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PLs propõem reconversão de fábricas para enfrentar pandemia

Parlamentares, especialistas e representantes da indústria destacam o papel do Estado para contornar o desabastecimento e concorrência internacional na compra de EPIs, respiradores e outros materiais necessários ao controle da pandemia
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 09/06/2020 14h38 - Atualizado em 01/07/2022 09h43
Foto: Alberto Grau

Uma indústria de calçados de São Paulo passou a produzir álcool gel. Uma conhecida marca de roupas íntimas começou a confeccionar máscaras e jalecos. Duas outras empresas, fabricantes de motores e equipamentos eletrônicos, adaptaram plantas e processos para fornecer respiradores pulmonares. Esses e vários outros casos estão listados no site da Confederação Nacional da Indústria (CNI), como exemplos das mudanças que o setor produtivo nacional tem promovido para, ao mesmo tempo, ocupar a capacidade ociosa e responder às demandas geradas pela pandemia. Comum em situações de guerra, esse processo é conhecido como ‘reconversão produtiva’ ou ‘reconversão industrial’ – mas a história mostra que, para atender às necessidades emergenciais do país, ele precisa de mais do que a iniciativa espontânea de empresas: requer coordenação, planejamento, visão estratégica, autoridade legal e, em alguns casos, incentivo financeiro que só o Estado pode garantir.

De acordo com a deputada Fernanda Melchionna, líder da bancada do Psol, que apresentou um dos quatro Projetos de Lei que tramitam hoje na Câmara dos Deputados sobre o tema, a maior parte das adaptações que estão sendo feitas por decisão das próprias empresas é voltada para produtos de menor complexidade, “devido à facilidade de reconversão”, à lucratividade e ao custo baixo para “uma transição rápida à produção convencional após a pandemia”. “Mesmo nesses casos, embora haja motivação do ponto de vista do livre mercado para a expansão da produção, sem algum tipo de coordenação estatal, isso pode acontecer em escala totalmente insuficiente”, alerta, complementando que, quando se trata de produtos “mais complexos”, que encarecem a adaptação do parque e dos processos industriais, não se pode esperar que a mudança aconteça apenas por “pressão da demanda”. “Por isso em todo o mundo há projetos coordenados pelo Estado de reconversão produtiva, tanto do ponto de vista do apoio tecnológico quanto fiscal”, resume.

Embora ainda não tenha sido aprovado nenhum novo marco legal, segundo o diretor técnico da Associação Brasileira de Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), João Alfredo Delgado, ainda em março o Ministério da Saúde e o Ministério da Economia entraram em contato com representantes da indústria tentando mapear a capacidade de produção nacional de ventiladores pulmonares. Foi a partir daí que se montou uma espécie de força-tarefa que envolveu um conjunto de outras indústrias no apoio às poucas empresas de respiradores que ainda existem no país. “Houve um grande esforço da indústria em atender essa demanda. Se você me perguntar hoje se ela é possível, sim, é possível porque o sistema aprendeu”, diz. O que mais demorou, segundo ele, não foi a reconversão propriamente dita, mas a finalização do contrato de compra, que é o que daria garantias para que as empresas investissem.

"É interesse do poder público garantir a produção para uma demanda crescente de equipamentos de proteção dos trabalhadores, de UTI, de higienização de locais... Mas também é interesse do setor privado porque caiu a demanda dos outros produtos"
Alexandre Padilha

E esse parece um ponto fundamental. O poder de compra do Estado é destacado em todos os projetos que visam combater o desabastecimento de equipamentos e insumos de saúde durante a pandemia como forma de fomento à produção interna. Para Alexandre Padilha (PT-SP), autor do PL 2.224/20, esse é o “principal mecanismo de planejamento da produção” e precisa ser acompanhado de outras medidas que dependem da ação estatal, como oferta de crédito e facilitação do registro dos produtos.

