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Pronatec: qualificação e trabalho sob demanda

Em parceria com outros 12 ministérios, MEC promove a formação que as empresas pedem. Especialistas criticam promessa de emprego
Cátia Guimarães - EPSJV/Fiocruz | 17/12/2013 09h00 - Atualizado em 01/07/2022 09h44
Foto: Marcelo Casal Jr.

Nunca antes na história deste país. A conhecida frase do ex-presidente Lula para se referir aos feitos do seu governo bem poderia ser usada para resumir a caracterização que diferentes ministérios têm dado às parcerias firmadas em torno do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), originalmente gestado no Ministério da Educação (MEC). O Programa, que orienta a política de educação profissional no Brasil, atua em parceria com outros 12 ministérios que são, em sua maioria, demandantes, ou seja, ajudam a identificar, na sua área de atuação, pessoas interessadas e cursos interessantes. Papel diferenciado tem o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que ficou responsável pela outra ponta: o contato com as empresas para identificação das áreas de formação nas quais elas têm ou pretendem abrir vagas num futuro próximo. “Pela primeira vez está-se fazendo um mapeamento de demanda. Estamos tentando construir um mapa da educação profissional e tecnológica no país”, diz Nilva Schroeder, coordenadora-geral de desenvolvimento e monitoramento de programas do MEC.

Essa “ação sistêmica”, que envolve diferentes níveis de governo, instituições de ensino e o empresariado, é uma das grandes apostas do governo para a geração de emprego no país. Mas especialistas nos campos da educação profissional e do trabalho questionam não só o ineditismo dessa ação casada quanto a viabilidade da promessa e de seus possíveis resultados. “O modelo de desenvolvimento brasileiro demanda pouco trabalho qualificado e consequentemente é inercialmente refratário a essas políticas mais ativas de qualificação para o trabalho, que geralmente são associadas ao Pronatec. Temos aí um descompasso: por um lado, um governo que tenta estimular a qualificação profissional e, por outro, um modelo de desenvolvimento que prescinde dessa formação mais qualificada”, analisa Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) que estuda as configurações do mundo do trabalho.


Populações vulneráveis

De acordo com dados fornecidos pelo MEC , o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) é hoje o maior demandante do Pronatec, responsável por 40,9% das matrículas efetuadas até novembro de 2013. A principal parceria com esse ministério visa priorizar os beneficiários do Programa Bolsa Família na oferta de qualificação profissional. E o resultado – das inscrições – tem sido estimulante: segundo o diretor de inclusão produtiva urbana do MDS, Luiz Müller, a meta era matricular um milhão de pessoas até 2014, mas ela deve se ampliar porque, no final de 2013, esse número já tinha passado de 800 mil. Segundo os cálculos do MDS, 56% dos matriculados são jovens entre 16 e 29 anos e 66% deles são mulheres.
 

Chama atenção o fato de que os cursos oferecidos nessas parcerias sejam principalmente de Formação Inicial e Continuada (FIC), ou seja, de curta duração

Esse é o típico caso em que o Pronatec visa funcionar como uma ‘porta de saída’ dos programas de transferência de renda. De acordo com Luiz Müller, depois de fazer a busca ativa das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade que devem se beneficiar da transferência de renda e de encaminhá-las aos serviços já oferecidos pelo Estado, o MDS busca um caminho que lhes dê autonomia. “Há que se garantir que as pessoas desenvolvam autonomia. E, no nosso mundo, isso se dá pelo trabalho”, diz, informando que a qualificação profissional hoje é identificada pelo ministério como o centro do processo de “inclusão produtiva”. E é aí que entra o Pronatec.

Expectativa semelhante tem o Pronatec Prisional, desenvolvido a partir de um termo de parceria firmado entre o MEC e o Ministério da Justiça em fevereiro de 2013, que reservou 90 mil vagas do Programa para o sistema prisional, incluindo os presos em regime fechado, semi-aberto e aberto, com penas alternativas e também os egressos há menos de um ano.  “Cedo ou tarde, essas pessoas sairão do sistema prisional. O que a gente quer é que elas saiam melhores do que quando entraram. Como podemos fazer isso? Trazendo algumas políticas para dentro do sistema prisional”, explica Mara Barreto, coordenadora-geral de reintegração social e ensino da diretoria de políticas penitenciárias do Ministério da Justiça. E completa: “Não tenho garantia de que quando elas saírem do sistema prisional, não vão reincidir e voltar para o sistema, mas posso garantir uma igualdade de oportunidades. E é isso que a gente tenta quando traz políticas de capacitação profissional para elas”.

