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Ser ou não ser: eis a questão

Projeto de capacitação de trabalhadores de hospitais de urgência e emergência em cidades-sede da Copa não é relacionado ao evento, diz Ministério da Saúde.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 05/06/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Entre muitas mobilizações e investimentos para a Copa do Mundo do Brasil, que já chegou atualmente a € 8,5 bilhões - o equivalente a R$ 26 bilhões - dos quais 85% saem dos cofres públicos, como aponta o relatório desenvolvido pela Fundação Heinrich Böll, o Ministério da Saúde, - por meio da Força Nacional do SUS, em cooperação com o Governo alemão, por meio doHost City Programm (HCP), além do Hospital Sírio Libanês - promoveu nos meses de abril e maio um treinamento denominado Curso de Capacitação de Planos Hospitalares, nas cidades-sede da Copa do Mundo. Embora o treinamento seja nas cidades que receberão o Mundial e por meio de uma ONG alemã que participou de treinamento em outros países que sediaram o evento, o MS afirma que este treinamento nada tem a ver com recursos destinados à Copa do Mundo. O artigo 55 da Lei Geral da Copa determina papéis da União sem qualquer custo para o Comitê Organizador, entre eles estão os serviços de segurança, saúde e serviços médicos e vigilância sanitária.

O treinamento, que recebeu investimento estimado de R$ 1 milhão de reais de acordo com informações cedidas pela Lei de Acesso à Informação, incluiu 600 trabalhadores da saúde, gestores e diretores de hospitais. O total de carga horária do curso foi de 40 horas. O curso foi desenvolvido por especialistas que são funcionários das cidades-sede alemãs que trabalharam na operacionalização dos mais diversos temas envolvidos na preparação da Copa do Mundo de 2006. Além disso, cooperaram ainda na preparação dos sul-africanos para a Copa do Mundo em 2010 e também em outros grandes eventos, como a Copa da UEFA e os Jogos Olímpicos de Londres.

Procurado há mais de um mês pela redação da EPSJV/Fiocruz para explicar esses dados contraditórios, o Ministério da Saúde não quis se pronunciar. De acordo com as informações cedidas pela Lei de Acesso à Informação, portanto, o Ministério da Saúde explicou que o plano de capacitação tem como intuito a qualificação da assistência e organização da Rede de Atenção à Saúde nos componentes das urgências e emergências pré-hospitalar móvel, fixa e hospitalar. "Eles são planos de contingência para as várias situações que podem ser enfrentadas pelos hospitais cotidianamente no atendimento à população: acidentes com múltiplas vítimas, acidentes com produtos e materiais perigosos, desastres naturais, surtos e epidemias, entre outros.

O diretor da ONG alemã Ulrich Held em entrevista à EPSJV/Fiocruz informa que esta relação não é tão distante assim. "A partir de 2010 o projeto migrou para o Brasil. Sendo assim, via HCP, os parceiros brasileiros têm acesso às experiências alemãs e sul-africanas, no tangente a receber um megaevento esportivo. Todo o material é exclusivo, preparado pelos consultores HCP com base em suas experiências e privilegiam o viés da administração pública das cidades-sede. Trata-se de voluntários que se dedicam ao HCP paralelamente a suas atividades nas administrações de suas respectivas cidades", explicou.

Já a participação do Hospital Sírio Libanês, o Ministério da Saúde justifica que é em razão da contrapartida, por conta da isenção de recolhimento de contribuições pelo setor filantrópico do Hospital. Por parte do Sírio Libanês ficou a produção dos materiais e realização dos cursos em São Paulo, Cuiabá, Salvador, Natal, Fortaleza e Porto Alegre. A assessoria do Sírio Libanês também não quis comentar o caso.

Urgência e Emergência no Brasil

A pesquisadora da Escola Nacional Superior de Saúde Pública, Gisele O´Dwyer, que tem como principal objeto de estudo a urgência e emergência afirma a situação dos hospitais de todo o Brasil não atende às demandas do país. "A Política Nacional de Urgência e Emergência fez um grande investimento no atendimento pré-hospitalar com o SAMU e a UPA, e o SAMU foi revolucionário, apesar de todos os problemas. Já a UPA muitos políticos fazem uso eleitoreiro dessas unidades. Esses equipamentos de saúde têm suas condicionantes, mas são implantados sem cumprir esses critérios todos. Ela é muito questionável e a forma como ela tem sido em alguns estados", avalia e completa: "Já os hospitais, são os componentes mais frágeis, porque tem uma falta de leitos substantiva no Brasil. O investimento nesse segmento vem tardio em relação à política. E o que temos hoje, na verdade, é que o sistema público não tem condições de dar conta desses grandes eventos", explica.

Para a pesquisadora, os problemas da urgência e emergência no país são mais estruturais. "O subfinanciamento, a competição com o setor privado, - que interfere com o financiamento e a fixação de recursos humanos - são determinantes" explica e detalha: "Daí, por conta desses problemas maiores, enxergamos na prática a falta de leitos para urgências hospitalares, falta de leitos de CTI, que é mais grave ainda. Ainda temos a questão dos profissionais desta área, não existe, por exemplo, a especialidade urgência e emergência no Brasil como existe em outros países. Isso é uma das lutas das pessoas que batalham por essa área", explica.

Além disso, de acordo com a pesquisadora, toda a forma de contratação do SUS está muito precária. Hoje, as organizações sociais e as cooperativas vêm crescendo substancialmente. "Na UPA a rotatividade de profissionais é muito grande, então, de que adianta gastar tanto dinheiro com capacitação se as pessoas não vão ficar fixadas? O ministério tem a preocupação com capacitação, e isso é bom, mas dificuldade da gestão de pessoal é problemática. O cenário é ruim", explicou.