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Conferência Nacional de Educação

Financiamento, valorização de profissionais e inclusão no centro dos debates.
Raquel Torres - EPSJV/Fiocruz | 15/04/2010 08h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h46

Erradicar o analfabetismo; ampliar a oferta de educação infantil, ensino médio e ensino superior; incrementar a Educação de Jovens e Adultos (EJA); estabelecer que cursos de formação de docentes dêem conta de temas como educação sexual, pluralidade cultural e questões de gênero; assegurar o atendimento a estudantes com necessidades especiais; ampliar a oferta de mestrado e doutorado na área educacional; ampliar a oferta de educação aos povos indígenas e aumentar os gastos públicos com educação para 7% do Produto Interno Bruto (PIB).

Todas essas metas foram objetos de debate durante a Conferência Nacional de Educação, (Conae) realizada em Brasília entre 28 de março e 1o de abril, mas já estavam em pauta dez anos atrás, quando foi aprovado o último Plano Nacional de Educação (PNE), cujo período de vigência começou em 2001 e termina no ano que vem. O objetivo da Conae foi estabelecer diretrizes que vão nortear a elaboração do próximo PNE: embora as decisões tomadas durante a Conferência não tenham valor de lei – a Conferência é apenas propositiva –, espera-se que o Plano aprovado absorva suas indicações.  Cerca de 3 mil pessoas, entre delegados e observadores, participaram dos debates – mas desde o ano passado foram realizadas cerca de 1.500 conferências municipais e 27 estaduais, que tiveram a participação de 400 mil pessoas. Como você viu nas últimas edições da Poli, a ideia principal é construir um Sistema Nacional Articulado de Educação. As discussões foram divididas em cinco eixos: ‘Papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional’, ‘Qualidade da educação, gestão democrática e avaliação’, ‘Democratização do acesso, permanência e sucesso escolar’, ‘Formação e valorização dos profissionais da educação’, ‘Financiamento da educação e controle social’ e ‘Justiça Social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade’.

Desde o primeiro dia de evento, duas reivindicações chamavam a atenção: grandes cartazes e gritos do público pediam mais recursos para a educação e a real implementação do piso salarial de docentes, que atualmente é de R$1.024, mas não é cumprido em muitos estados e municípios.  Na mesa de abertura, o ministro da educação, Fernando Haddad, concordou com os pedidos. “Conseguimos aumentar os recursos nos últimos anos, mas as reivindicações de melhor financiamento são justas. E também ainda temos que avançar no piso salarial, fixando metas de reajuste anual”, afirmou. No encerramento da conferência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou a importância da valorização dos profissionais e prometeu conversar com os governadores que não cumprem a lei do piso.

Um pleonasmo

No painel inicial da Conferência, o professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Dermeval Saviani defendeu a necessidade de se consolidar um Sistema Nacional de Educação (SNE) que, reconhecendo e respeitando a autonomia dos entes federados, possa integrá-los e fortalecê-los. “Após três oportunidades perdidas de construção de um SNE – a primeira com a Constituição Federal de 1934, a segunda com a primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1946, e a última com a LDB atual, em 1996 –, esperamos que não seja desperdiçada essa oportunidade que se abre agora, com a realização desta Conae”, disse o professor.

Para Saviani, essa é a melhor forma de responder às necessidades da população de um país organizado sob um regime federativo. “A plena forma de organização da educação é traduzida pelo SNE: trata-se de um sistema pleno, público, autônomo, com normas para todos os integrantes e todo o território nacional. O grau de autonomia dos estados e municípios é respeitado, e lhes é permitido baixar normas para o funcionamento do ensino, mas submetendo-se sempre às diretrizes e bases traçadas pela União”, afirmou, frisando que a autonomia de municípios não deve ser sinônimo de “entregá-los à própria sorte”: “Integrar não é isolar – o isolamento transforma a diversidade em desigualdade”.

