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SOS Emergências e Melhor em Casa

Ministério da Saúde lança dois programas para melhorar atendimento no SUS. Pesquisadores falam sobre os desafios do país nessas áreas.
Raquel Júnia - EPSJV/Fiocruz | 23/11/2011 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

A coordenadora geral de atenção hospitalar do Ministério da Saúde, Ana Paula Cavalcanti, explica que os 11 hospitais selecionados como prioritários no SOS Emergências fazem parte de um conjunto de 231 unidades, que também serão objeto de ações do programa, embora os 11 escolhidos passem a ter um acompanhamento mais efetivo do Ministério da Saúde. "Haverá um apoiador do Ministério presente e a formação do Núcleo de Acesso e Qualidade. Esse Núcleo servirá para levantar o diagnóstico do hospital, os principais problemas, fazer a relação dele com a rede, melhorar o fluxo de atendimento internamente, o acompanhamento dos pacientes, a taxa de ocupação de leitos, a média de permanência no hospital, ou seja, fazer toda a parte de gestão da clínica dessa porta de entrada", detalha. De acordo com Ana Paula, o "apoiador" será um profissional de saúde contratado pelo MS na cidade onde está situado o pronto-socorro. "Esta pessoa irá trabalhar diariamente no Núcleo de Acesso e Qualidade junto com os funcionários do hospital para melhorar a gestão e ser o apoio do Ministério diretamente naquele pronto-socorro. Ela trabalhará cotidianamente para melhorar o fluxo dos pacientes, para melhor acolher, diminuir as filas e o tempo de espera. Todos os indicadores de melhoria de qualidade de atendimento serão monitorados
por esse apoiador do Ministério da Saúde", define. 

Ana Paula destaca que o SOS Emergências não é a única estratégia do governo para resolver o problema dos pronto-socorros. Segundo ela, serão ampliados os leitos das Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), de clínica médica e de longa permanência não apenas
nestas 11 emergências, mas nos hospitais em torno delas. "É preciso encaminhar esse paciente que entra pelo pronto-socorro para dar continuidade ao atendimento dele. Então, para tirar as macas dos corredores, precisamos ter leitos de UTI, de clínica médica, ter atenção domiciliar para desospitalizar os pacientes crônicos. Há uma série de estratégias que estão sendo feitas para melhorar o atendimento nas urgências, inclusive a implantação do Melhor em Casa", diz.

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Daniele de Moraes considera que a estratégia é boa, mas que deve ser pensada de fato em articulação com outras iniciativas para não correr o risco de ser insuficiente.
"Estudos como os de Gisele Oliveira O'Dwyer, realizado com outros colaboradores, por exemplo, já apontam que os problemas da atenção de urgência e emergência não são exclusividade do sistema de saúde brasileiro, mas estão presentes em vários países no mundo. É
preciso ter em mente a organização da atenção hospitalar de urgência e emergência, mas é preciso pensá-la na dimensão de rede. Isto quer dizer que a iniciativa é insuficiente se pensarmos que o sistema de saúde deve funcionar, por exemplo, em redes regionalizadas de atenção", avalia.

A professora destaca que este desafio esteve presente desde o surgimento do SUS e reforça a importância de entender como se estrutura constitucionalmente o sistema de saúde brasileiro para, a partir daí, serem pensadas soluções para os problemas. "A noção de que
o SUS deve funcionar como uma rede regionalizada e hierarquizada, por exemplo, já está presente no artigo 198 da Constituição federal. Então, não se pode pensar a atenção hospitalar, ou mesmo a atenção hospitalar em urgência e emergência, separadamente do resto do sistema de serviços de saúde. Não no Brasil. E a atenção hospitalar às urgências e emergências é apenas uma parte de uma rede de atenção às urgências e emergências. Isto quer dizer que esse atendimento deve estar presente em todos os níveis de atenção, desde a rede
básica, passando, por exemplo, por um Samu bem equipado e regulado, até pelas UPAs [Unidades de Pronto-Atendimento], que também não são novidade como estratégia, e a atenção hospitalar", pondera.

Para Ana Paula, o Ministério da Saúde está atento às necessidades de fortalecer toda a rede e há outras iniciativas em curso para melhorar, por exemplo, a atenção básica. "Até porque esse paciente, quando é bem atendido na atenção básica, não chega necessariamente à urgência. Além disso, na rede de atenção às urgências serão criadas as UPAs em todo o Brasil, para darem suporte aos pronto-socorros. Os casos de menor complexidade poderão ser atendidos nas UPAs, assim como o Samu será estruturado com a perspectiva de
ser universalizado para que este paciente que precise da urgência chegue mais rápido. Então, até chegar à porta do hospital há uma série de atendimentos que podem ser feitos. E depois, quando o paciente chega ao pronto-socorro, temos a estratégia do Núcleo de Acesso e Qualidade, a melhoria da ambiência, a melhoria dos fluxos e dos leitos de retaguarda e na saída desse paciente, se ele cronifica, ainda temos o Melhor em Casa", diz.

