Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Plenária do Fórum Alternativo Mundial da água discute a conjuntura nacional e internacional

Analisar e propôr estratégias unificadas de luta contra o avanço do capital sobre os direitos sociais e os recursos naturais em nível mundial foi o tema da 1ª plenária unificada do FAMA 2018
André Antunes - EPSJV/Fiocruz | 20/03/2018 13h56 - Atualizado em 01/07/2022 09h45

O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) realizou na tarde de segunda-feira (19/03) sua 1ª Plenária Unificada. O objetivo foi debater os desafios para a democratização do acesso e da gestão da água a partir da análise da conjuntura brasileira e internacional. Para isso a mesa contou com a participação de Renato de Nicola, da European Water Movement, que falou sobre o cenário europeu, Ivan Emiliano Manzo, do movimento Patria Grande, da Argentina, que falou sobre o contexto latinoamericano, e Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, que tratou do cenário brasileiro.  Em comum, as falas chamaram atenção para a ofensiva em curso do capital contra os direitos sociais e sobre os recursos naturais em nível global como saída para a crise de acumulação capitalista.

“Ao capitalismo contemporâneo não interessa mais a democracia”

“Venho de um país onde há mais de 20 anos existia o maior movimento popular e sindical da Europa”, começou o italiano Renato De Nicola. “Hoje ele já não existe mais. Hoje a Europa pertence aos mercados e não aos povos”, complementou. A privatização dos serviços de abastecimento de água, lembrou Renato, representa hoje uma ameaça não só na Itália, mas em diversos países do continente, como França, Grécia, Espanha, Irlanda e Eslovênia, entre outros. Em 2011, 27 milhões de pessoas votaram contra o controle da água por empresas privadas na Itália. “Em toda a Europa as pessoas se dão conta do que significa perder o controle da água e saem às ruas e lutam. Na Itália ganhamos uma batalha contra a privatização, mas é uma luta constante, 24 horas por dia”, disse Renato. “Ao capitalismo contemporâneo não interessa mais a democracia, está em crise e quer que nós trabalhadores paguemos a conta. E como? Privatizando a água, a terra, e também nos fazendo pensar que o inimigo são os pobres, os imigrantes que vêm pelo Mediterrâneo”, destacou Renato, para quem a ascensão da xenofobia e do discurso anti-imigração representa a faceta europeia de um problema mundial, que é a criminalização da pobreza. “Na Europa dizem que os migrantes roubam os empregos, são criminosos. Mas eles são consequência da crise capitalista, e não causa. Eles migram por causa das mudanças climáticas, da pobreza, da contaminação do ambiente, da guerra. E são mortos com delinquentes pela polícia por toda a Europa. Essa luta é de classes, é uma guerra contra a pobreza”, denunciou. Renato listou a ascensão do discurso nacionalista como outra ameaça para o acesso à água. “Na Turquia se diz que a água é nacionalizada, mas aos curdos não dão água, porque eles não são turcos. Os palestinos têm que comprar a água de Israel, que está privatizando a água”, criticou, e completou: “O nacionalismo ajuda o capitalismo a nos dividir. Por isso temos que sair da nossa ideia egoísta de que a água é do Brasil, é da Itália. A água do Aquifero Guarani não é do Uruguai nem só do Brasil, é de todos os países ao redor. Se as multinacionais querem explorar o aquífero Guarani para sair da crise esse é um problema para a humanidade. O internacionalismo não é uma palavra vazia, ela é importante para quem trabalha com a questão da água, e por isso temos que espero que possamos sair daqui do fórum com um avanço na construção de uma unidade de lutas no Brasil, na América Latina, e também no mundo”, concluiu.