O deputado defende que a demanda gerada pela pandemia precisa ser encarada como uma “oportunidade” para os países tentarem aumentar sua soberania em relação à produção na área da saúde. Por isso, ele acredita que a reconversão produtiva neste momento representa uma “junção de interesses”: do Estado e do empresariado industrial. “É interesse do poder público garantir a produção para uma demanda crescente de equipamentos de proteção dos trabalhadores, de UTI, de higienização de locais... Mas também é interesse do setor privado porque caiu a demanda dos outros produtos. É uma forma de ocupar a capacidade da indústria que não está ocupada neste momento”, explica. De fato, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em abril deste ano, em meio à pandemia, a produção industrial brasileira sofreu a maior queda de toda a série histórica da pesquisa, desde 2002. A baixa foi de 18,8% em relação a março e de 27,2% se comparado a abril de 2019. Padilha conclui: “O setor privado vai ganhar com isso, vai colocar em atividade uma parte do setor produtivo que está paralisada. Necessariamente é um encontro de agendas, estimulado a partir da demanda do mercado público”, diz, ressaltando que, exatamente por isso, as mudanças não têm que ser “totalmente financiadas com recursos públicos”.

"O objetivo do nosso projeto de lei não é pensar em quanto as empresas ganharão neste processo, mas sim salvar vidas em meio a uma das mais graves crises humanitárias de toda a história"
Fernanda Melcchionna

Ainda assim, de modo geral, os projetos preveem indenizações que evitem prejuízos às empresas, tanto no momento de reconversão quanto no retorno à planta industrial original. “O objetivo do nosso projeto de lei não é pensar em quanto as empresas ganharão neste processo, mas sim salvar vidas em meio a uma das mais graves crises humanitárias de toda a história e, em um segundo plano, compensar as despesas das empresas envolvidas”, explica Melchionna.

Demanda e produção

De acordo com o diretor da Abimaq, o esforço que foi feito até agora especificamente para a produção de ventiladores pulmonares gerou resultados positivos. Ele confirma que o grau de dependência externa em relação a esses equipamentos era altíssimo, o que incluía não apenas o produto acabado, mas também a necessidade de importação de peças pelas empresas que conseguiam garantir alguma produção interna – como você pode ler em reportagem anterior do Portal EPSJV/Fiocruz, segundo o coordenador de ações de prospecção da presidência da Fundação Oswaldo Cruz, Carlos Gadelha, em meio à pandemia essa dependência chegou a 90%. Delgado, no entanto, garante que, em relação a esse equipamento, neste momento, essa dificuldade está superada.

Em entrevista à CNN no dia 2 de junho, o empresário Carlos Wizard, que naquele momento era anunciado como o novo secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde do Ministério da Saúde, chegou a informar que, em função da alta dos preços, seriam suspensas compras de respiradores já feitas na China, afirmando que a indústria nacional seria capaz de atender à demanda. Na mesma data, o site do MS divulgou que foram firmados contratos para a produção de 16,2 mil ventiladores pulmonares com as quatro empresas que existem hoje no Brasil. Informação publicada na mesma fonte no dia 26 de maio falava em 15,3 mil respiradores, com previsão de entrega em três meses. Segundo o diretor da Abimaq, prazo e quantidade foram estabelecidos pelo Ministério, não pela capacidade produtiva das empresas neste momento. No dia 7 de junho, Wizard desistiu de assumir qualquer cargo na Pasta. Como não existem dados públicos sobre o número de equipamentos disponíveis – as notas técnicas produzidas sobre o tema trabalham com informações referentes a fevereiro, antes das aquisições mais recentes –, e como as compras não são centralizadas, não é possível saber se o que está sendo nacionalmente produzido neste momento dá conta da demanda do país nem qual o tamanho da carência.

Espontâneo ou induzido?

Especificamente sobre os ventiladores pulmonares, de acordo com o diretor da Abimaq, desde o início de maio já se consegue produzir internamente 100% dos componentes necessários à fabricação, embora no começo do processo ainda tenha sido preciso importar algumas peças. “[Produzir] a placa eletrônica é uma coisa simples. Você consegue duplicar muito rápido. O complexo é ter o projeto aberto”, explica, evidenciando a importância do processo de desenvolvimento tecnológico que condiciona a produção. Segundo ele, a parte “mais crítica” da cadeia de produção foi fabricar as válvulas solenóides, que controlam a passagem de fluidos e gases nos respiradores, exatamente porque “o fabricante estrangeiro não abriu o projeto”. Empresas que produzem válvulas para outras finalidades no Brasil entraram no circuito e conseguiram desenvolver o componente que, de acordo com Delgado, substituiu a peça importada, sem que se precisasse refazer o projeto da placa eletrônica, que seria bem mais complicado. “Isso também levou algum tempo, mas hoje está desenvolvido. Agora é maquinagem e montagem. Tendo demanda, vai ser atendida”, garante.

