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Agente comunitário de saúde: profissão que está na base do SUS ainda é desvalorizada, diz pesquisadora da EPSJV

Nesta semana, o Brasil celebrou a efeméride em homenagem a trabalhadoras e trabalhadores que estão na porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS) e sustentam alguns dos pilares da rede de atendimento. O Dia Nacional do Agente Comunitário de Saúde (ACS), 4 de outubro, faz referência à profissão essencial para garantir que o SUS seja para todas e todos, supere os obstáculos da desigualdade e preste atendimento integral, com prevenção, tratamento e reabilitação.

No modelo de saúde da família – implementado no Brasil com altos e baixos a partir da oficialização do SUS no início da década de 1990 –, agentes comunitários realizam um trabalho que aproxima a assistência da população. Além disso, a atuação na base promove articulação e gera informações contextualizadas.

Essa presença nos territórios, em alguns casos, é a única garantia de acesso à saúde para a população local. O diagnóstico das equipes de agentes comunitários vai além da saúde física, tem possibilidade de abranger aspectos sociais, culturais, demográfico e mobilizar comunidades para participação nas políticas públicas.

Márcia Valéria Morosini, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz) afirma, em entrevista ao podcast Repórter SUS, que o trabalho dessas equipes leva visibilidade a questões que poderiam passar despercebidas pelo poder público e pela sociedade. Ouça no tocador acima.

“São elas que ajudam a compreender como a saúde e a doença se desenvolvem nos territórios, como a vida das pessoas que moram ali, que se relacionam, que que crescem, que brincam, que trabalham nesses territórios, se faz no dia a dia. São pessoas de referência que seguem visitando regularmente as casas das pessoas, conversando sobre os mais diversos problemas e situações que acometem a vida dessas pessoas. Elas têm o potencial, por exemplo, de identificar situações que poderiam passar invisíveis aos serviços de saúde caso agentes não estivessem ali presentes cotidianamente", considera.

Essa conexão tão direta com as bases essenciais do SUS também faz com que a prática da profissão esbarre nos mesmos problemas estruturais do Sistema: falta de financiamento, dificuldades de formação, baixos salários, condições inadequadas de trabalho e precarização.

A atuação desses trabalhadores já existia antes do Sistema Único de Saúde e em iniciativas regionais ligadas à sociedade civil, principalmente no Nordeste, mas só veio a se nacionalizar junto com a política pública. Reconhecida em 2002 como profissão, veio a ser incluída entre as profissões de saúde em janeiro de 2023, por meio da Lei nº 14.536.

Morosini ressalta que esses trabalhadores e trabalhadoras vivem cotidianamente os impactos da falta de reconhecimento e valorização. Ela lembra que, ao longo da pandemia de covid-19, essa realidade causou consequências práticas de alto risco, como a falta de acesso a equipamentos de segurança, que levou a maior exposição ao coronavírus.

Ela pontua ainda a importância de investimento em formação técnica e crítica, “esperamos que a formação das agentes seja pautada criticamente, que promova a integração entre as dimensões técnicas e científicas do conhecimento que fundamenta a saúde e o trabalho em saúde. Esperamos que essa formação promova a formação cultural, ética humana, enfim, uma formação unilateral dessas trabalhadoras”.

Ainda de acordo com a pesquisadora, o Ministério da Saúde tem sinalizado para a recuperação de compromissos políticos direcionados à reconstrução do SUS. “Temos que lembrar que desde 2017, com a publicação da última versão da Política Nacional de Atenção Básica (Penab 2017), temos presenciado um processo de reestruturação da atenção básica, que, entre outras mudanças, indefiniu o número mínimo de ACS por equipe de saúde da família e previu ainda a existência de equipes sem ACS. Não é a toa que, em pesquisas recentes, temos identificado municípios com redução do número de agentes por equipe."

A partir de 2012, o Brasil conseguiu chegar a um patamar de cobertura com agentes comunitários superior a 65%. Nos anos seguintes, os índices ficaram em patamares semelhantes. A partir de 2017, no entanto, voltaram a cair. Em 2020, primeiro ano da pandemia a cobertura caiu para pouco mais de 60%.

Edição: Rodrigo Chagas

Por: Juliana Passos e Nara Lacerda, do Brasil de Fato

Categoria(s):

Repórter SUS