Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Seminário faz um balanço dos 5 anos das UPPs no Rio de Janeiro

Co-organizado pela EPSJV, seminário reuniu na UERJ academia e movimentos sociais para discutir projeto das UPPs
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 05/12/2013 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Com o objetivo de fazer um balanço dos cinco anos de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora em comunidades da cidade do Rio de Janeiro, o Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) realizou o seminário “5 anos de ‘pacificação’ no Rio de Janeiro: reflexões sobre Segurança Pública, processos de militarização e controle das cidades” com co-organização da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) e pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). O evento aconteceu nos dias 28 e 29 de novembro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Para discutir o tema “Neoliberalismo e controle social”, - mesa que abriu o seminário com a coordenação do presidente do DDH, João Tancredo, - foram convidados o deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (Psol/RJ), o professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marildo Menegat, e a advogada do Centro de Assessoria Mariana Criola, Fernanda Vieira.

Para Freixo, as UPPs se inserem numa lógica de ocupação militar de territórios urbanos para garantir a exploração econômica desses espaços. “O Rio é hoje um laboratório do capital no mundo, é a cidade espetáculo, não é à toa que estamos vendo tantos eventos internacionais na cidade. O que está em jogo é uma disputa entre concepções de cidade, e o projeto de militarização faz parte dessa disputa. É preciso vincular as UPPs a outras iniciativas como as barreiras acústicas, remoções, privatização do espaço urbano. É a cidade como espaço de negócio, numa lógica do planejamento empresarial, onde o prefeito é síndico ou executivo do capital, atuando na garantia da viabilidade do interesse privado”, apontou. Nesse sentido, disse ele, a projeção de uma imagem de uma cidade “segura” para o mundo é fundamental. “O mapa das UPPs é revelador desse projeto, elas estão em áreas estratégicas para a realização da Copa e dos jogos Olímpicos. A lógica da UPP não é construir cidadania, além do mais, o termo pacificação  é militar”.

Fernanda Vieira lembrou da publicidade veiculada na televisão em 2009, quando a Polícia Militar do Rio de Janeiro completou 200 anos, que mostrava uma professora, um médico e um engenheiro saindo de uma viatura policial em uma favela, simbolizando os direitos de cidadania que chegariam àqueles territórios. Para ela, a UPP não cumpriu com essa promessa. “Com a UPP, sai a vendinha entra o [supermercado] Pão de Açúcar, sai a cooperativa de crédito entra o Santander. Essa lógica militarizada de urbanização das favelas alavanca valor econômico dos territórios e acaba expulsando os moradores”, apontou Fernanda, complementando: “É preciso romper com percepção da cidade militarizada como forma de controle da pobreza. Não pensamos na possibilidade de emancipação com o agigantamento da lógica da dominação”. Ela entende que a UPP representa um Estado de exceção nas favelas, que fere direitos constitucionais dos moradores. “A conjuntura atual é de ampliação cotidiana de Estado de exceção para esses territórios”, afirmou Fernanda.

“A UPP é o marco de uma época, ela é o Estado de exceção de uma época em que a exceção é a regra”, indicou Marildo Menegat, professor da UFRJ, argumentando que elas são uma “ditadura dentro da democracia”.  Para ele, esse modelo é importante para entender a tendência de ampliação da militarização e do poder punitivo do Estado, como forma de controlar territórios onde moram populações pobres. “O capitalismo hoje não é mais capaz de garantir a reprodução social mínima de boa parte da população mundial, estratos significativos da população só tem sua força de trabalho para vender numa sociedade que não contrata, em que o desenvolvimento da técnica poupa cada vez mais trabalho humano, e por isso é preciso disciplinar tanto os que vendem quanto os que não conseguem mais vender sua força de trabalho. É nessa lógica que se insere o poder punitivo do Estado, como vemos pelo aumento expressivo do número de encarcerados no mundo desde os anos 1980. A UPP é um novo aperto do parafuso nessa lógica, ela é uma tentativa do Estado conter as populações que não conseguem mais vender sua força de trabalho com leis de exceção”, analisou Marildo.

Já a mesa ‘5 anos de pacificação carioca: a produção da violência e territórios de obediência’, procurou fazer um apanhado do que as UPPs significaram para os moradores das favelas onde foram instaladas. A mesa reuniu a professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Sonia Fleury, o pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) Daniel Cerqueira e a professora da UERJ Marcia Leite.