Estratificação de risco

O Ministério da Saúde aposta no que chama de "acolhimento dos pacientes com classificação de risco", já praticada em alguns hospitais com o nome de "triagem", para melhorar o acesso e a acolhida nos pronto-socorros. Ana Paula explica que esta medida, prevista no
SOS Emergências, irá hierarquizar a gravidade dos problemas de saúde dos pacientes. "Esta medida fará com que o pronto-socorro atenda prioritariamente aqueles casos graves. E aqueles pacientes com menor gravidade serão reencaminhados ou atendidos em outros pontos de atenção que não aquele. É uma forma consagrada mundialmente", comenta. Ela própria reconhece, entretanto, que não adianta hierarquizar o atendimento nas urgências se o paciente não tiver condições de atendimento em outras unidades. "Se não houver a possibilidade de essa pessoa ser atendida em pontos de menor complexidade não adianta. Por isso é importante ter a unidade de pronto-atendimento, a atenção básica qualificada, as salas de observação nas unidades básicas. Todos esses equipamentos de saúde
que o Ministério da Saúde está não apenas disponibilizando, mas qualificando, são importantes para que cada pessoa seja atendida naquilo em que ela precisa em tempo hábil e de forma eficaz", diz. Segundo Ana Paula, alguns dos 11 hospitais já fazem a estratificação de risco e a meta é que todos os 231 adotem este procedimento.

A professora Daniele, que também é médica e já trabalhou em diversos serviços de saúde, inclusive pronto-socorros, alerta para a existência de "pontos de estrangulamento" no SUS, que fazem com que as pessoas procurem a emergência. "Um exemplo comum é o caso de homens com hiperplasia de próstata que, pela demora nas consultas e cirurgias urológicas acabam entrando pela emergência para colocar uma sonda de alívio, para poderem urinar. Estas pessoas, por exemplo, podem ‘entupir' um leito por muito tempo. Essa me pareceu uma das preocupações do SOS Emergências, mas o problema não está propriamente na rede de emergência, e sim em outro nó da rede. Sem isto resolvido, a pessoa pode até ser liberada para casa, mas voltará em pouco tempo, e pode inclusive voltar com complicações", exemplifica. No caso citado, Daniele explica que se trata de lacunas no atendimento especializado, mas, de acordo com ela, há problemas também na atenção básica. "Se houvesse acesso e resolutividade na atenção básica não teríamos ainda tantas internações por diarreia e desidratação de crianças. E, consequentemente,mortalidade em menores de cinco anos, uma das metas do milênio que o Brasil não conseguirá atingir. Podemos dizer o mesmo para o atendimento a pessoas com dengue, por exemplo. Em outras palavras, a rede básica, a estratégia de saúde da família deveria ser capaz de fazer uma parte destes primeiros atendimentos e estratificações de risco que figuram entre os dispositivos citados no SOS Emergências. Mas para isso é preciso pensar uma rede básica adequadamente equipada, funcionante, articulada com o restante da rede. Lembrando de um dos comentários do Gastão Wagner [médico sanitarista] na minha época de residência, saúde não custa barato. Rede básica funcionando com acesso e resolutividade não custa barato", problematiza. A médica lembra ainda que a estratificação de risco já estava apontada como um dos pressupostos da Política Nacional de Humanização desde 2003 e que a medida se relaciona com um dos  princípios e diretrizes do SUS previstos na lei 8080: a equidade.

Daniele chama atenção para o fato de que as pessoas procuram o serviço de saúde mais próximo e mais acessível no momento em que necessitam. "Pronto-socorro é o lugar aonde se vai tanto porque acabou o remédio para pressão alta, ou a insulina, quanto, muitas vezes, por causa de infestação por piolho. E também porque o carro bateu e o resgate levou, porque enfartou, porque se está à beira da morte. Muitas vezes se culpa a população por procurar o pronto-socorro. Mas será que a população é desinformada ou será que a água escorre por onde, neste caso, nem é mais fácil, mas é o possível? Ninguém quer ficar a madrugada esperando para ser atendido em uma UPA por causa de um problema que poderia ser resolvido perto de casa. A Unidade Básica de Saúde não funciona à noite. A maioria das pessoas sai para trabalhar antes de a unidade básica abrir e só chega depois que ela fecha. Isto é acesso? O sistema de saúde precisa se adequar às necessidades de saúde da população e não o contrário. Se é um bairro onde há muitas prostitutas e prostitutos trabalhando, não adianta nada uma unidade de saúde funcionar da manhã, por exemplo. Isso é prerrogativa", enfatiza. "Não é só a perspectiva técnica especializada que dará conta de organizar o sistema de saúde. É um equívoco acreditar nisso. Precisamos ouvir os usuários, as pessoas que estão trabalhando nas unidades. Eu não vejo outra possibilidade", complementa.