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Qualidade da educação depende da formação e valorização de seus profissionais

Quarto eixo da Conae discute instituição de uma Política Nacional de Formação e Valorização dos Profissionais de Educação.
Leila Leal - EPSJV/Fiocruz | 01/03/2010 14h51 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Formar profissionais críticos, que se compreendam como construtores de um determinado projeto de educação, preparados para reconhecer o papel das instituições de ensino em suas relações com o conjunto da estrutura social do país e capazes de construir conhecimento a partir de suas intervenções pedagógicas. Ao mesmo tempo, garantir a esses profissionais as condições para que exerçam plenamente suas funções e possam qualificar-se permanentemente. São essas as concepções que têm norteado o debate travado entre parcela significativa dos trabalhadores da educação, pesquisadores, órgãos do poder público e sociedade civil no que se refere à formação e valorização profissional, tema do quarto eixo da Conferência Nacional de Educação (Conae). Por profissionais de educação, o documento-referência da Conferência entende os professores, especialistas, funcionários de apoio e técnico-administrativos que atuam em instituições e nos sistemas de ensino básico, profissional e superior.

Formação crítica ainda é perspectiva distante

Atualmente, a formação de professores no Brasil é oferecida por diferentes instituições e em diversos formatos. As escolas normais ainda oferecem os cursos de magistério de nível médio. Nas universidades e IES de maneira geral, são oferecidos os cursos de licenciatura e pedagogia. Há, ainda, os Institutos Superiores de Educação (ISEs), criados pela LDB para oferecer, nas IES, a formação na modalidade normal superior e, também, licenciaturas, programas de formação continuada, programas de formação pedagógica para diplomados em nível superior e pós-graduação para atuação na educação básica. Por fim, os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) ou Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifets) oferecem licenciaturas em geral e específicas para educação profissional que, segundo o documento-referência da Conae, devem ser incentivadas e ter sua oferta ampliada não apenas nos Centros e Institutos Federais, mas também nas IES.

Uma medida que vem sendo discutida pelo governo e trabalhadores da educação é a formulação do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, criado a partir da instituição da Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, em janeiro deste ano. O Plano é destinado aos professores sem formação adequada às exigências da LDB que estejam em exercício nas escolas públicas estaduais e municipais, e oferece vagas presenciais em cursos de licenciatura com duração menor do que os cursos regulares nas instituições públicas de ensino superior e vagas para o ensino à distância através da Universidade Aberta do Brasil (UAB).  

Para Heleno Araújo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco, secretário de assuntos educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e um dos integrantes da Comissão Organizadora Nacional da Conae, a formação inicial dos profissionais de educação no Brasil precisa ser repensada no conjunto. “Nós da CNTE apontamos a necessidade de repensar a formação inicial, especificamente aquilo que as universidades e faculdades colocam como prática na formação dos profissionais de educação. Nos últimos anos, houve um processo de proliferação de universidades privadas sem condições adequadas”, descreve. E avalia: “Isso influencia o processo pedagógico, configurando uma formação débil, sem contato com a realidade. Para tentar compensar, as instituições oferecem ênfase em determinadas disciplinas, e os profissionais recebem uma formação voltada para áreas específicas, para preparar alunos para concursos e vestibular. Assim, a escola fica voltada para questões imediatas e perde sua perspectiva de formar cidadãos e cidadãs plenos, que pensem a sociedade”.

Heleno Araújo faz questão de frisar que, ao tratar dos profissionais de educação, não se refere apenas aos docentes, já que a função pedagógica é exercida pelo conjunto dos trabalhadores que atuam nas instituições de ensino. Seguindo a mesma lógica, o documento da Conae fala também dos profissionais que não são docentes. A LDB determina que os profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica devem ser formados em cursos de graduação em pedagogia ou em pós-graduação para a área. Especificamente para a formação inicial dos trabalhadores que desempenham funções administrativas em escolas públicas estaduais ou municipais da educação básica, o MEC instituiu, em 2007, o Curso Técnico de Formação para os Funcionários da Educação (Profuncionário), de nível médio e oferecido na modalidade à distância. Quando os Ifets foram criados, em 2008, passaram a atuar em parceria com o Profuncionário, oferecendo formação de tutores e professores orientadores do curso e assessoria aos sistemas de ensino para sua divulgação e implantação.  

