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Financiamento da educação é um dos focos da Conae

Para especialistas, gestão e fiscalização dos recursos aplicados são fundamentais
Raquel Torres - EPSJV/Fiocruz | 15/03/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Uma antiga e constante reivindicação da educação é o aumento dos recursos para que possam ser garantidos um ensino de qualidade, escolas com boas condições materiais, profissionais bem formados e valorizados e a expansão da oferta pública em todos os níveis. Esse é o principal tema nas discussões do 5o eixo da Conferência Nacional de Educação: ‘Financiamento da Educação e Controle Social’. E, para os pesquisadores e educadores ouvidos pela Revista Poli, é fundamental que as questões relacionadas ao financiamento estejam bem fundamentadas e sejam aprovadas no próximo Plano Nacional de Educação, para que as metas estabelecidas possam de fato ser operacionalizadas.

Histórico difícil

De acordo com Carlos Jamil Cury, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), diversas foram as ocasiões em que a falta de garantia de recursos atrapalhou a concretização de propostas: lembrando momentos recentes, ele cita a elaboração de fundos de financiamento para cada nível de ensino após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases de 1961: “Logo depois que esses fundos foram elaborados, o regime militar desvinculou os impostos que até então a Constituição garantia para a educação. Ao mesmo tempo, essa ditadura ampliou o ensino obrigatório de quatro para oito anos. Ou seja: ampliou a cobertura e retirou recursos”, diz.

A Constituição de 1988, que estabeleceu a universalização do ensino fundamental, fixou percentuais mínimos dos impostos que os entes federativos deveriam investir em educação – no entanto, na década seguinte, a instituição do Fundo Social de Emergência, embrião da Desvinculação de Recursos da União (DRU), desvinculou 20% do montante da União. No fim do ano passado, finalmente foi aprovada a eliminação progressiva da incidência da DRU sobre a educação: de acordo com o texto aprovado – a Emenda Constitucional 59 –, a DRU será totalmente eliminada já a partir de 2011, o que pode representar, por ano, até R$ 9 bilhões a mais para a educação, em âmbito federal.

Mas, ao mesmo tempo em que garante mais recursos, a Emenda amplia também a oferta. Se antes o poder público só era obrigado a garantir o ensino fundamental, agora o texto afirma que o ensino é obrigatório para todos entre 4 e 17 anos, o que deve ser garantido até 2016. Além disso, a lei ordinária 12.061, sancionada em outubro, modifica a LDB de 1996 e torna o ensino médio universal. “Na prática, o aumento nos recursos acaba não sendo efetivo, porque incorporamos mais estudantes. As medidas são positivas pela expansão na oferta, mas o aumento  nos recursos não é proporcional”, analisa Gabriel Grabowski, coordenador do núcleo de educação tecnológica da Rede Metodista de Educação Porto Alegre e pesquisador do financiamento da educação profissional.

Custo-aluno-qualidade

O documento-referência da Conae diz que o financiamento da educação deve tomar sempre como base o custo-aluno-qualidade (CAQ). O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Nicholas Davies lembra que a Constituição de 1988 já previa o estabelecimento de  um padrão para o ensino fundamental, baseado no cálculo de um custo mínimo por aluno para assegurar um ensino de qualidade. “Quando um município não tivesse recursos suficientes para alcançar esse valor, a União e os estados precisariam complementar o orçamento”, explica Nicholas.

O estabelecimento desse padrão não é simples. Segundo Nicholas, ele depende de muitas variáveis, como o número de alunos por professor, a remuneração dos profissionais e as condições físicas das escolas. O problema, de acordo com ele, é que esse cálculo nunca foi feito, apesar do dispositivo constitucional. “Os artigos nunca foram regulamentados e, assim, a população não pode cobrar dos governantes”, aponta.

Hoje, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), é estabelecido a cada ano um valor mínimo a ser investido por aluno. No entanto, o cálculo não é feito com base em um padrão de qualidade, mas sim levando em conta a arrecadação – esse ano, o valor é de cerca de R$ 1.200. De acordo com Gabriel, há estudos brasileiros indicando que, para garantir a qualidade, o mínimo deveria girar em torno de R$ 4,5 mil por aluno.

