversas entidades e tentamos colocar um texto que desse conta de diferentes realidades, sempre enfatizando a importância das autoridades sanitárias de cada região”, indica a relatora do texto e integrante do Conselho, Maria Helena Castro.

Segundo o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Rafael Bilio, o parecer 11/2020 traz um conjunto inicial de  recomendações para os sistemas de ensino, esclarece alguns pontos sobre os processos de avaliação, flexibilização curricular e frequência escolar presencial obrigatória, além de indicar horizontes para o planejamento do calendário escolar e no retorno às aulas presenciais. “Entretanto, reforça a influência dos organismos internacionais e fundações privadas como Banco Mundial, Itaú Social, Lemann, Fundação Roberto Marinho e a política de ampliação da EAD como miríade para resolução dos problemas educacionais”, pontua.

Uma das ações recomendadas pelo CNE é que os governos garantam internet gratuita para escolas, estudantes e professores da rede pública, com intuito de que as atividades online sejam ministradas com qualidade e estrutura.  “Algumas atividades deverão continuar online até completar o conteúdo e o período letivo. Entendemos que teremos que estendê-lo até 2021”, explica a relatora do parecer do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Castro. Para Bilio, é um avanço o fato de o parecer trazer o debate da  utilização do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) como recurso destinado à educação para o processo de compra de equipamentos e melhoria do acesso gratuito à internet pelos estudantes e professores. “A utilização desse valor em tempos de contingenciamento e de uma política econômica destruidora de direitos para classe trabalhadora é pouco provável, mas o parecer tem o mérito de recolocar a questão que se apresenta desde a década de 1990. Outro apontamento do parecer é para necessidade de adequação das escolas que precisarão de um aumento do orçamento”,explica.

Outro ponto de destaque foi a recomendação de formas alternativas de avaliação e a não reprovação dos estudantes neste ano, uma vez que o aprendizado está acontecendo de forma diferenciada. De acordo com o texto, “as avaliações e exames de conclusão do ano letivo de 2020 das escolas deverão levar em conta os conteúdos curriculares efetivamente oferecidos aos estudantes, considerando o contexto excepcional da pandemia, com o objetivo de evitar o aumento da reprovação e do abandono escolar”. O documento lembra ainda que vários países, como Itália e alguns estados norte-americanos, seguiram esse caminho. “O maior desafio é evitar o abandono escolar e reconhecer o esforço dos estudantes e equipes escolares para garantir o processo de aprendizagem durante a pandemia, em condições bastante adversas”, diz o texto. Para Maria Helena, recomenda-se ainda uma busca ativa de estudantes para evitar a evasão escolar. “Tentamos dar conta, no documento, do replanejamento do calendário de retorno, com a computação das atividades não-presenciais, de modo a cumprir as 800 horas previstas, o replanejamento acadêmico e curricular, sobretudo a continuidade de um contínuo curricular em 2020/2021, mas também olhamos para as diferentes realidades que podem trazer uma maior evasão escolar, abandono e desestímulo”, avalia.

O oitavo ponto, que trata das Orientações para o Atendimento ao Público da Educação Especial, do parecer também foi alvo de críticas. A Undime, por exemplo, publicou uma nota sobre o texto. “A Undime, apesar de ter contribuído, de modo geral, com a discussão do texto, foi surpreendida negativamente com o apresentado no oitavo tópico que trata das orientações para o atendimento ao público da educação especial, em que é determinado que ‘os estudantes da Educação Especial devem ser privados de interações presenciais’, indo na contramão dos direitos constitucionais desses estudantes”, disse em nota, que completa: “O possível risco de contaminação com a retomada das aulas presenciais atinge a todos nós, dirigentes, gestores, profissionais e trabalhadores da educação, e a totalidade dos estudantes, sejam eles da educação especial, ou não. Não é possível considerar que as deficiências, síndromes ou transtornos estejam diretamente relacionadas a doenças pré-existentes. Além disso, há grupos de risco em toda a comunidade escolar”.