"Com a pandemia, vimos a importância de assegurar uma base de produção local"
Marcia Teixeira

A pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Marcia Teixeira comemora que se tenha encontrado um caminho rápido e possivelmente mais barato para a produção local de respiradores. Mas ela alerta que, passada a pandemia, é preciso assegurar a continuidade dessas iniciativas. Primeiro, mobilizando a capacidade de compra do Estado, já que, sem política pública consistente, a indústria nacional não tem condições de concorrer em iguais condições com a indústria de equipamentos internacional nos processos licitatórios. “E, com a pandemia, vimos a importância de assegurar uma base de produção local”, diz. Em segundo lugar, defende, é preciso voltar a planejar e desenhar projetos de futuro, apoiando o desenvolvimento tecnológico e a construção de “expertise técnico-científica que torne possível a transferência de tecnologias e a engenharia reversa”.

De fato, esse sucesso localizado não diminui o desafio que o país enfrenta neste momento. “Podia ser pior”, reconhece Delgado, explicando que, se faltasse um componente “mais sofisticado”, cuja cadeia de produção no Brasil tivesse sido completamente desmontada, simplesmente não haveria “capacidade de engenharia” para resolver o problema do desabastecimento. E, seja pela falta de estrutura industrial ou de desenvolvimento tecnológico que antecede a produção, esse é o caso de muitos outros equipamentos e insumos que continuam necessários ao enfrentamento da pandemia. “É lógico que em alguns segmentos nós temos um grau de dependência enorme, como no campo da química fina, [em que precisamos] de algumas produções tecnológicas de outros países. Mas é verdade também que se a gente não ousar, se não começar a retomar uma política naqueles segmentos em que a gente tenha menor dependência, mas também uma política em que a gente possa compartilhar cadeias desde o começo, fortalecendo nossa capacidade de inovação e retomada de produção, não vamos produzir nada. Vamos ficar eternamente dependentes”, opina Padilha.

“O Estado tem que atuar como Estado. Época de guerra é época de guerra, época de pandemia é época de pandemia"
João Alfredo Delgado

No caso específico dos respiradores, a participação de um conjunto de empresas serviu para alimentar a cadeia produtiva, permitindo que, lá na ponta, as fábricas de ventiladores pulmonares que já existiam ampliassem e autonomizassem a produção. Mas isso não necessariamente significa uma reconversão mais estrutural – para ficar no exemplo citado pelo diretor da Abimaq, fábricas de válvulas estão priorizando as peças necessárias aos ventiladores mas, ainda assim, continuam produzindo válvulas. Os projetos de lei que tramitam no Congresso, no entanto, preveem que pode ser necessária uma mudança mais brusca – e que essa decisão não deve ficar apenas a cargo das empresas. Além disso, afirmam, é preciso que a produção siga “parâmetros técnicos” estabelecidos por especialistas que atuem de forma centralizada no governo federal. Tanto no PL de Padilha quanto no da bancada do Psol, esse papel deve ser desempenhado por um comitê gestor, embora a composição seja diferente nas duas propostas. Em ambos os casos, no entanto, esse grupo deve ser responsável pela definição dos bens que precisam ser produzidos emergencialmente e das empresas que devem ser acionadas, entre outras decisões. “O Estado tem que atuar como Estado. Época de guerra é época de guerra, época de pandemia é época de pandemia. É essa exatamente a função do Estado porque, nessas horas, o mercado não funciona”, reconhece o diretor da Abimaq, citando como exemplo o fato de os preços de respiradores e outros equipamentos terem disparado no comércio internacional.

Reconversão: como e para quê

Todos os PLs que tramitam no Congresso buscam ser o mais amplo possível quando se referem aos bens que poderiam ser produzidos a partir da reconversão de indústrias. Neles estão citadas as carências noticiadas todos os dias na imprensa – como equipamentos de proteção individual para os trabalhadores da saúde, os próprios ventiladores pulmonares, álcool gel e máscaras –, mas também medicamentos, testes de diagnóstico, máquinas de oxigenação sanguínea e até leitos hospitalares e ambulâncias. O projeto do Psol estabelece que a reconversão deve visar à fabricação de produtos que não tenham “oferta interna suficiente para o atendimento da demanda emergencial”, que estejam “indisponíveis para importação” ou que estejam sendo vendidos no mercado internacional com um valor 30% maior do que o preço anterior à pandemia. Em alguns casos, são citados exemplos de segmentos industriais identificados como de reconversão mais fácil, mas existe também o esforço de criar uma legislação que prepare o país para além da pandemia: o PL 2.224, especificamente, amplia as iniciativas sugeridas para “contextos de conflito, desastres naturais e outras emergências sanitárias”.