Apesar dessa defesa, o professor criticou a maneira como o sistema foi apresentado pela Conferência: um ‘Sistema Nacional Articulado de Educação’. De acordo com ele, a palavra ‘sistema’ já implica uma articulação, sendo inconcebível um sistema não articulado. “Nem todo pleonasmo é negativo. Mas mesmo que o termo ‘articulado’ seja apenas para reforçar, existe a possibilidade de redução do SNE a uma simples articulação dos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino, todos supostamente autônomos entre si. Se for aprovada uma proposta nesses termos, o SNE fica reduzido a uma formalidade. Isso não basta. É preciso um sistema nacional que não dependa da adesão autônoma e a posteriori de estados e municípios. A sua participação é na construção, pois um sistema não é da União: é do país”, destacou.

Metas não alcançadas

O último PNE não foi exatamente um sucesso: muitas das metas estabelecidas na época ainda não foram alcançadas e não é por acaso que as reivindicações continuam a aparecer agora. O acesso à educação, por exemplo, ainda está aquém do desejado. Enquanto a determinação era que se acabasse com o analfabetismo até o fim da década, cerca de 14 milhões de brasileiros acima de 15 anos ainda não sabem ler e escrever. O acesso ao nível superior deveria ser de 30% no fim da vigência do PNE, mas apenas 13,7% da população entre 18 e 24 anos cursa essa etapa. O volume de recursos financeiros investidos na educação pública também nunca chegou perto dos 7% do PIB inicialmente imaginados: o artigo do PNE que estabelecia esse valor foi vetado pelo então presidente da república Fernando Henrique Cardoso e, entre 2001 e 2008, o investimento subiu apenas de 4% para 4,8% do PIB. Embora esse veto pudesse ter sido retirado pelo presidente Lula durante seu governo, isso nunca aconteceu.

De acordo com grande parte dos presentes à Conae, uma das explicações para o fracasso do PNE está justamente nos vetos feitos em relação ao financiamento – o argumento, na época, era que a ampliação dos investimentos tornaria inviável cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sem definir recursos financeiros, o PNE não estabeleceu os meios de realizar as ações preconizadas, tornando-se uma “carta de intenções”, nas palavras de Saviani e de Carlos Jamil Cury, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

Recursos financeiros

Para evitar a elaboração de uma nova ‘carta de intenções’, os delegados da Conae deram atenção especial ao eixo de financiamento. Todos concordavam que era imprescindível aumentar os investimentos públicos em educação e que essa determinação deveria estar explícita no documento final. Mas não houve consenso em relação a qual seria o investimento mínimo ideal, tendo o PIB como referência. Um grupo defendeu que se aumentassem os investimentos para no mínimo 10% do PIB já em 2011, passando para 14% até 2014. Outro grupo defendeu que essa era uma proposta pouco viável, tendo em vista que hoje se investe menos de 5%. Decidiu-se, por fim, estabelecer que até o ano que vem os investimentos devem subir para 7%, aumentando gradativamente até atingir no mínimo 10% em 2014.

Uma das maneiras de conseguir esse incremento foi apontada na própria Conferência, na forma de outras duas propostas: 50% dos royalties advindos de atividades de produção energética devem ser destinados à educação, assim como 50% do fundo social do pré-sal. A vinculação de recursos de impostos para a área também deve aumentar, segundo os participantes. Hoje, pela Constituição Federal, a União precisa investir na manutenção e desenvolvimento da educação 18% de determinados impostos, enquanto em estados e municípios o percentual é de 25%. Para os delegados da Conae, esses valores devem subir para 25% no caso da União e 30% nos demais entes federados.

Foi aprovado ainda que o financiamento das matrículas públicas deve ser feito a partir do custo-aluno-qualidade (CAQ), que corresponde ao custo anual por aluno dos insumos educacionais necessários para uma educação básica de qualidade. Para que se estabeleça o CAQ, será necessário discutir o número ideal de alunos por turma, a remuneração adequada, a formação continuada e as condições de trabalho dos profissionais da educação, além dos materiais necessários à aprendizagem dos estudantes, como salas de informática, bibliotecas e quadras poliesportivas, por exemplo. Os delegados definiram o prazo de um ano para que o CAQ seja formalmente definido.