Para Marcia Leite, as Unidades de Polícia Pacificadora foram anunciadas como um novo paradigma de intervenção militar nas favelas, através do “convívio renovado com moradores, por policia de proximidade, policiais não contaminados por praticas violentas e corruptas dos quadros antigos da corporação”, afirmou. A consequência mais alardeada disso foi uma queda nos autos de resistência e do número de homicídios nesses territórios, disse Márcia. “As UPPs tem um certo apoio de moradores para os quais é um alívio não ter sua rotina afetada pela presença dos traficantes de drogas. Houve também queda dos homicídios praticados por policiais e encobertos pelos autos de resistência”, pontuou. Mas ressaltou: “Porém os moradores reclamam dos abusos de autoridade violações de direitos civis nas favelas. E o número de desaparecimentos tem aumentado também”.

A outra perna do projeto das UPPs, que prometia a integração urbana das favelas e o provimento de direitos sociais aos seus moradores, vem sendo alvo de críticas de moradores, segundo Marcia. “A UPP Social vem abandonando progressivamente o papel de articulação da entrada de agencias estatais na favela para prover moradores de direitos sociais e equipamentos urbanos e se colocando como agenciador de negócios. E a partir daí que moradores de favela criticam a UPP Social”, afirmou a professora da Uerj. Além disso, disse Marcia, os moradores tem criticado o excesso de intervenção da polícia militar nas associações de moradores e organizações de base, uma vez que os militares têm se colocado na função de fazer a “mediação política entre moradores de favela o Estado”.

Daniel Cerqueira, do Ipea, elogiou o projeto das UPPs, mas ressaltou: “A UPP não é panaceia, a meu ver é como um torniquete num paciente com hemorragia, é necessário mas não suficiente. Agora é preciso dar prosseguimento as mudanças necessárias na segurança pública”. Segundo ele, o chamado policiamento comunitário que a UPP procurou implementar não é novidade no Rio de Janeiro. “O que distingue as UPPs das outras experiências é a escala sem precedentes, são 34 unidades”, disse Cerqueira, complementando que a política trouxe benefícios: “Depois da implantação das UPPs, os, homicídios diminuíram 75% nas comunidades, e os roubos caíram 50%”, informou. Porém, complementou, índices como os de estupro e atentado violento a pudor e furto cresceram.  “São duas hipóteses para explicar isso: um é que diminuiu a subnotificação, e a outra é que acabou lei marcial dos traficantes, que reprimiam esse tipo de crime”, apontou Cerqueira. O pesquisador apontou como benefícios também as “novas oportunidades” as quais os moradores passaram a ter acesso após a implantação das UPPs. “O aprendizado escolar melhorou nas comunidades com UPPs, houve uma valorização dos imóveis, aumento de micronegocios e formalização da rede de clientes de serviços, que passaram a ser serviço formal gerando receitas para empresas e lucros. Isso é um beneficio geral”.

No entanto, Cerqueira apontou que, com a consolidação do projeto, os moradores começam a mostrar frustração com expectativas não atendidas e abusos cometidos pela polícia. “É a mesma policia que sempre tivemos, e quando aumentamos escala é mais difícil controle e gestão, com isso temos episódios como do Amarildo”. Segundo ele, o projeto passa por uma crise de credibilidade, e essa é uma oportunidade de operar mudanças. “É necessária uma reforma radical da polícia, a desmilitarização das policias militar e civil, e envolver  a sociedade privada no projeto da UPP social, envolver a sociedade nisso, com mecanismos de financiamento e gestão, orientadas para a efetividade”.

Já a professora Sonia Fleury, da FGV, questionou a noção de que as UPPs significam mais cidadania para os moradores de favelas. “Como uma política que coloca militares armados e se vende como pacificação, que diz que vai ser participativa coloca todas as decisões já dadas. Uma política que diz que esta favorecendo o social, a integração social mas traz a negação dos direitos sociais”, criticou, complementando: “O que vemos é que ao dar privilégio ao aparato coercitivo-militar, toda a lógica social fica subordinada a repressão. Chama atenção imaginar que uma área da UPP tenha 120 policiais armados e um posto de saúde miserável, com 20 pessoas. Onde está o investimento na assistência social, para melhorar escola pública, melhorar o Cras, o sistema de saúde?”, indagou.

Segundo ela, a lógica da UPPs vai no caminho contrário a concepção de direitos sociais criada na Constituição de 1988. “Quem vai botar os R$ 20 milhões que o Eike Batista não vai colocar mais? Então não é política publica, era privada! Se não tem orçamento para isso, isso não é política pública. Iso não constrói cidadania. Não basta oferecer curso de garçom, mas sim escola pública suficientemente boa para se alguém quiser ser físico nuclear ele pode, se quiser ser garçom pode também”.