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF), José Rodrigues, esse foco nas populações vulneráveis como público da educação profissional é um dos indícios de que não existe nada de novo na política atual. “O decreto de Nilo Peçanha em 1909, que é considerado o primeiro marco legal da Educação Profissional, já dizia que o primeiro dever do Estado era com os órfãos e desvalidos”, exemplifica. Para Marise Ramos, professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), além de manter essa concepção restrita de educação profissional, a versão atual dessa política está ignorando estudos que, segundo ela, já mostram que essa população não tem conseguido sair do círculo da transferência de renda, tendendo a migrar de um programa assistencial para outro.


Que formação para que emprego

Chama atenção o fato de que os cursos oferecidos nessas parcerias sejam principalmente de Formação Inicial e Continuada (FIC), ou seja, de curta duração – mínimo de 160 horas e máximo de 600 para oferta no Pronatec – e baixa especialidade. No caso do Pronatec Prisional, essa é uma exigência, segundo Mara Barreto, porque é difícil garantir que os presos fiquem num mesmo estabelecimento durante muito tempo. Além disso, de acordo com a coordenadora, 67% da população carcerária brasileira não tem nem o ensino fundamental completo, o que limitaria a oferta de cursos técnicos, que requerem o ensino médio. Mas em outras modalidades do Programa em que não existem essas restrições, o perfil de demanda e oferta é o mesmo. Apesar de Luis Müller destacar, por exemplo, que, atualmente, cerca de 2 milhões de jovens de 15 a 17 anos beneficiários do Bolsa Família cursam o ensino médio na série correspondente à idade, o Pronatec Brasil sem Miséria também só demanda cursos FIC.

Esse perfil, na verdade, vale para o Pronatec como um todo: de acordo com dados do MEC, o curso mais ofertado até agora, com mais de 222 mil matrículas, foi o de auxiliar administrativo, que tem a carga horária mínima de 160 horas. A coordenadora do MEC, Nilva Schroeder, entende que esses números precisam ser relativizados, já que, exatamente em função da diferença de carga horária, num mesmo período de tempo atende-se muito mais alunos de cursos FIC do que de curso técnico. Segundo ela, até 2013 o Pronatec teve quase 5,5 milhões de matrículas e, dessas, 392 mil são de cursos técnicos – os outros são de Formação Inicial e Continuada. Ela reconhece que, no balanço feito no final de 2012, uma das conclusões foi a necessidade de se ampliar a oferta de cursos técnicos. Mas o fato é que, hoje, eles praticamente não estão presentes nos cursos demandados pelos ministérios parceiros. “Quando um ministério entra como demandante, acaba buscando o caminho mais rápido, de atendimento imediato. Mas alguns já começam a entender que também precisam demandar cursos técnicos”, justifica Nilva.

Como o esforço é ‘casar’ a oferta de cursos com a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, é preciso ter em vista o perfil do público mobilizado por esses ‘braços’ do Pronatec. Para o professor da USP Ruy Braga, a caracterização é clara: trata-se de uma massa da população que está saindo da pobreza absoluta e entrando na pobreza oficial. “Geralmente essa transição é difícil porque essa massa pauperizada não tem qualquer qualificação para o trabalho, até porque não teve experiência anterior de atuação no mercado formal”, explica. E completa: “Essa massa está se localizando no interior do que a gente pode chamar de população estagnada, ou seja, aquela população que ocupa os piores postos de trabalho, os mais degradantes e pior remunerados”. Que resultados essa política de qualificação profissional pode ter para a inserção dessas pessoas? “Se você pega alguém que veio da informalidade, que estava nos grotões da miséria e do subdesenvolvimento e lhe ensina a prestar uma informação sobre um evento de Copa do Mundo, por exemplo, ela sente isso como um progresso”, reconhece Ruy Braga. Mas pondera: “No entanto, do ponto de vista agregado, global, do país, isso reproduz as bases desse neo-subdesenvolvimento, que se caracteriza justamente por postos de trabalho muito mal remunerados e subqualificados”.