Deu-se ênfase também à necessidade de criação de uma Lei de Responsabilidade Educacional, já amplamente defendida pelo professor Carlos Cury, entre outros. A ideia é que ela funcione analogamente à Lei de Responsabilidade Fiscal: é preciso que alguém se responsabilize caso as metas definidas não sejam cumpridas. “Essa lei vincularia recursos com a responsabilização daquele que assume um município, um estado e a União. Os governantes, ao se proporem governantes, devem saber que precisam dar conta daquilo que a legislação prevê no âmbito da educação, e devem ser responsabilizados caso não o façam”, explicou Cury.

Dinheiro público para escola pública – menos no nível superior

Ainda nesse eixo, os delegados decidiram que os recursos públicos devem ser cada vez mais utilizados apenas para a educação pública – outra questão apontada pelo professor Saviani no painel inicial: “As instituições privadas devem integrar o SNE precisamente como particulares, e é nessa condição que darão sua contribuição específica para o desenvolvimento da educação brasileira. Não cabe travesti-las de públicas, seja pela transferência de recursos na forma de subsídios e isenções, seja pela transferência de poder, admitindo-as na gestão e operação das instituições públicas que integram o sistema”, defendeu o professor, muito aplaudido. No mesmo painel, a professora Regina Linhares, da Universidade de Brasília (UnB), também falou sobre o assunto, comparando o SNE ao Sistema Único de Saúde (SUS). “A experiência do SUS pode trazer elementos para a nossa discussão. Na saúde, os recursos públicos não são usados apenas na rede pública – e, nesse caso, seu exemplo não deve ser seguido. O que está em disputa aqui é menos a organização de redes de escolas e mais a concepção de educação e de escola pública”, apontou.

No documento final da Conae, os delegados aprovaram: “Aplicação de verbas públicas exclusivamente nas instituições públicas”.  E, seguindo essa linha de raciocínio, definiram também que o conveniamento do poder público com creches particulares se extinga gradativamente – o número de matrículas nessas creches deve ser congelado em 2014 e essa modalidade de parceria deve ser extinta até 2018.

O contrassenso ficou por parte da educação superior: havia uma proposta de também extinguir gradativamente o Programa Universidade para Todos (Prouni) ou “qualquer tipo de convênio entre o Estado e Instituições de Ensino Superior (IES) privadas baseado em isenção fiscal ou pagamento de matrículas em cursos de graduação, fazendo valer o princípio do dinheiro público para a escola pública”. No entanto, apesar da contradição com outras partes do documento, os delegados acabaram rejeitando essa proposta e decidindo pela manutenção dos convênios para o ensino superior. Eles reforçaram, porém, que deve haver uma regulação mais forte do ensino privado por parte do poder público, não apenas no nível superior mas em todos os níveis de ensino.

Diversidade e igualdade

As discussões mais acaloradas da Conferência foram aquelas presentes no 6º eixo temático – ‘Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade’. Não era para menos: em apenas um eixo foram incluídos temas variados como políticas afirmativas, educação de jovens e adultos, inclusão de pessoas com deficiências físicas, educação no campo, relações étnico-raciais e questões de gênero e diversidade sexual. O resultado foi que a deliberação e aprovação de emendas propostas a esse eixo durou três vezes mais que no caso dos outros.

A plenária aprovou a reserva de 50% das vagas nas universidades públicas para estudantes egressos de escolas públicas, respeitando a proporção de negros e indígenas de cada ente federado. Quanto à educação no campo, apesar de propostas para extinguir as classes multisseriadas, foi aprovada sua manutenção, como estratégia para que não ocorra o fechamento de escolas com poucos alunos. Hoje, mais de metade das escolas no campo utiliza esse tipo de classe. O MEC apoia a modalidade e desenvolve o programa Escola Ativa, voltado especificamente para melhorar a qualidade dessas classes, com a qualificação de professores.