A relatora, no entanto, explicou que esse trecho será retirado até a homologação do parecer. “Nós fizemos uma série de consultas ao Consed, Undime, universidades públicas e particulares para ouvi-los e poder fazer os ajustes. Uma parte do parecer, que foi uma proposta da equipe de educação do MEC e de uma conselheira, Sueli Menezes, que atua na área, foi alvo de críticas e vai ser retirada porque gerou muita discussão, reações, etc. Não havia colocado nada sobre educação especial, mas houve uma demanda e agora estamos retirando esse item com indicativo de que esse grupo fará um documento a parte tratando a questão”, explica.

Volta às aulas com diferentes pontos de vistas

 

Para o presidente da Fenep, Ademar Batista Pereira, as escolas privadas têm condições de voltar às atividades presenciais, respeitando a liberação dos governos estaduais e municipais. “As escolas privadas têm estrutura e um elemento de fiscalização importante, que são aqueles que pagam pela educação. Se não estiverem satisfeitos com as condições sanitárias, podem interromper o processo de pagamento e mudar os filhos de escola”, defende. Ademar indica ainda que as escolas têm seguidos padrões sanitários para o retorno. “Não tem segredo: é distanciamento, uso de máscara e desinfetação do ambiente e das crianças. Há escolas que fizeram reformas, mudaram sua estrutura e alteraram suas orientações pedagógicas com o novo contexto. Enquanto muitos parlamentares demagogos estavam pressionando para que baixássemos as mensalidades, o que vimos foi um aumento de despesas, já que deveremos oferecer a partir de agora atividades presenciais e não presenciais”, afirma.

Mas a realidade não é tão simples assim. É o que mostrao ‘Manual sobre biossegurança para reabertura de escolas no contexto da Covid-19’ lançado pela Escola Politécnica da Fiocruz também nesta semana com normas e diretrizes para retomada das aulas em segurança. No manual, a EPSJV reconhece a realidade das escolas brasileiras, que possuem condições distintas de infraestrutura, recursos financeiros, adequação de força de trabalho, interlocução com o sistema de saúde, entre outros, para conseguirem se adaptar a essa nova realidade como, por exemplo, articulação com o sistema de saúde público local para a definição dosprocedimentos de acompanhamento dos casos, rastreamento dos contatos e realização das testagens e capacidade de adoção de procedimentos para casos suspeitos de Covid-19 no ambiente escolar. “É de fundamental importância, do ponto de vista da biossegurança, que cada instituição elabore o seu próprio manual, com suas especificidades socioculturais, incorporando as questões de saúde mental, elaborando o procedimento operacional padrão (POP) para cada atividade específica, além de um mapa de risco do SARS-Cov-2 das instalações”, aponta Silvio Valle, pesquisador da EPSJV e especialista em biossegurança em reportagem do Portal EPSJV que debate o protocolo produzido pelo MEC para as instituições federais. Ele completa: “Além disso, é preciso criar indicadores para avaliação permanente do protocolo e definir prazos para sua implantação. Ao fazer a previsão do retorno das atividades, é preciso prever a possibilidade de que, devido às condições epidemiológicas, poderá ocorrer a necessidade de retorno ao distanciamento social, considerando que estamos diante de uma doença nova e que o conhecimento científico tem avançado quase que diariamente”.
 

Para Bilio, é preciso construir uma capacidade de diálogo entre pesquisadores, profissionais que atuam na ponta do Sistema Único de Saúde, gestores e comunidade escolar para pensar no retorno das atividades. “O discurso da política econômica vem precedendo a preservação de vidas e do negacionismo científico baseadas em fake news. As condições legais estão sendo construídas pelo governo Federal, Estados e Municípios referenciados pela política econômica, mas em questionáveis flexibilizações do ponto de vista epidemiológico.”, pontua.