Para Marise Ramos, o ciclo da estagnação se fecha quando a maioria dos cursos oferecidos, além de terem curta duração, são de baixa especialidade. “A princípio, pela natureza dessas funções, elas poderiam ser aprendidas no próprio processo de trabalho”, questiona. E pondera: “Podemos considerar que uma formação preliminar antecipe essa aprendizagem e com isso facilite a adequação do trabalhador ao posto. Faz sentido. Mas não se trata de um requisito propriamente”. A coordenadora do MEC, no entanto, aposta no estímulo individual que esse processo pode gerar. “Eu não acredito que cursos de formação inicial e continuada vão mudar a vida de uma pessoa, mas é mais uma porta de entrada. Um trabalhador da construção civil, que não tem nem ensino médio, fazendo curso num lugar com estrutura de escola, pode juntar forças para voltar a estudar”, acredita.


Qualificação profissional e modelo de desenvolvimento

Agência Brasil

O baixo grau de especialidade dos cursos que têm sido priorizados nessas parcerias não é exclusividade do Pronatec Bolsa Família ou Prisional, que são voltados para essa população mais vulnerável. Um exemplo é a preocupação de Fabio Mota, secretário de programas de desenvolvimento do turismo do Ministério do Turismo, de ‘perder’ os trabalhadores formados nos 54 cursos demandados pelo Pronatec Copa-Turismo, que englobam áreas como auxiliar administrativo e recepcionista. “O maior problema do turismo é que perdemos trabalhadores para a construção civil e outras áreas. A gente corre o risco de qualificar o trabalhador e perdê-lo”, diz. Atentos principalmente aos grandes eventos futuros, como a Copa do Mundo, ele explica que o Pronatec vem fazer a “base da pirâmide”, criando um padrão para os serviços que hoje se encontram abaixo da média, principalmente no Norte e Nordeste, onde, segundo ele, prevalece o turismo “sol e praia”.

Ruy Braga alerta que é preciso não perder de vista que são as empresas – e não a qualificação do trabalhador – que controlam o mercado de trabalho. “As empresas atuam nos dois lados: elas empregam numa ponta e demitem quando lhes é conveniente na outra”, diz

Ruy Braga considera que esse perfil de qualificação responde aos postos de trabalho que têm sido criados no Brasil. Segundo ele, 94% dos 2,1 milhões de empregos formais gerados no país nos últimos dez anos pagam até 1,5 salários mínimos, cerca de R$ 1.000.  De acordo com o professor, o desenvolvimento econômico brasileiro, na última década, se baseou em quatro motores principais: “a indústria financeira, a indústria da construção civil, o agronegócio e a mineração e energia”. E esses setores, explica, têm um “desempenho bastante piramidal”, com “uma concentração muito grande de postos qualificados no topo e uma base rombuda de postos não qualificados ou semiqualificados”. “Esses últimos dez anos foram de uma absorção enorme de trabalhadores nesses setores. Mas eles não são absorvidos em postos de trabalho qualificados pelo simples motivo de que não há necessidade de postos de trabalho qualificados ou altamente qualificados se reproduzirem nesses setores”, explica. De acordo com o professor, esse quadro é complementado pela expansão conjunta do setor de serviços, que também gerou emprego nesse período. “Uma massa de gente que havia sido dispensada nos anos 1990, principalmente pela indústria de transformação, foi reabsorvida pelo mercado de trabalho formal, principalmente no setor de serviços. Mas essas ocupações também não exigem qualificação ou requerem qualificação muito baixa”, explica. Marise concorda: “O modelo de desenvolvimento brasileiro, pelo fato de ter a natureza dependente, implicou e implica uma associação com a burguesia internacional. E, com isso, impõe a divisão do lucro. Isso significa um processo de superexpropriação da classe trabalhadora, que fez com que o modelo de desenvolvimento sempre se desse em cima de salários muito baixos e postos de trabalho simples. Hoje a retomada da lógica do neodesenvolvimentismo se dá sobre um tipo de produção que não requer trabalho qualificado”, completa, fazendo referência ao conceito de capitalismo dependente usado pelo sociólogo Florestan Fernandes para entender a realidade brasileira nas décadas de 1960 e 1970. E resume: “Há um desenvolvimento sim, mas um desenvolvimento pobre”.


Há vagas?