Do Fundef ao Fundeb

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) foi implantado no início de 1998 e atuou até 2006. Seu objetivo foi mudar a estrutura de financiamento do ensino fundamental, subvinculando a essa etapa do ensino parte daqueles 25% de impostos que, pela Constituição, estados e municípios já deveriam destinar à educação: com o Fundef, o ensino fundamental se tornou o destino de 15% do total de impostos a que a Constituição se refere. Além disso, o Fundo instituiu uma forma de partilha de recursos baseada no número de matrículas no ensino fundamental regular de cada rede de ensino, o que significa que redes com mais alunos recebiam mais recursos.

Uma das críticas ao Fundef refere-se ao fato de que ele cobria apenas essa etapa do ensino, tratando a educação básica de forma fragmentada. Em 2006, o Fundeb foi criado para substituir o Fundef, já levando em conta os demais níveis. Com vigência prevista para até 2020, ele ainda aumenta a subvinculação que havia sido instituída pelo Fundef, de 15% para 20%. Funciona assim: existe um fundo para cada estado e para o Distrito Federal, e cada um é formado pelos recursos subvinculados, bem como por recursos federais, usados para complementação (calculada com base naquele valor mínimo por aluno que, a cada ano, é estipulado). Assim como ocorria no Fundef, a distribuição de recursos toma por base o número de alunos de cada rede.

Para Gabriel Grabowski, o Fundeb representa um avanço em relação ao Fundef, uma vez que recupera o conceito de educação básica, ampliando a relação entre as etapas. Mas um problema persiste: a baixa participação da União na complementação dos recursos. “Afinal, o financiamento foi ampliado para toda a educação básica, enquanto a ampliação efetiva de recursos não foi feita na mesma proporção. Hoje, a União investe em torno de R$ 5 bilhões por ano no Fundeb, enquanto a soma total dos recursos é da ordem de R$ 85 bilhões – ou seja, estados e municípios arcam com os outros R$ 80 bilhões”, analisa.

Educação profissional

No capítulo sobre financiamento, o documento-referência fala pouco sobre a educação profissional: diz apenas que é preciso ampliar e consolidar suas políticas de financiamento e expansão.  Mas, para Gabriel Grabowski, deve-se considerar, em primeiro lugar, que o Brasil ainda não possui uma política de financiamento para essa modalidade. Como não existe um fundo específico nem uma vinculação constitucional – com exceção do Sistema S –, o financiamento fica restrito ao que cada governo estabelece em seu orçamento.“Cria-se um conjunto de programas e os recursos ficam fracionados. : a educação profissional não possui realmente uma política de financiamento, mas sim um conjunto de programas que financiam ações”, distingue.

Por isso, Gabriel defende que não apenas sejam ampliados os investimentos em educação profissional, mas também que haja uma fixação de recursos permanente para ela. A Proposta de Emenda Constitucional 274/2003, do senador Paulo Paim, tramita hoje no Congresso e tem o objetivo de instituir o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profissional e Qualificação do Trabalhado (Fundep). “A proposta ainda está sofrendo modificações, mas, fundamentalmente, prevê um conjunto de recursos já existentes e tenta otimizá-los, além de agregar novos recursos, em especial parte do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Hoje, o Fundep começaria com cerca de R$ 9 bilhões fixos, e sua gestão seria quadripartite – com a participação de governo, empresários, sindicatos e instituições de ensino”, explica Gabriel.

O controle

A fiscalização dos gastos públicos é feita em âmbito municipal, estadual e federal pelos tribunais de contas. Mas, para Nicholas Davies, existe uma série de falhas na atuação dos tribunais que acaba levando a erros na fiscalização: “Um exemplo é a aplicação de recursos do Fundef e do Fundeb, no Rio de Janeiro. A prefeitura deveria investir em educação, além dos 25% de impostos previstos na Constituição, a receita adicional proporcionada pelo Fundo. Só que, durante muitos anos a prefeitura inclui o ganho do Fundo nesses 25%, ou seja, aplica menos do que deveria em educação. E isso foi aprovado por vários anos pelo Tribunal de Contas do Município. Além disso, ainda há locais que contabilizam gastos com merenda escolar e pagamento de aposentados como despesas de educação, o que já foi excluído pela LDB”, exemplifica.

O controle social dos gastos, por sua vez, é feito por meio dos conselhos de educação – escolares, municipais, estaduais, nacional – e ainda pelo Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb. “Mas nem todos os conselhos conseguem funcionar efetivamente, porque nem todos têm condições técnicas de acompanhar orçamentos e execuções orçamentárias”, problematiza Gabriel Grabowski.