Também teve força a discussão sobre gênero e diversidade sexual: os delegados aprovaram a inclusão desses temas na formação inicial e continuada dos profissionais de educação e, no que diz respeito à avaliação de material didático, decidiu-se que deve haver orientações para incluir nos livros a temática das famílias compostas por gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Além disso, definiu-se também que deve haver critérios de eliminação para obras que veiculem preconceitos como os de cor, condição social, regional, gênero, orientação sexual ou linguagem.

Mas uma das maiores polêmicas do eixo ficou por conta da educação de estudantes surdos.  Sua principal reivindicação era o direito a aprender a língua brasileira de sinais (libras) como a primeira língua. Eles propunham, entre outras medidas, assegurar a regularidade de escolas que ofertem educação para o surdo com base em um currículo bilingue (português e libras), consolidar o ensino de libras na formação de professores e inserir exames de proficiência nessa língua em concursos e demais processos seletivos para professores que atuarão com surdos. Tudo isso foi rejeitado: houve muita discussão, mas decidiu-se que crianças, adolescentes, jovens e adultos com quaisquer necessidades educacionais especiais devem ser incluídas em escolas regulares. Delegados não-surdos mas com outras necessidades especiais se manifestaram, afirmando que essas propostas eram segregadoras. De acordo com Neivaldo Zovico, professor surdo presente na Conae, não se trata de uma questão de segregação, mas de real inclusão: segundo ele, nem todos os professores são capazes de dar aulas para surdos, pois a formação que possuem em libras é, em geral, de apenas 60 horas – insuficiente para aprender uma nova língua.

Formação e valorização de docentes

Na formação de docentes, outro grande ponto de discussão: o ensino a distância. Na frase “a formação inicial deverá se dar preferencialmente de forma presencial”, proposta no documento-base, a manutenção do termo “preferencialmente” rendeu quase uma hora de debates. A maior defesa para a manutenção da possibilidade de educação a distância estava em garantir a formação de professores em áreas com baixa densidade demográfica, em que as distâncias são grandes e não há universidades. Na plenária final, a palavra foi retirada e decidiu-se que a graduação de professores deve ser sempre presencial – a não ser em casos excepcionais, para a formação de profissionais já em exercício.

A Conae defendeu ainda a definição de um plano de carreira para docentes, um sistema de dedicação exclusiva do professor a um único cargo e o cumprimento do piso salarial de docentes. Segundo os delegados, a correção anual do valor desse piso deve ser feita a partir do Índice do Custo de Vida (ICV), calculado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Além disso, a plenária rejeitou o uso de sistemas de premiação e punição para professores, aprovou licença automática e remunerada para profissionais que estejam fazendo parte de cursos de mestrado e doutorado e estabeleceu que deve haver expansão da pós-graduação pública e gratuita para profissionais da educação.

Educação profissional

“Ao discutirmos educação profissional e inclusão, é preciso definir de que educação profissional e de que inclusão estamos falando. Estamos sob uma ótica neoliberal, de mercado, ou tratando a educação como um direito igualitário e de todos? É preciso, antes de mais nada, saber qual projeto ideológico está pautando a discussão”. O alerta é do professor Dante Henrique Moura, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), no colóquio ‘Educação profissional, demanda e inclusão social’, do qual também participou José Carlos Manzani, auditor educacional do Senai-SP.

Para Dante, o ideal é estar no segundo ponto de vista e encerrar a dualidade histórica que se estabeleceu entre a educação básica e a profissional, apostando na integração entre educação, trabalho, ciência, tecnologia e cultura. “Não adianta qualificar mão-de-obra especificamente para atender a um mercado. Quando as necessidades desse mercado mudam, o trabalhador vai para a rua”, disse, bastante aplaudido pelo público.  Já José Carlos defendeu a ideia oposta: que a formação seja feita tendo como objetivo o mercado de trabalho. “Não vejo problema algum em elaborar um currículo ouvindo o que os empresários querem em seus empregados”, disse – e foi também muito aplaudido pelos mesmos delegados. Nas plenárias, aprovou-se que o financiamento e a expansão da educação profissional deve ter ênfase na modalidade integrada ao ensino médio, tanto para alunos em idade regular como para aqueles da modalidade EJA.