Por trás desse esforço conjunto em torno do Pronatec existe a convicção, pelo menos por parte de alguns ministérios, de que o país vive um ‘apagão de mão de obra’. Em outras palavras: há vagas, as empresas querem contratar, mas não encontram pessoal qualificado no mercado. Por isso o empresariado tem sido ouvido para ajudar a definir os cursos oferecidos pelo Pronatec nas suas diversas modalidades a partir da sua demanda real. E é aí que entra, principalmente, o papel do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que coordena o Pronatec Brasil Maior, fazendo a mediação com o setor produtivo. “A grande verdade é que hoje a maioria das empresas está com dificuldade de encontrar pessoas qualificadas no mercado”, diz Rafael Marques, diretor de departamento de tecnologias inovadoras do MDIC. Ruy Braga discorda: “Não há a menor chance de que tenha um apagão de mão de obra no país”, e justifica: “Você não pode falar em apagão de mão de obra quando 43% da população economicamente ativa continua na informalidade. As empresas têm um excedente populacional, uma massa de supranumerários acantonados nessa informalidade gigantesca, à sua disposição”.

Mas o fato é que, provocadas pelo governo, as empresas têm apresentado demandas. Segundo Rafael Marques, a indústria diz que precisa de trabalhadores que atuam desde o chão de fábrica até a gestão – a carência maior estaria na chamada área operacional. Também de acordo com o representante do MDIC, os cursos mais demandados pela indústria são os de curta duração. Na sua avaliação, essa resposta das empresas comprova a demanda e o chamado apagão. “Não estamos fazendo prospecção. Estamos perguntando para a indústria”, argumenta. Luiz Müller, do Pronatec Brasil sem Miséria, segue a mesma linha: “Hoje faltam trabalhadores em vários setores econômicos. Estamos formando trabalhadores novos para postos de trabalho novos”, diz. Para ambos os ministérios, a construção civil aparece como o principal exemplo dessa demanda.

Ruy Braga alerta que é preciso não perder de vista que são as empresas – e não a qualificação do trabalhador - que controlam o mercado de trabalho. “As empresas atuam nos dois lados: elas empregam numa ponta e demitem quando lhes é conveniente na outra”, diz, e explica: “As empresas querem e produzem uma massa de população excedente. Ou seja, elas demitem. Quando atravessam um ciclo de negócios qualquer – o exemplo mais típico são os investimentos para a Copa do Mundo, Olimpíadas e coisas do gênero –, querem contar com uma massa de gente disponível para trabalhar durante esse período. E quando não for conveniente, elas demitem esses trabalhadores, conforme a sua decisão”. A demanda por trabalhadores como resposta à ação conjunta do Pronatec seria, segundo ele, parte desse processo.

Marise Ramos concorda e destaca uma característica dos postos de trabalho gerados nesse contexto: além de serem de natureza simples, são também temporários. “São postos de trabalho gerados por medidas não estruturantes, em razão de eventos ou de investimentos em obras do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], por exemplo, que têm um tempo dado. A questão é: e depois? Como as formações oferecidas não são de natureza efetivamente profissional, que proporcionem algum domínio dentro de um campo científico-tecnológico, o resultado é que pode haver uma inserção racional de trabalhadores, também temporária e instável”, analisa.

Para o professor da USP, a posição das empresas nesse processo é “muito conveniente e confortável”. “O que temos hoje é uma demanda das empresas para que o Estado atue, por intermédio das políticas públicas, como o principal instrumento de garantia e manutenção dessa população excedente às necessidades imediatas das empresas porque elas querem contar com esse pessoal para entrar no mercado de trabalho quando puderem aproveitar o ciclo de negócios e investimentos”, diz Ruy Braga. E completa: “Nesse sentido, as políticas de formação são políticas de administração da superpopulação relativa em benefício, evidentemente, das empresas”.
 

