Serviços 
O conteúdo desse portal pode ser acessível em Libras usando o VLibras

Silêncios da ditadura na saúde

Comissão da Verdade da Reforma Sanitária quer descobrir os violados e os violadores nos anos de chumbo na área da saúde.
Viviane Tavares - EPSJV/Fiocruz | 20/03/2014 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h47

Em uma reunião durante o 6º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, que aconteceu no mês de novembro do ano de 2013, em Porto Alegre, trabalhadores do campo da saúde resolveram dar início à Comissão da Verdade da Reforma Sanitária (CVRS). Em pouco mais de um ano, a CVRS, que recebeu apoio da Comissão Nacional da Verdade, já deu início aos seus primeiros trabalhos. Entre os 13 integrantes estão representantes do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), de universidades de todo país e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Entre os objetivos da Comissão está a investigação das violações de direitos humanos praticados por agentes do Estado entre o período de 1964 a 1985 a trabalhadores da saúde. A Comissão está organizada em núcleos em São Paulo, Bahia, Pernambuco, Paraná, Distrito Federal e Mato Grosso, além de um site que disponibiliza as informações sobre o trabalho que vem sendo realizado e que colhe depoimentos de maneira online, por meio de um formulário. ( A presidente da CVRS Anamaria Tambellini, professora aposentada da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) e do Instituto de Ensino de Saúde Coletiva, da Faculdade de Medicina da UFRJ, informa que o recorte da Reforma Sanitária foi por conta da representatividade do movimento naquele momento. "A Reforma foi um movimento que decolou, e culminou em uma proposta para a democracia", explica Anamaria. De acordo com a proposta da CVRS, a pesquisa quer descobrir todos aqueles trabalhadores da saúde que sofreram com o golpe, mas também os que ajudaram o regime. "Já coletamos relatos de que chefes de órgãos públicos impediam trabalhadores de tomar posse, além de afastar outros de suas atividades. Além disso, temos registros de que milhares de pessoas eram vigiadas em seu trabalho, inclusive na Fiocruz e nas Universidades", completa.

A presidente apontou ainda que a Comissão não pretende fazer julgamentos, mas enviar suas pesquisas a instâncias estaduais e nacionais, e que espera uma participação coletiva na produção do conhecimento. "Queremos ir além de recuperar a memória, queremos que o que for coletado e consolidado tenha um aspecto pedagógico. Pretendemos com a CVRS criar um momento reflexivo para pensar em que transformamos a nossa democracia. Será que é isso? Uma obra acabada? Ou ainda é um elemento ativo para que possamos transformá-la e torná-la cada vez melhor?", informa.

A pesquisa da Comissão abarcará todos os trabalhadores independentemente do cargo, sejam médicos, enfermeiros, auxiliares, pesquisadores, técnicos, do sistema público ou privado. "Queremos saber de todo o contexto, o que aconteceu com esse trabalhador depois, com a sua família e como está hoje. Muitas pessoas perderam empregos, cargos, não conseguiram mais trabalhar na área e alguns até cometeram suicídio. Por outro lado, queremos saber quem ajudou o sistema falsificando documentos, emitindo laudos e também saber como eles estão agora, em quais posições dentro do sistema de saúde", explica.

Massacre de Manguinhos

Durante a aula inaugural da Fiocruz, no dia 18 de março, na Ensp/Fiocruz, foi relembrado o ‘Massacre de Manguinhos', como ficou conhecido o caso de perseguição a pesquisadores da Fiocruz, que ainda carece de apurações. De acordo com o pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Renato Cordeiro, que fez parte da mesa ‘Ciência e Democracia - a Fiocruz e a Comissão da Verdade da Reforma Sanitária', o episódio incluiu cassação de direitos, afastamento do trabalho e o exílio de pesquisadores da Fiocruz em 1970.

Naquele momento, por conta do Ato Institucional nº 5, pesquisadores como Haity Moussatché, Herman Lent, Moacyr Vaz de Andrade, Augusto Cid Mello Perissé, Hugo de Souza Lopes, Sebastião José de Oliveira, Fernando Braga Ubatuba e Tito Cavalcanti tiveram os direitos políticos cassados. Pouco tempo depois, um novo decreto aposentou estes pesquisadores compulsoriamente, juntamente com outros dois trabalhadores. "Tenho uma sugestão de proposta de trabalho para a Comissão, que inclui a investigação de alguns ex-diretores, universidades e trabalhadores da Fiocruz da época. Existem muitas informações a serem levantadas", relatou Renato Cordeiro. O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, também durante o evento, confirmou a importância da Comissão e da participação de instituições de pesquisa na atuação da garantia da democracia. "A relação entre a ciência e a democracia não se dá de maneira espontânea. Não garante que a ciência atenda às demandas da população em sua maneira. É uma construção política. Essa é a maior contribuição que a Fiocruz tem trazido, com a forma de pensar ciência e saúde na sociedade", informou.