Triunfo da antipolítica na América Latina

Ivan Emiliano Manzo, do movimento Patria Grande, da Argentina, falou sobre o avanço do capital sobre os direitos sociais e sobre os recursos naturais no contexto latinoamericano. Segundo ele, a partir de 2009, as classes dominantes latinoamericanas começaram a se articular em torno de um projeto comum, com vistas à promoção de uma agenda de retirada de direitos e de expansão das fronteiras de acumulação capitalista no continente. “Aí foi o início de um avanço conservador na América Latina, com o primeiro golpe dado com apoio da classe capitalista dado em Honduras em 2010. Esse foi o pontapé inicial de uma política agressiva em todos os países, na Venezuela, na Argentina, no Paraguai, no Uruguai, no Chile, na Guatemala culminando com o golpe parlamentar no Brasil. A partir desse momento se consolida o giro neoliberal conservador na América Latina”, destacou Ivan, para quem vivemos hoje o “triunfo da antipolítica”. “Não são mais os emissários dos empresários que controlam a política, mas os próprios empresários que representam os países. Seu objetivo é reestruturar toda a estrutura política e avançar pacotes de reformas contra os direitos sociais, como a reforma trabalhista no Brasil e a reforma previdenciária na Argentina, mas também reformas na saúde e na educação”. O mesmo projeto de ajuste neoliberal que se volta para os direitos sociais mira também os recursos naturais dos países latinoamericanos. “No Chile, nos últimos 4 anos, foram abertas 15 novas explorações minerais. Avança a privatização da água no Brasil. Na Argentina, avança de maneira violenta a soja transgênica nos territórios da fronteira agropecuária argentina, e com ela os agrotóxicos e o uso intensivo da água. O panorama é muito difícil”, disse Ivan. “Estamos em um momento de resistência como povo latinoamericano. É fundamental que estejamos juntos e organizados, porque juntos temos força”.

Brasil: violência, ódio e precarização das condições de vida

Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres, lembrou o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (Psol/RJ) e de seu motorista Anderson Gomes, como um exemplo emblemático da conjuntura brasileira. Segundo ela, o cenário nacional reflete o que acontece hoje em todo o mundo. “O que está acontecendo no Brasil não está separado do avanço do capital em todo o mundo, cuja consequência é a agudização do conflito entre capital e vida, não dá para falar mais só de conflito entre capital e trabalho. Estamos vivendo um ataque do capitalismo para resolver a sua crise, e a crise do capitalismo é a crise para explorar mais, o que significa mais precarização das nossas vidas”, afirmou Nalu, complementando: “Aqui no Brasil são vários os dados estrondosos de como a vida é cada vez mais descartável: o genocídio da juventude negra, o feminicídio, o assassinato de camponeses, de povos indígenas. E hoje temos também nesse momento um aprofundamento da expropriação, da espoliação tremenda dos bens comuns: da água, dos minérios, do petróleo, da terra, o aumento do uso de agrotóxicos. Esse ataque aos bens comuns são ataques à vida das pessoas e à natureza”, disse. Ela denunciou ainda o aumento das vítimas de assassinatos entre a população LGBT em paralelo com a ascensão de movimentos como o Escola sem Partido, que mira a discussão de gênero nas escolas como um problema a ser combatido.  “A agudização do conflito capital-vida traz um avanço do conservadorismo, de uma cultura de ódio, de práticas fascistas. Vivemos hoje no Brasil um aumento do controle, da violência, da perseguição, da militarização do Estado”, destacou Nalu, para quem está em curso um processo de desconstituição do Estado, e um ataque às organizações e nossos movimentos populares que se opõem a esse processo. “Temos que ter em mente que o ataque desse capitalismo racista, colonialista, patriarcal, devastador da natureza, é global. Precisamos construir nossas respostas desde essa integralidade. Nossa luta tem que ser contra o racismo, tem que ser feminista, e tem que ser para construir outro modelo de produção e reprodução social. Temos o desafio de recuperar a nossa democracia, mas não só do processo eleitoral, mas de uma democracia onde votar é apenas um dos elementos. Não vamos ter democracia se não avançarmos nos nossos direitos em relação ao trabalho, à previdência social, à saúde e à educação. Vamos construir esse projeto de democracia a partir da nossa radicalidade e da nossa unidade”, reivindicou Nalu. A representante da Marcha Mundial das Mulheres defendeu a necessidade de que o FAMA, a partir da análise da conjuntura nacional e internacional, defina ações e campanhas concretas unificadas em relação ao direito à água. “Temos que ser contra a privatização da água, mas não só defender a estatização. A água tem que ser gerida como bem comum e publico. O que vemos no Brasil é que a ofensiva enorme, em vários municípios está se debatendo a privatização da água e dos serviços de água. Temos que sair daqui com propostas concretas de mobilização”, pediu.