"O Estado só deve assumir o controle das empresas em que houver deliberada resistência ao chamamento"
Jorge Solla

Para que tudo isso de fato aconteça, os projetos de Alexandre Padilha e da bancada do Psol estabelecem duas formas distintas de adaptação industrial: pela reconversão direta ou indireta. Neste último modelo, a produção é definida e demandada pelo Estado, mas fica a cargo das empresas, sempre respeitando as diretrizes do comitê e com o devido subsídio governamental para eventuais custos extras. Já a reconversão direta se refere à situação em que o governo federal precisaria assumir “os meios de produção e a tecnologia necessária” para fabricar os “bens e serviços essenciais necessários ao combate à pandemia”, como explica Melchionna. O PL 2.201/20, do deputado Jorge Solla (PT-BA), também prevê a possibilidade de o governo atuar diretamente na produção, mas, na sua avaliação, essa deve ser uma situação limite. “O Estado só deve assumir o controle das empresas em que houver deliberada resistência ao chamamento”, diz. E ilustra: “Se mesmo após o chamamento, uma indústria de cosméticos, por exemplo, negar-se a produzir um medicamento para manter a produção de cremes anti-rugas, essa empresa poderá sofrer uma intervenção”.

Solla destaca que o seu projeto garante “uma série de compensações para as indústrias afetadas pela reconversão”, mas ressalta que deve prevalecer o “critério do interesse nacional”. Ele explica o princípio: “Num cenário hipotético, em que a circulação de pessoas fosse segura apenas com máscaras tipo N95, teríamos de produzir mais de 200 milhões delas por semana para manter o mercado doméstico atendido. Neste caso, o Estado seria um comprador, mas não o único. Seria de interesse nacional, pela preservação da vida de milhões de brasileiros, que este equipamento fosse encontrado nas gôndolas dos supermercados. Caso os empresários nacionais não atendessem voluntariamente ao chamamento para dar conta dessa emergência, o Estado deveria impor esta reconversão”.

Já o PL 1.285/20, de autoria do deputado Eduardo Costa (PTB-PA), determina que a recusa das empresas em participar da reconversão produtiva deve ser considerada “crime contra a economia popular”. A reportagem entrou em contato com o mandato do deputado, tal como dos outros três autores de PL sobre o tema, mas não obteve resposta das perguntas enviadas.

O papel do Estado

Suminch/Flickr Midia Ninja

Numa nota técnica publicada no dia 13 de maio, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) faz um resgate de experiências históricas de atuação do Estado para direcionar a indústria no sentido dos interesses nacionais e recupera medidas que já foram tomadas por outros países mais recentemente, já no contexto da pandemia de Covid-19. O texto cita, diretamente, a “retirada de algumas restrições regulatórias”, “incentivos para a formação de consórcios voluntários ou conversão compulsória de algumas empresas” e “apoio financeiro e fiscal para a reconversão”. O documento elenca também iniciativas tomadas pelo governo brasileiro, principalmente em relação à desoneração tributária, como a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para artigos de farmácia e laboratórios, luvas e termômetros clínicos e a redução do mesmo tributo para “outros 15 produtos essenciais contra a pandemia”. Complementarmente, o país reduziu também o Imposto de Importação de mais de 220 produtos considerados prioritários que ainda precisassem ser comprados do exterior. Nada disso, no entanto, foi parte de um processo mais diretivo e organizado de reconversão da indústria em função das necessidades impostas pela pandemia.