Acompanhamento

Um dos problemas do atual PNE é que suas resoluções não se viram, em boa parte do país, refletidas em planos estaduais e municipais de educação, como estava previsto. De acordo com o deputado Carlos Abicalil (PT/MT), isso só se concretizou em dois terços dos estados e um terço dos municípios. Os participantes da Conae reforçaram a necessidade de assegurar a construção desses planos, assim como fazer com que a sociedade possa acompanhar o cumprimento das metas mais de perto no âmbito municipal, estadual e nacional. De acordo com Saviani, para isso é fundamental repensar a estrutura do PNE, concentrando-se nos aspectos fundamentais. Isso porque o Plano atualmente em vigor possui 295 metas, nem sempre muito objetivas. “É preciso redigir algo mais simples de ser acompanhado. Por exemplo, se for definido que municípios serão responsáveis pela infra-estrutura do sistema, é preciso definir tempos de adequação, o que cada município deve fazer e qual será o seu plano de trabalho”, apontou o professor.

A Conae decidiu que se deve institucionalizar a prática de conferências municipais e estaduais de educação de quatro em quatro anos. Também deve ser criado o Fórum Nacional de Educação, que vai acompanhar a tramitação do novo PNE, convocar e coordenar as próximas Conaes e incidir pela implementação das decisões aprovadas. Além disso, devem ser garantidas eleições nas escolas para escolher seus diretores, além do fortalecimento dos conselhos municipais e estaduais de educação.

Problemas de estrutura

O processo funcionou assim: primeiro, um documento-referência da Conae foi disponibilizado pelo MEC. Nas conferências municipais e estaduais, os delegados podiam fazer emendas ao texto, com supressão, alteração ou inclusão de trechos. Emendas aprovadas em cinco ou mais estados entraram no documento-base, usado durante a Conferência Nacional. Por outro lado, emendas propostas por menos de cinco estados só entraram no documento-base se foram consideradas relevantes pela Comissão Organizadora Nacional. E apenas aquilo que estava presente no documento-base pôde ser discutido na Conae – as propostas que foram aprovadas por menos de cinco estados e não foram consideradas relevantes pela Comissão, portanto, não podiam mais voltar à pauta.

Para o professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) Cláudio Gomes, presente à Conae, essa estrutura precisa ser revista, já que descaracteriza o viés democrático que as conferências pretendem ter. “O fato de haver um documento de referência previamente determinado, por si só, já inibe qualquer outra abordagem sobre os temas. Passa-se a fazer considerações sobre aquilo que já está escrito, e não sobre o tema proposto. Há uma indução forte. No fim das contas, as contribuições pouco alteram o documento-referência”, observa. De fato, segundo o coordenador-geral da Conae, Francisco das Chagas, apesar das muitas inclusões, houve poucas supressões no documento-referência: após as votações, cerca de 90% do texto se manteve.

Outro problema é a aprovação de propostas que não necessariamente poderão ser consolidadas: “Diz-se muito o que se ‘deveria’ ou ‘precisaria’ fazer, muitas vezes sem o cuidado de verificar a viabilidade jurídica para aquilo, dentro das possibilidades da legislação. Pode-se constatar, por exemplo, que muito o que se discutiu passa por uma reforma tributária: piso salarial, planos de carreira, atribuição de competências aos entes federados. Estamos esbarrando o tempo todo no tema da reforma tributária”, aponta Cláudio.

Ele critica também a condução das plenárias – na sua opinião, um problema comum a outras conferências. “Dá-se uma pressa muito grande. Há uma clara orientação aos coordenadores de mesa para que as plenárias sejam muito velozes, o que dificulta os trabalhos”, diz. E isso ficou muito claro durante a Conae: em todas as plenárias era possível ver delegados com dúvidas sobre a condução, muitas vezes sem entender bem o que os coordenadores haviam dito e até votando tanto pela aprovação como pela rejeição da mesma emenda.