O fato concreto é que, até agora, o controle dessa formação tem sido das instituições privadas ligadas às mesmas confederações de empresas que demandam essa qualificação

Rafael Marques, no entanto, não vê oposição entre os interesses do setor produtivo e do trabalhador. Ele defende que, com essa ação conjunta em torno do Pronatec, estão se aliando dois objetivos: a inclusão produtiva e o aumento da competitividade das empresas. Ele identifica o “casamento entre a demanda e a oferta” promovido por essa política como um grande benefício para o trabalhador que, hoje, se forma aprendendo exatamente o que a empresa precisa que ele saiba e com isso tem mais chances de inserção. Mas ele não deixa dúvidas de quem é o foco principal do Pronatec Brasil Maior: “O fato é que a remuneração de mão de obra vem subindo nos últimos dez anos e a produtividade não aumenta. A margem de lucro das empresas está sendo espremida”, diz. E completa: “Qualificação profissional é a única saída para se ter aumento de produtividade no país”. Para o professor da UFF, José Rodrigues, qualquer semelhança com a teoria do capital humano — em que “a educação é reduzida a um processo de formação de recursos humanos (...) sob determinadas técnicas e procedimentos” e com “uma brutal redução na concepção de ser humano, que é visto como (...) uma máquina que, se aprimorada, produz mais”, na definição de Gaudêncio Frigotto – não é mera coincidência.

O fato é que para resolver o ‘problema’ das empresas, outras ações têm sido organizadas dentro do próprio Pronatec. Além de demandar a formação de novos trabalhadores que seriam contratados, as empresas podem solicitar, pelo Pronatec, a formação dos seus próprios funcionários. “A empresa que investe em qualificação gasta e, às vezes, perde o seu trabalhador para outra empresa por um salário um pouco maior”, conta Rafael Marques, do MDIC. E completa: “Essas empresas já iam atrás das instituições formativas. Contratavam essa formação in company e pagavam do caixa da própria empresa. Quem paga agora é o Estado”. Um exemplo é o Pronatec Copa na Empresa, desenvolvido em parceria com o Ministério do Turismo, que oferece capacitação dentro dos estabelecimentos que atuam nessa área.


O ganho das empresas

O problema é que, na configuração que o Pronatec vem ganhando desde a sua criação, além de o Estado pagar a conta, as empresas estão ganhando duas vezes. Isso porque a maioria esmagadora dos cursos – 80% das matrículas feitas até novembro de 2013 na modalidade de bolsa formação, que é a que envolve os ministérios parceiros —, são, de acordo com dados do MEC, oferecidas por instituições do chamado Sistema S, que pertencem às confederações dessas mesmas empresas. “Se houver discrepâncias, elas vão aparecer”, diz Nilva Schroeder sobre o processo de escolha das instituições que realizam os cursos, sobre o qual o MEC não tem qualquer interferência, desde que elas estejam cadastradas no Pronatec.

Tudo depende da pactuação local: mesmo que numa determinada região, um Instituto Federal e uma unidade do Sistema S se disponham a atender a uma mesma demanda, não existe definição prévia nem critério de ‘desempate’. Quem escolhe é o demandante, seja a empresa, para as turmas fechadas dos seus funcionários, ou o ministério da vez, para as turmas abertas. “A escolha é feita por um processo político de articulação que se dá lá na ponta. O desejável é que todas as instituições ofertantes sentem e discutam, que não se dê uma oferta de balcão”, explica Nilva, reconhecendo, no entanto, que não há garantias sobre o quanto esse desejável está sendo feito.

O fato concreto é que, até agora, o controle dessa formação tem sido das instituições privadas ligadas às mesmas confederações de empresas que demandam essa qualificação. Os 80% de matrículas do Pronatec realizadas no Sistema S até agora estão distribuídas assim:  43% no Senai, que é ligado à Confederação Nacional da Indústria (CNI); 30% no Senac, da Confederação Nacional do Comércio (CNC); 4% do Senat, ligado à Confederação Nacional do Transporte (CNT); e 3% do Senar, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA). “As empresas ganham três vezes. Primeiro, pelo subsídio do governo que já existe para o Sistema S. Segundo, porque é subsidiado de novo pelo Pronatec. E ganha uma terceira vez porque aproveita essa mão de obra formada ou, se não aproveita, tem à sua disposição um exército industrial de reserva”, analisa Marise Ramos, que completa: “É até assustador de tão óbvio”.

A pesquisadora da EPSJV/Fiocruz, no entanto, não entende que se trate de um processo “maquiavélico”, que tenha como intenção “colocar dinheiro na mão do empresariado”. “O objetivo não é ficar remunerando ou sobrerremunerando o capital, mas sim o Estado aliviar o gasto do empresariado para que ele possa se tornar mais produtivo”, explica. E conclui: “É o princípio keynesiano , mas agora no varejo, neoliberalizado”.

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