A nota do Dieese afirma que não é possível “contar com o governo federal” nesse processo, sugerindo que ele seja de responsabilidade dos governos estaduais. Todos os quatro projetos de lei apresentados na Câmara, no entanto, estabelecem que essa deve ser uma tarefa da União. “Ela tem de fato esse papel fundamental porque pode ser a redutora das assimetrias regionais, das desigualdades, [ter] ganho de escala e [fazer] definição estratégica de produção”, diz Padilha, lembrando ainda que são vinculados ao governo federal os bancos públicos que podem ofertar créditos às empresas e que boa parte das regulamentações no campo da saúde também se concentram nessa esfera. “O pacto federativo brasileiro deixou nas mãos da União a capacidade de emitir títulos da dívida, controlar a política monetária. Em situação de emergência, os estados precisam de ajuda, não conseguem fazer mais esse esforço”, completa Jorge Solla. Fernanda Melchionna também justifica o papel da União nesse processo em função de uma “capacidade fiscal mais ampla” do que a que têm estados e municípios, mas faz questão de destacar que a “responsabilidade técnica e operacional” é de um comitê gestor que, na redação feita pela bancada do Psol, conta com várias instituições de pesquisa e com representantes dos gestores estaduais e municipais de saúde. 

Mas o que, exatamente, o Estado precisa fazer? Identificar as necessidades emergenciais, mapear as empresas capazes de contribuir para a cadeia produtiva daqueles equipamentos e insumos, dirigir e regular essa produção. Pode ainda fazer controle de preço – de acordo com os PLs 2.201 e 1.285 – e definir as condições de estocagem, distribuição e venda dos produtos, segundo a proposta do deputado Eduardo Costa. Redigidas de forma distinta nas quatro propostas, são responsabilidade do Estado também facilitar o crédito das empresas, auxiliar o desenvolvimento tecnológico, a logística e a infraestrutura necessárias. O PL 1.759 estabelece ainda que, nos casos em que houver intervenção, o Estado pode contratar trabalhadores temporários ou utilizar a força de trabalho da empresa para dar conta da produção necessária, sempre arcando com os custos.

De todo modo, projetos semelhantes estão tramitando também nos parlamentos estaduais. No Rio de Janeiro, foi aprovado no dia 19 de maio o PL 2.277/20, de autoria original do deputado Flavio Serafini (Psol), mas que incorpora emendas de vários outros parlamentares. O texto autoriza incentivos fiscais, financiamento sem juros, aporte financeiro do governo do estado e mesmo intervenção direta na produção das empresas. Estabelece, em contrapartida, que não pode haver aumento de preço dos produtos sem justa causa e que as empresas beneficiárias dos incentivos não podem demitir nem reduzir salários durante um ano. A definição sobre o que deve ser produzido fica a cargo do Comitê de Crise do estado.

E ainda dá tempo?

No momento em que esta matéria está sendo produzida, o Brasil completa quase três meses de pandemia, com mais de 37 mil mortes. Conselhos, sindicatos e entidades de classe têm denunciado o risco dos profissionais de saúde, devido, em grande medida, à falta de equipamentos de proteção individual – em números absolutos, o país lidera o ranking mundial de mortes desses trabalhadores. Em diversos municípios, pacientes infectados em estado grave esperam uma vaga de leito hospitalar, seja ou não de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sem contar o aumento do número de pessoas que morrem em casa. Tendo em vista esse cenário, um direcionamento no processo industrial ainda pode salvar vidas?

“Tempo há”, responde Fernanda Melchionna, dizendo que, “dada a qualidade e o acúmulo das nossas instituições de pesquisa[...] é de se esperar que caso o PL seja aprovado, os parâmetros de reconversão sejam estabelecidos rapidamente”. E opina: “Se houvesse uma maior responsabilidade com a vida, esse projeto já deveria estar aprovado”. Jorge Solla concorda: “É preciso começar a recuperar o tempo perdido e logo. A necessidade de EPIs, que são descartáveis, por exemplo, já deveria ter ensejado uma reconversão bem feita, para garantir que não haja desabastecimento”.

Para Marcia Teixeira, a resposta sobre se há ou não tempo de solucionar o desabastecimento para combater a pandemia depende de “um diagnóstico real da situação estado por estado”. “É preciso saber quais são os gargalos”, diz. E completa: “A reconversão industrial será tão mais rápida e efetiva quanto menor for a complexidade tecnológica do insumo”. Por isso, ela ressalta que o ‘sucesso’ dessa empreitada depende de uma ação mais incisiva do governo federal não apenas na coordenação dos processos de reconversão: seria importante, por exemplo, que o Ministério da Saúde centralizasse o processo de importação do que não for possível fabricar no Brasil, além da logística de distribuição para os municípios e outras medidas que podem reduzir os custos e acelerar a resposta.

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