Valorização: piso salarial e jornada digna são pilares

Para o desenvolvimento de uma política de valorização profissional conjugada com políticas de formação inicial e continuada, o documento-referência da Conae propõe a instituição de um plano de carreira específico para os profissionais de educação, que contemple um piso salarial nacional; a garantia de jornadas de trabalho em uma única escola, com tempo de planejamento incluído; condições de trabalho e carreira; e o estabelecimento de um número máximo de alunos por sala de aula e por professor. Nesse sentido, o documento aponta como um importante avanço a instituição do piso salarial nacional, regulamentado pela Lei 11738/08. A Lei fixa o valor de R$ 950 para o salário base de profissionais do magistério público com formação em nível médio na modalidade normal, para jornada de 40 horas semanais. Além disso, determina a possibilidade de os professores destinarem um terço do tempo total de suas jornadas às atividades realizadas fora de sala de aula.

Lisete Arelaro, professora da Faculdade de Educação da USP e integrante do Conselho Técnico Científico de Educação Básica da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), no entanto, avalia que a chamada ‘lei do piso’ apresenta uma série de limitações: “Por um lado, a existência de um piso nacional para a valorização dos professores é essencial e uma conquista dos movimentos sociais e sindicais. No entanto, o que foi aprovado ainda é um salário bastante baixo para a função de professor no Brasil. Fora a questão política da existência de um piso salarial nacional, o grande ganho com a lei foi o fato de constar, do projeto original, o mínimo de um terço da jornada para horas-atividade. Hoje o professor ganha mal e, por isso, acaba acumulando cargos. Essa é razão pela qual defendemos que a valorização profissional deve ser principalmente salarial e com jornada digna, numa escola só. Defendemos a jornada com 20 horas de trabalho em sala com os alunos e outras 20 horas para preparação, planejamento e leitura, o que é condição fundamental para a formação continuada”.

Política nacional e subsistema para formação e valorização

O documento-referência da Conae apresenta para debate duas propostas gerais sobre o eixo de formação e valorização profissional: a instituição de uma Política Nacional de Formação e Valorização dos Profissionais de Educação e a criação de um subsistema para o eixo, como parte integrante da proposta que aponta a criação, a partir da discussão na Conae, de um Sistema Nacional Articulado de Educação. O objetivo da Política Nacional seria garantir a ampliação da formação superior de docentes para educação básica e superior e instituir políticas e programas específicos de formação e profissionalização de especialistas, trabalhadores de apoio e técnico-administrativos. Nesse sentido, vai além do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, que já existe, restrito a esse nível de ensino e voltado apenas aos docentes que já estejam exercício.

O subsistema de formação e valorização apareceria como resultado e desenvolvimento da proposta geral de criação do Sistema Nacional Articulado - apresentada pelo documento-referência da Conae como elemento central das discussões a serem travadas na Conferência. Esse Sistema traçaria políticas unificadas para os principais pilares da educação brasileira. Segundo Heleno de Araújo, o subsistema será importante para rediscutir os cursos de formação de professores do Brasil: “O que se pretende com o subsistema, que inclui um fórum estadual e uma série de debates, é que a escola diga quais as suas demandas e dificuldades. A demanda virá da escola e será colocada no fórum estadual, que vai formular sua proposta e negociar com as universidades públicas como montar esses cursos”, diz. No entanto, Beatriz Lugão, professora e coordenadora geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro, chama atenção para o conflito entre interesses públicos e privados num subsistema como esse: “Ter um sistema nacional articulado é fundamental, mas sob interesse de quem? O que governa o setor privado é o lucro e a formação imediata para seus bancos de trabalho, e para nós não pode ser dessa forma. Para a formação de profissionais, um sistema público tem que ter em mente um projeto de nação, que não necessariamente dê lucro aos empresários, mas que coloque o país em outro patamar. Nós queremos um sistema educacional articulado que forme cérebros pensantes, calcados na ciência, e que se desdobre para a parte técnica, mas que não seja apenas formação de mão-de-obra para o mercado”, conclui.  

Comentários

Baseada em informações que algumas disciplinas tendem a não fazerem parte do currículo nacional, questiono como será o desdobramento dos conteúdos pertinentes à elas e em especial referente à Educação Física que contempla a formação do sujeito como um todo e em todas as dimensões?